Sentada numa cadeira, em frente à mesa da cozinha, juntava com os dedos as migalhas espalhadas pelo tampo.
Num gesto maquinal, destraçou a perna esquerda para a traçar para o outro lado, pudera, toda a manhã por ali, com o corpo obrigado a ter sempre a mesma posição, esquecendo que os ossos estão preparados para a mulher se manter direita nas sua duas pernas, ereta, o corpo deu-lhe então um qualquer sinal impercetível de cansaço, e ela, como habitualmente, limitou-se a obedecer-lhe de forma involuntária, mudando também, ligeiramente, a contorção do tronco.
Levantou-se pela primeira vez, desde o nascer do sol, olhou pela janela para confirmar o decorrer do dia, tirou um copo do armário, abriu a torneira para o encher de água, e por ele a bebeu.
Voltou a sentar-se, para descansar mais um pouco daquela dor no peito que desde sempre a visitava.
Começava como um sintoma de rebentação das ondas, para, momentos depois, acabar por, invariavelmente, se espalhar pela atmosfera, chegando aos armários e ao frigorífico, embatendo com força nas suas paredes amarelas.
Era o princípio daquela sede insaciável, ou a fome diária do pequeno almoço quotidiânico, a obrigação das compras na mercearia tridimensional onde havia fresquíssimos legumes artificiais à terça feira, a cadeira de rei ou de rainha, onde, semi enrolada, descansava dos afazeres, sentada em frente áquela mesa de cozinha, onde juntava migalhas.
Algumas eram de difícil acesso. Escondiam-se entre os inúmeros recipientes que por ali estavam espalhados, um ou outro talher, ou embalagens vazias, mas os seus dedos compridos e treinados, resgatavam-nas de esconderijos inacessíveis, quase interditos.
Como cintilavam, deixava-se ficar por ali, a juntá-las em dunas de pão de trigo fantasiosamente brilhante.
Depois da afronta, os #juncos artificiais, quietos outra vez, já não balançavam com a brisa forte que supostamente entrava.
Só então saía da cozinha e fechava a porta.
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