terça-feira, 27 de abril de 2021


#Yeats

Vagueava 
no jardim
onde vogavam 
os mortos,
com as suas
almas verdes
refletidas
no lago.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

bailarinas, versão 2

Envergando um vestido rosa com bolinhas brancas, parecia a versão acomodada de uma barbie bailarina.
Transportava  música trágica  nos fones que lhe ia entrando pelos ouvidos, enquanto patinava pelas ruas anulando voluntariamente os movimentos ondulantes da cidade.
A sua cabeleira despropositada por vezes raspava o chão, serpenteando, solta, bastava a simples deslocação  do ar provocada, às vezes, pelo  movimento roncador  de um autocarro.
Nas vielas onde não  cabem viaturas tão grandes, era a brisa que se imiscuía nelas, entrava nos recantos onde ninguém cabe, e até nesses lugares quase inacessíveis o seu cabelo vogava com a mesmíssima leveza habitual. Prendia-se nos estendais.
Mais à frente, enrolava-se nas velhas grades dos portões dos palácios de ferro, ou apertava, sob a forma de abraço esquivo, ao longo da avenida descendente, os troncos alinhados das suas árvores. Duas madeixas indomáveis acabaram por se prender num velho cartaz de cartão grosso, atrás de um banco de jardim, com um #anúncio ilegível carcomido pelo tempo.
Atravessava as estações do ano sentando-se  nos canteiros desde que estes mantivessem as flores.
Quando chovia muito, havia  sempre um toldo cor de laranja, onde se abrigasse, com o vestido ensopado a escorrer, vagaroso, para os seus pés.
Ao dançar sobre a passadeira, e após uma eternidade à espera que o sinal tornasse a verde, enrolou, inadvertidamente, os longos cabelos, primeiro,  na copa de uma árvore, e logo a seguir num alto candeeiro mesmo ao lado, sem imaginar que alguém lá se escondia, informe, aproveitando as sombras esguias, o quadriculado dos passeios,ou o recorte assimétrico dos plátanos.
Olhou bem para o alto e viu os morcegos agitaram as asas secas e partirem, de imediato, em busca de um lugar mais sombrio.
Porque o perturbara, informe e esguio, tímido  como as paredes nuas das torres de um castelo, tão ereto como elas, e igualmente guardião dos patos bravos e das cegonhas brancas, as aves que mais ascendem sobre os telhados altos das cidades.
Sentou-se no canteiro das margaridas, com a saia em roda de si mesma e os joelhos fletidos à altura do nariz. Havia por ali uma presença reconfortante que a iluminou.
Uma fada que por ali andava concebeu o trabalho delicado e extraordinário, de cortar tudo com tesouras douradas, quando esse era o caso, o de cortar arestas ou pontas soltas, que, de alguma forma, impedissem a felicidade.
Ela, asas despidas de penas, que se houveram soltado e de imediato juntado aos remoínhos que se formavam entre ruelas circulando em espiral por todo o lado, com as pernas em meias de seda, muito direitas e fusiformes, rodopiava com o cabelo azul em liberdade, que acabou por se enrolar nos poemas que ele, transformado agora em linhas de tinta, escrevia no ar.
As gaivotas iam trazendo palavras que depositavam por ali, sob a forma de guinchos imperscrutáveis.
Por breves momentos, ambos viram um futuro de begónias à altura da barriga, a serem envasadas e desenvasadas conforme a necessidade, e grandes fatias de bolo de chocolate, ele imaginou-se a descansar nos raios de luz que atravessavam as salas, oblíquos, desde as janelas até às paredes do outro lado.
Mas as frases gravadas no ar são efémeras e jamais retornam às mãos de quem as escreveu, ainda que seja uma história de amor.
Eles não  sabiam que nunca tinham existido, nem existiriam, a não  ser na turvação das cores. 



 





sábado, 17 de abril de 2021

Tinha um fato rosa às bolinhas brancas, parecia uma barbie acomodada na sua versão de bailarina,
Música trágica nos fones que lhe entrava pelos ouvidos, enquanto percorria as ruas, deslizando nos patins, indiferente aos movimentos ondulantes da cidade.
Sem equívocos.
A sua grande cabeleira azul, por vezes, raspava no chão,  ou voava, solta, por instantes, com a deslocação  do ar provocada pelos autocarros, quando aguardava a mudança de cor de um  semáforo, e tomava, bebendo, alguma brisa que por acaso se imiscuísse nas vielas, e então soltava-se em fitas ondeantes, que se prendiam nas grades dos palácios, nos seus portões de ferro, ou se enrolava sob a forma de abraço esquivo pelas avenidas, ao longo dos  troncos alinhados das suas árvores.
Se chovia e se recolhia debaixo de um toldo laranja, por exemplo, olhava para si desgostosa, porque as cores não condiziam, ou porque o vestido estava ensopado e escorria num todo, sem formato, alcançando, vagaroso, as pontas dos seus pés.

A sua presença reconfortante iluminou os dois.
Com begónias na barriga e bolo de chocolate.
Era tão esguio  nem um pouco da sua figura sobrava na sombra dos candeeiros altos, lá  para o meio da noite, e por isso se escondia atrás deles.
Sentira inequívocamente a sua presença ao dançar sobre a passadeira no dia anterior, ele inadvertidamente movera-se. Um ligeiro gesto e os morcegos agitaram as asas, e restolharam incrivelmente secos. Depois foram-se embora, em busca de um lugar mais sombrio.
Estava sentada no chão, com a saia em roda de si mesma e os joelhos fletidos à altura do nariz. Aproveitara a relva como tapete persa ou como lençol de seda verde ou de cetim.
Olhou bem para o alto, viu os seus olhos muito ao longe, era de noite, não havia luz verdadeira capaz de esclarecer algumas dúvidas, ou pontos, ou pontas soltas que haveriam de rematar.
Quando a viu, sentiu uma alegria tamanha que se esticou numa linha de tinta e assim se entrelaçou no céu para formar corações e outras palavras belas, para lhe oferecer em modo de reconhecimento. Brilhava em pequenos fios.
Tão tímido como as paredes nuas das torres de um castelo abandonado, tão alto como elas, e em idêntica condição,  guardião das aves que mais alto voam nas cidades, os patos reais e as cegonhas brancas.
Ela, asas despidas das penas, que se houveram soltado e de imediato juntado aos remoínhos que se formavam entre ruelas, acompanhando as folhas, que circulavam em espiral por todo o lado, com as pernas em meias de seda, muito direitas e fusiformes, os dedos grandes dos pés descalços rodopiavam pelas praças vazias, o seu cabelo azul em liberdade, escrevia poemas no ar, enrolava-se sobre si próprio, formava nós, para se prender entre ramos, e se deixar repousar definitivamente num velho  cartaz de cartão grosso, carcomido pelo tempo passado, e perdido atrás de um banco de jardim.
Uma fada concebia o  trabalho extraordinário das tesouras douradas, quando havia necessidade, ou do enlaçamento dos fios de cobre em laços apertados, como nós. O emaranhado estava em movimento. Juntava-se às palavras que as gaivotas iam trazendo, e que depositavam por ali, sob a forma de guinchos imperscrutáveis. Brilhavam, como diamantes na opacidade dos edíficios cinzentos, ela sentava-se nos canteiros dos malmequeres, enquanto mantivessem as flores, ele descansava nos raios de luz que atravessavam as salas, oblíquos, de uma janela ao lado oposto, perfeitos para repousar.
A tinta das palavras gravadas no ar era indelével. Jamais retornaria às mãos de quem as escreveu, jamais seriam outra vez uma história  de amor colorido acontecido na cabeça de alguém. 
Não  eram nada, nem nunca tinham existido, a não ser na turvação das cores.












segunda-feira, 12 de abril de 2021

#Intriga

Preparou uma resenha de palavras sem sentido,
no papel que encontrara para 
para fazer um avião para lançar das falésias. 

Ao fim da tarde iria lá. 

Esperava que o vento soprasse de feição, 
nem muito forte, nem ausente,
só o necessário para que o objeto,
construído aerodinamicamente,
percorresse uns metros de céu a direito, 
com o focinho de papel virado para o oceano.

Escolheu frases ao acaso, porque sabia que, 
mais tarde ou mais cedo,
não  haveriam de permanecer, ficariam encharcadas, 
desfeitas em moléculas ilegíveis, 
admitindo a verdade de que as palavras escritas
não servem senão para que as leiam.

Todavia, não se preocupou com a mensagem. 

Era só uma brincadeira solitária,
uma conexão com viagens sem destino, 
ou com um quotidiano de finais incongruentes,
tanto lhe haveria de fazer que se diluíssem, ou não, 
enquanto boiavam na água, 
de olhos postos nas nuvens, 
enquanto aguardassem a desintegração. 

E portanto, sem raciocínio de maior, 
ou qualquer outro instrumento para as conectar, 
pegou na caneta que tinha no bolso, 
ajeitou a cadeira, que estava um pouco afastada da mesa, 
sentou-se mais confortavelmente 
e escreveu meia folha de uma #intriga de frases, 
errantes,
completamente alheias ao propósito de 
escrever. 

O sol desaparecera, levando a sua tonalidade amarela 
para outros lugares do mundo, 
a noite aproximava-se rapidamente
e o mar permaneceria azul por escassos momentos.

Com o braço encolhido,
para ajudar no impulso fundamental para o lançamento, 
segredou umas palavras ao objeto voador 
colando os seus lábios a uma das asas.
 
Murmurou-lhe um qualquer feitiço, 
daqueles das bruxas antigas que rondavam, às vezes, 
em torno de si.

E o avião seguiu durante algum tempo o seu vôo planador,
perdurando na brisa, até cair na água salgada.










quinta-feira, 8 de abril de 2021

o #Halo dos gatos

Os gatos sabem alguma coisa que eu não sei. 
Observo-os há  tantos anos 
e não consigo compreender onde chega o seu olhar infinito, 
ou o que ouvem no silêncio  mais do que eu. 
Esforço-me para os entender, espanto-me
quando fixam os olhos num qualquer ponto aleatório
colocado noutra dimensão, 
o que alcançam eles para lá do atingível, fora da minha zona de conforto.. 
E ainda atravessam a sala com a vaidade dos animais silenciosos, 
e se enroscam a dormir confortavelmente estiraçados em almofadas, 
ou se equilibram majestaticamente  num muro, 
a absorver o sol amarelo que lhes aquece o corpo lustroso.
Às vezes, são esfinges nos espaços vazios dos tampos dos móveis
e semicerram levemente os olhos verdes quando eu vou a passar.
Os gatos sabem alguma coisa que eu não sei...


 






quarta-feira, 7 de abril de 2021

Ocupavam 
uma #faixa 
ondulante no céu,
ano após ano, 
orientados pelo 
pressuposto
de uma certa
liberdade.
Vinham de 
terras distantes 
procurando
locais encobertos
que supunham 
ver nas árvores.