quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Fausto

A chama pequena
naquelas frações
de segundo
bichanava, normalmente,
o seu nome, "Fausto",
mas a chuva chata
não o deixava
acender os fósforos.
Fazia anos que fugia
de projéteis chalados,
estrelas roxas
arremessadas
das águas de um chafariz
algures entre xabregas
e a China.

Suspeito que
naquele dia
que necessitava,
mesmo, proteger-se
com um xaile
estupidamente luxuoso
encontrado
no saco do lixo,
cheio de chávenas,
e luxúrias,
e chinelas, e chouriços,
pôs-se a brincar.
Chiça, Fausto, fosga-se,
caramba!
Será que foi por isso?












domingo, 28 de janeiro de 2018

Blablabla

Havia dias que dava a volta à casa procurando uma história que não encontrava.
Tinha a ideia de a ter escrito, mas podia tratar-se apenas de um sonho repescado do antigamente, que agora surgia, de forma vaga, ou memórias de um caderno ilusionista, ainda por transpôr.
Foi buscar parte do que tinha, acumulou-o em sete colinas vindas do chão e acomodou-se ao seu  lado, com o rabo numa almofada, e as costas na parede. e prosseguiu, rasgando o que não interessava.
O que buscava era o raio do cheiro de um específico dia, onde diabo estariam metidas as casas velhas, de muros altos, com as janelas para o rio, um gato a apanhar sol no terraço, paisagens mais que vistas, é certo, mas onde nunca ninguém se tinha perdido ao fugir de um furioso e recorrente ataque de particulares limões, que, por serem #canhotos, inclinavam perigosamente a letra em sentido contrário, atingindo as coisas de chamas.
Se me é permitido um à parte, atrevo-me a dizer que os seus gestos compulsivos lhe geraram ligeiras convulsões, eu observava-lhe os movimentos, mas disso não vou falar, porque é irrelevante para a mecânica do acontecimento, assim como é irrelevante a cor da sua almofada.
Quando o espreitei pela fresta da janela, já tinha erigido três montes com o lixo, retocava naquele momento a tinta amarela de umas quantas estrelas, e parecia refletir sobre o seu próprio tamanho, desproporcionado e descomunal,em relação à pequena cidade.
Enquanto isso, olhava, apreensivo, a frágil construção de pedaços de papel rasgado.
Gostava de usar e abusar, do papel molhado, transformado em cola, e reforçava sempre algumas habitações com o ferro enroladinho das argolas, que arrancava.
Depois, eu já sabia, haveria de levantar-se, pela hora do jantar, pisando, indiferente, e sem quaisquer  contemplações, a  construção  que tinha começado, muito provavelmente, penso eu, sentiria fome, e era nesse momento que o sol baixava, e que os gatos principiavam o regresso às suas casas.











tentando articular os gestos compulsivos e as convulsões do coração.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O Albuquerque



Sempre que via uma, era fatal como o destino,
Sentia, um desejo enorme de a experimentar. Se fosse razoável, boa, ou ainda melhor, ótima, esperava o momento certo para a guardar para si.
Uma rápida refleção sobre se estaria certo ou errado,  fazia sempre antes de tomar a atitude, mas a verdade é que, filhos da mãe, também ele, muitas "das" vezes se sentia roubado, e, dentro da sua cabeça,  acabavam por ganhar, invariavelmente,  os piores instintos,
Não tiremos a conclusão, precipitada, de que era um gatuno,  não tinha por si próprio essa falta de consideração. Tudo o mais na sua vida era dentro da legalidade e das normas, e aliás, nunca pensou que tirar aos outros coisas de valor relativo fosse um delito suscetível de pena, como todos os delitos.
Mas os lesados, ciosos dos seus haveres, começaram a desconfiar, e para mais que o viam sempre de bolsos muito cheios. e com ar comprometido., e isso, como é mais que natural, tornou inevitáveis os desabafos.
Naquele vergonhoso dia apanhou-os a conversar:
"É pá, ti não te andam a desaparecer esferográficas?
"Desaparecem..., é verdade..."
"Eu acho que é o #Albuquerque."








quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Yo-Yo

.

Desde que não andasse pela serra a tomar conta do rebanho, entrava no quintal logo no primeiro dia das férias.
 Aparecia, de passo lento, primeiro ouvia-se o restolhar das folhas duma forma especial, diferente da presença invisível de um gato à procura de qualquer coisa, ou mesmo de um pássaro a fugir do perigo, e depois lá aparecia ele, por entre as videiras, com o seu pelo curto e amarelo.
Enquanto durasse a estadia, assim durariam a suas visitas.
Parecia enorme, e para mais com aquela impressionante coleira de ferro, com espigões, para o proteger dos lobos que atacam as ovelhas.
Era um cão muito parado, fazia assim companhia, quase estático, não sei, não me lembro assim tão bem, mas talvez ele fosse  já velho.
Os miúdos brincavam ao seu lado, de pé, horas a fio, porque as crianças não se cansam, e também não têm  medo dos focinhos negros e das orelhas pendentes à altura dos seu peitos.
"Olha-me esta perícia! Olha desde ontem!"
E  alguém tirava do bolso o brinquedo novo, e revelava-lhe, exemplificando, os enormes progressos, a desenvoltura que tinha adquirido com algumas horas de treino, e o #yo-yo subia e descia, rápido,  formando com o eixo da terra um ângulo perfeito.






sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Tabaco

Contrariamente ao espectavel, já que nunca conversámos a sério, tenho a certeza de a conhecer bem. Fumamos o mesmo #tabaco, partilhamos, todos os dias os mesmos caminhos, como comprovam as pegadas que deixa sobre as minhas, com o mesmo tamanho de calçado, e aquela sola particular que marca aos quadrados a terra mole.
A partilha dessa intimidade, dessa relação diária, provoca-me, bastas vezes, um sentimento semelhante ao da amizade, embora, com algumas reservas.
Amedronta-me a sua semelhança com os homem sem mãe, ou com os jardins sem flores.
Quando posso, quando não venho com a cabeça cheia de outras coisas, e me concentro para falar com ela telepaticamente sobre a sua tristeza, acabo sempre a ensinar-lhe a apreciar os recantos, porque é um exercício que ajuda. Muito, mesmo! Pela eficácia desta terapia ponho as mãos no fogo.
Mas como dizia, assustei-me com aquela busca apatetada que fazia de coisa nenhuma, ou a semelhança que gostaria de ter comigo, ou mesmo, e perigosamente, de se apropriar do meu pensamento e do meu corpo.
Não tem ela a noção da minha capacidade para a sentir, ou o que eu percebo mais que ela, e por isso, pela curiosa vantagem que tenho de perceber o que ainda não percebeu,  deixo-a, normalmente, enrolar-se em mil voltas no meu pescoço.










quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

SUL (adapt. EI)

Se dali gritasse: #sul!
era a sua voz que embatia nas montanhas
e aquele eco redondo
absorvia e retinha a palavra
permitindo que seguisse em fio
pelo espaço vazio
pela torrente,
do degelo das águas.

Ou pela corrente de ar quente
e frio
a ouvir-se mil vezes.

E se insistisse gritando: "sul! Eco!"
podia, até, sentir nos pés
os "pês" e os "bês"
enterrados bem longe,
por trás daqueles montes,
na areia tépida da praia.



domingo, 14 de janeiro de 2018

14 de Janeiro

    #Ortodoxo

Torcia-se muito                                                
e ao mesmo tempo
era impulsionado
por aquilo que pareciam ser
choques elétricos
e eu, daqui, via  mover-se-lhe,
desordenadamente,
 o fato, abstrato,
e também reparei
que era abstrata
uma grande parte do
padrão grave
da gravata.
que estava, no momento,
com frio.
A dada altura parou,
e eu pude observar,com nitidez,
a sua alma a deslocar-se
para se instalar, luminosa,
a dois centímetros
dos corpos todos,
que o rodeavam,
ficam as pessoas
cruzadas com ele, coitadas,
inadvertidamente,
com pedaços e áreas
repletos de
peles pintadas, de transparente,
contra a neve da parede.











O Homem (adap. EI)



Parecia-lhe um motivo bem simples, era tudo uma questão de sol e sombra, e era por isso que utilizava uma espécie de cabana, de casinha, de casota de madeira..
Habitava numa das muitas clareiras que tinha aquele bosque floresta montanha que rodeava por todos os lados a cidade.
Ainda bem que assim era, que estava longe do bulício, permitia-lhe trabalhar tranquilamente no desenho da janela que iria fazer na barraca, para reter mais luz, porque naturalmente seria uma questão de luz, ou falta dela, produzir durante o dia, uma sombra tão aterrorizadora.
Às vezes, à noite, chegava-se a uma ravina, sentava-se no chão ou numa pedra, para contemplar o balanço da luz elétrica, e ouvir, ao longe, o sapateado inconfundível dos que pisam o cimento, ou, eventualmente, os batimentos cardíacos dos automóveis.
Não admirava que, se fixasse os olhos, com muita atenção, lá em baixo, percebesse nos arranha céus um certo movimento dançante.
Punha-se a pensar que, talvez, a absorção que, num futuro próximo, depois do desenho da janela concluído, faria da luz, pudesse evitar o medo provocado nas pessoas pela sombra do seu corpo de gigante, e nessa altura talvez ninguém ligasse à sua figura descomunal, e fingissem, nem que fosse por um momento, serem todos do mesmo tamanho.
E era nessa esperança que interrompia, de vez em quando, o seu  trabalhoso desenho, para se ir sentar, no chão das ervas, olhando o vale habitado por seres vivos e tão parecidos, que haveria, também um dia, de  desenhar, ao lado da sua pouco #ortodoxa janela.




sábado, 13 de janeiro de 2018

Nausea (EI)

Por três vezes caíu,
e outras três se levantou,
só que, na última vez, resolveu
erguer-se no ar
para voar
na perspetiva de que o vento
que as suas asas atravessavam
prodigiosamente
e a chuva, inevitável,
para as aves
que não pretendem abrigar-se
pelo caminho,
que prosseguem sem descanso
até ao fim,
talvez eles melhorassem a #náusea
que se instalou
no seu grande corpo
de pássaro sózinho.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Imposto (EI)

Os cordeís, o tempo gastou-os, bem como gastou a tinta preta dos seus olhos desmedidos pintados um dia por alguém.
Para cúmulo, tinha os pés esticados, bem para a frente, pareciam pranchas ou pratos, e era neles que se acumulavam microgramas de pó, que por ali vagueavam, impercetíveis, todos os dias.
Pendurado a um canto da sala, com um sossego que lhe foi  #imposto, não saberiam eles que bastava  tirarem-no dali, de vez em quando, ainda que vagarosamente, para que se movesse o seu corpo, e que, se tivessem a amabilidade de acompanhar os seus movimentos com uma pequena história, iria entreter adultos e crianças, e que era para isso que servia?
Só o braço direito penderia, inerte, para sempre, imprestável, porque se partira o fio, uma perda irremediável que desligava do eixo a sua mão de madeira.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Foz


Vinha ele de viagem, 
o pássaro de cabeça roxa,
quando começou a chover 
muito, 
e ele teve que parar, 
e pousar  no galho de uma árvore 
muito grande, 
para descansar as asas, 
e ali ficou, 
balançando ao sabor 
do vento, 
que era bastante forte.
Vinha a pensar,
pouquinho, 
com a sua cabecinha de ave, 
porque haveria tanto mistério 
associado
aos dias cinzentos. 
e frios,
mas depois, com o seu 
cerebrozinho, pequenino,
de pato,
lá percebeu, que, no verão
em dias de sol, 
sempre nos podemos sentar 
a contemplar o rio
durante dois dias
seguidos,
e ver, lá ao fundo,
a silhueta elegante
de uma ponte,
e também, 
verificar como é engraçado 
a água sentir-se 
quase na obrigação 
de ser 
o espelho ondulado
da grande maioria
das cores.



Foz (EI)

Um dia destes
fui à #foz
com os meus avós.
Já tinha ido à fô
com o meu avô,
e à fó
com a minha avó
mas nunca
à foz com os dois.
O problema é que
a minha avó
tropeçou
partiu o colo
do fémur
e nunca mais
se levantou.
o que é bom
(peço desculpa
por pensar assim),
porque "levantou"
serve para rimar
outra vez com avô
e "bom"
com o meu querido
avom,
que, tristemente,
não conheço.


quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Eliot (EI)

#Eliot escondeu-se numa cantinho, atrás do balcão, e quando viu a D. Jacinta aproximar-se com a vassoura, desatou a correr, atravessando-se à sua frente, para chegar rapidamente ao buraco do rodapé que era a entrada para a sua casa.
Não gostava nada daquela criatura porque sabia muito bem no que aquilo tudo ia dar. A mulher ia começar aos gritos. Gritava sempre o mesmo quando o via: "Ai, um rato!", e subia para cima de uma cadeira.
Essa atitude já era, só por si, um comportamento bastante anormal, mas, para além disso, ainda ficava cinco minutos à espera, lá em cima, antes de voltar a pôr os pés no chão.
Uma vez, em que ele se escondeu, muito bem escondido, mas se esqueceu do comprimento da cauda, porque era muito jovem, na altura, e pouco experiente, ela deu pela presença dele, e começou a tremer e a agarrar-se ao braço do marido.
Ainda por cima, estúpida, vai de dizer: "Estou-lhe a ver o rabo!"
Estúpida e mal educada!