segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Quotidiano

O quotidiano da boneca de pano era muito desagradável.
Primeiro, logo de manhã, atiravam-na para um sítio qualquer enquanto faziam a cama. Depois da cama feita, deitavam-na em cima de uma almofada.
Ficava ali, todo o dia parada, e por força dessa incapacidade que tinha de não produzir qualquer movimento, era obrigada a longas horas de observação do teto.
À noite vinha a criança. Metia-a entre almofadas e cobertores, sem se importar se ela ficava ou não com o nariz de fora para poder respirar. Às vezes sentia-se sufocada mas, apesar de tudo, era ainda assim o melhor naqueles dias aborrecidos.
Uma vez, só uma, levaram-na à máquina de lavar roupa, e ela gostou daquilo, do corpo mais pesado com o peso da água.
Depois de lavada, prenderam-na pelos pés, na corda. Duas molas para cada pé, não fosse ela voar dali e ir parar a algum sítio inacessível, para morrer lentamente à mercê do calor dos verões e dos maus invernos.
Esse dia foi bom. Fixou os olhos imóveis nuns telhados virados ao contrário

Torresmo

Lá para cima para o norte profundo, bem no interior, existe uma fonte que ficou conhecida como a fonte do #torresmo, porque o povo singelo se juntava à sua volta a comer pão e a beber daquela água pura, cujo sabor se assemelhava levemente ao desse alimento.
Pode parecer absurdo, mas não é. Ali bem próximo havia uma fábrica de móveis que todos os dias descarregava resíduos tóxicos para o fluxo das águas que a terra, permeável, absorvia.
Viviam todos em perfeita harmonia. ...Fiscais e autoridades competentes recebiam uns belos borregos pela altura do natal, e aquela gente colmatava a necessidade diária de gorduras, que sabemos fundamentais para o metabolismo de certas vitaminas lipossolúveis.
Nas ocasiões festivas, crianças, velhos e novos davam as mãos e cantavam uma enternecedora canção:

Sabe bem e faz bem
esta água de certeza
ela é milagrosa
ela é maravilhosa
sabe ao verniz da mesa.
(É uma pena. Estas histórias vão-se perdendo no tempo)

Segundo

Hermenegilda, a Vitoriosa
cortou a cabeça
a Segismundo #segundo
seu pai.
E vai daí, que o rei...
ao morrer decepado,
e bem,
deixou o chão encarnado
e todo molhado.
De maneiras que
Cassilda, a Bruta
(mais tarde canonizada)
e D. Urraca, a Velhaca
motivadas por D. Francelino terceiro,
o Carniceiro
juntaram-se
e foram em busca de,
como de resto
se fazia naquele tempo.

Vaidade

Super #vaidade ultravioleta
a uma velocidade tetranormal
nos chifres da branca e preta,
e no por demais evidentemente.
Vai-te catar, um, dois, três...
tantos minipiolhos outra vez
e no cabelo uma flor branca
e o cabelo sujo, sujo...
e aquele regissom nos meus pré ouvidos,
rai's ultraparta isto!
Vai todo emproado o hiperpótamo,
e ultrapassa, vaidoso, até
o megadeus do hipotálamo
o micromerdas!

Deus XL

Deus #XL
Foi o granito de uma rocha
digamos que se descolou
à minha frente,...
e também eu, nessa altura
me desfiz em areia.
Nem assim desapareci
nem te pedi ajuda
deus grande.
Só quando já nada mais
podia fazer
os recursos de trabalho
esgotados
as mãos incapazes,
e eras deus grande
porque eras,
e eras tu
quem iluminava
alguns caminhos,
ou uma possibilidade
que me ocorreu
no silêncio.

Zumba

Dançava #zumba
a bela zínia.
Andava zombie?
Dava bagas de zimbro
a papar a uma zebra?...
Toda sorrisos,
induzia zorros zulus
a zarpar?
Era uma coisa zarolha?
Uma coisa com asas?
Azar o dela!

Aquário

Num dos cantos do #aquário existia uma pequena abertura triangular por onde passavam tubos para o aquecimento da água, e outros apetrechos de que agora não me estou a lembrar.
O gato gostava de olhar atentamente lá para dentro sabendo que aqueles peixinhos, vivos, eram bons para comer.
O que é certo é que através desse espaço reduzido mergulhou na água uma das suas patas dianteiras.
De início, os peixes fugiram todos para o lado oposto ao da ondulação, uma forma de fica...rem longe daquela sombra estranha.
Depois, lentamente, foram retomando os seus habituais movimentos, e já um lindíssimo limpa fundos inclinava o corpo azul elétrico sobre o cadáver de um guppy, e, enquanto o fazia, bamboleava calmamente a elegante cauda cor de fogo. Acabado o repasto virou-se, espreitou o gato com o seu olho de peixe, certificou-se da sua imobilidade de rocha, e prosseguiu caminho.
E se são rápidos, os felinos...!