sexta-feira, 28 de junho de 2019

Stonewall

O único incidente desagradável do dia foi quando, no anfiteatro, me levantei ligeiramente da cadeira, para dar passagem ao dr Fausto, que tinha chegado atrasado, os pés me escorregaram, e, sem querer, rasteirei-o. o que o fez desiquilibrar-se e caír desamparado no meu colo. De resto, foi tudo muito agradável, e também muito interessante e produtivo.
Os oradores eram figursas conceituadas, e não houve, com toda a certeza quem não tivesse aprendido qualquer coisa, o mínimo que fosse, sobre "Como Falar De Forma Incompreensível, Exaustiva,e Tremendamente Chata"?
Gosto de ir aos congressos. Sobretudo da parte das bolachinhas e do café, que se misturam com as conversas agradáveis com os meus pares.
A Magda expôs o seu trabalho, fruto de dois anos de pesquisa, sobre o "Dissentir do Corolário", insistindo na noção de "Estratégias Capsiosas, uma linha de pensamento muito em voga neste universo apaixonante e complexo que é o de fazer chegar ao mundo as diversas formas incompreensíveis de comunicar
Os conceitos de "Kill Bill" e "#Stonewall "também foram focados, e Alcatra, a coleguinha loura do Gabinete de Hermenêuticas e Outras Coisas focou o assunto tremendamente bem.  Tive ocasião de lho dizer, no intervalo das onze e trinta,por altura do segundo pastel de nata.  Ela corou ligeiramente enquanto nas suas narinas apareceram dois macaquinhos que me vieram dizer adeus.
Vou reter essa afável imagem durante uns tempos na minha mente.

domingo, 23 de junho de 2019

Véspera de #Noite_Junina


O grande pássaro encantado esperava por ele no jardim,
enquanto se entretinha a debicar alguns
insetos que passavam entre as ervas.

A criança desceu agilmente a escadaria,
abriu a porta, correu uns passos,
e saltou com destreza para o dorso do animal.

Não comunicaram, não foi necessário,
porque ambos sabiam o que tinham a fazer.

O pássaro gigante iniciou o seu vôo inclinando-se,
perigosamente, em direção às nuvens,
para ganhar altitude,
e ele abraçou o seu pescoço com muita força, para não cair.

Atravessaram a chuva até ela sucumbir no fundo
dos seus corpos,
e voaram sobre as aldeias  minúsculas,
enquanto o movimento compassado
das grandes asas, ia cortando o céu azul.





sexta-feira, 21 de junho de 2019

cjcjcj

Havia fortes motivos para que se considerasse aquela casa bastante sinistra.
Não só o aspeto do edifício, decrépito, com um jardim em volta, abandonado às ervas daninhas, como, principalmente pela família que nela habitava, de hábitos e fisionomia duvidosos, e que tinham o condão de deixar os outros habitantes, senão amedrontados, pelo menos bastante apreensivos.
Por isso não é de admirar que o carteiro, que tinha de se aproximar, devido às inerências da profissão, tivesse um certo receio de o fazer.
Quando, naquele dia, Silvino Selo se apercebeu que tinha de tocar à campaínha da inóspita casa e falar com uma das estranhas criaturas, ficou apavorado.
Chegou-se à porta, tocou rapidamente no botão, e fugiu, escondendo-se atrás de uma árvore.
A porta abriu-se, lentamente, e ele pôde vislumbrar os contornos de uma figura horrenda, de cabelos desgrenhados e pele escamosa, vestida com os andrajos mais repelentes que ele alguma vez tivera oportunidade de ver.
Não estando ninguém à soleira da porta, o monstro deu um passo em frente, para espreitar melhor fora de casa, e, mirando concentrado, o terreno que o rodeava, percebeu a presença de Silvino.
Então, da sua boca fedorenta saíram sonoras gargalhadas maldosas, que ecoaram por toda a aldeia, e vários outros membros do clã surgiram do nada, andando como mortos vivos na direçao do pobre rapaz.
Do outro lado do lugarejo, o tio Armindo, um homem respeitado por aquelas bandas, estendia a roupa à mulher, num gesto de boa vontade que tinha de vez em quando.
Ao ouvir as risadas tenebrosas, largou tudo e dirigiu-se à barraca das ferramentas onde Ernesta estava a afiar os dentes. Tinha que ser rápido, porque a mulher era alérgica a gargalhadas maléficas e podia sufocar rapidamente.
Começava por sentir a garganta a arder, como se tivesse #lume no pescoço, e havia que atuar com a maior celeridade possível.
Silvino Selo, nesse momento, passava sérias dificuldades. A família monstrusoa perseguia-o pela rua abaixo, enquanto gritava cânticos de guerra.
Felizmente que o portão dos Abreus estava aberto, o que lhe permitiu esconder-se atrás de uma outra árvore, já dentro do quintal particular, e despistar as terríveis criaturas, que acabaram por regressar, frustradas, ao seu antro.
Nesse dia o carteiro jantou com o casal, que conseguiu, facilmente,  convencê-lo a voltar a estudar e ingressar na faculdade.











domingo, 16 de junho de 2019

Antero Senisga estava sentado no muro, a olhar o rio grande e luminoso, quando uma #gaivota veio pousar junto a ele.
De iníco nem reparou, gaivotas e pombas eram tão vulgares por ali, que era comum estarem tão próximo de si.
Acontece que ouviu alguém pedir-lhe um cigarro e ele estava ali completamente sózinho, no que a humanos diz respeito, e, mais assutador ainda, parecera-lhe que o som vinha do lado do animal.
Pensando ter-se enganado, voltou a distrair-se com a paisagem fenomonal que tinha em frente, o rio tão largo e brilhante que mal se via a margem do outro lado, mas,

Lisboa, (ou a #Hecatombe de já ter passado o dia da #gaivota)


A rua mantém
a sua inclinação perigosa,
o chão molhado,
e irregular.

Toda a noite ouvi a chuva
a bater na janela.

Quando viro a esquina,
sei
que não está ninguém
àquela hora,
só as aves numerosas,
que habitualmente
se apoderam dos largos
vazios

Manhãs de domingo.
os pássaros sobem
e descem no ar,
comigo,
até pousarem
nas pedras lisas,
eu sento-me num banco,
e eles dispersam
pela enorme praça,
ou repousam nos braços
da grande figura
de bronze

Daqui, deste lugar,
vejo a luz que rompe
as nuvens espessas,
as gaivotas
que bebem água nas
poças,
e a cidade brilhante
a acordar.






domingo, 9 de junho de 2019

zzzz



O acontecimento foi de tamanha importância, que todos concordaram em que devia fazer parte dos manuais de história.
Numa remota aldeia, lá para os lados de coisa nenhuma, mesmo no limite do território do reino, onde ele acabava e começavam as rochas que davam para o oceano, vivia um jovem casal esperando o seu primeiro filho.
 Ana Verme e Dário Nojento  sentiam-se a viver a maior de todas as felicidades.
Enquanto ele ia rachar lenha para o mato, que se estendia atrás da casa, ou pescar para as falésias, ela ficava a apanhar bolota para o pão do jantar. nos terrenos mais próximos.
Quando ele chegasse, fariam uma grande fogueira, amassariam o pão juntos, e cantarolariam alegremente.
O tempo foi passando, a barriga de Ana foi crescendo, até chegar o dia milagroso em a criança nasceu, uma linda menina, tão rechonchuda e delicada que tiveram dificuldade em escolher um nome próprio que fizesse juz a  tanta doçura.
A tia Graça #Zandinga tinha morrido há pouco tempo. Conhecida nas redondezas pela sua bondade extrema, e pelas suas capacidades de adivinhação, Ana e Dário entenderam que era justo homenageá-la dando à criança o nome da velha tia.
E assim,  Gracinha de Verme Nojento cresceu rodeada de amor e tranquilidade,
Nem ele própria, nem os outros,  se aperceberam de que ela tinha poderes extraordinários, e apesar de lhe sucederem algumas anormalidades, tais como, espirrar e fazer cair os bibelots da sala, ou pôr o automóvel do pai a fazer marcha atrás, até ele ir de encontro às árvores, só com o poder da mente, fora esses detalhes, também Gracinha vivia na ignorância em relação às suas reais capacidades.
Foi num fatídico jantar de natal, quando desejou muito que saíssem lesmas dos olhos do irmão, depois de ele lhe dar um pontapé propositado, e viu a mesa cheia delas fugindo do ponto de embate, vagarosamente pela toalha, que percebeu tudo.
Juntou as mãos no peito, agradecida,  e olhou para o céu, de onde a tia Graça, sorridente, lhe dizia um último adeus.









sexta-feira, 7 de junho de 2019

Depois de #Yourcenar

O Jacinto perdeu o apetite.
O outro tinha saído pelo tempo das orquídeas em flor,
que assim ficaram, resistindo durante um mês, mais dia, menos dia, tranquilizando
transitoriamente a casa com as suas cores suaves e perfeitas.
Depois as flores  começaram a secar, mirraram, uma por uma,
e  caíram sobre a superfície das coisas, para cima do micro ondas,
sobre as  prateleiras e sobre o chão, e assim se mantiveram durante muito tempo,
até  o corpo do  Jacinto começar a dançar dentro da roupa, como se ela pertencesse
a uma pessoa muito maior do que ele.
Quando chegava do trabalho, sentava-se no lugar que tinha abandonado antes de saír,
nem se dera ao luxo de deixar a cadeira alinhada e encostada à mesa, sentava-se a olhar, alternadamente para tudo, até para os seus próprios cotovelos, que apoiavam os braços onde repousava a cabeça que segurava entre as mãos.
Observava as pétalas a enrolarem-se dentro dos novelos de cotão que saíam dos cantos, e via a poeira a vibrar, ligeira, com a aragem que a janela provocava e depois tudo, tudo, rolava rapidamente, quase suspenso, conforme se levantasse mais ou menos brisa lá fora,  no espaço exterior.
Os copos sujos mantinham-se quietos, nos dias sem movimento, ao pé dos outros desmazelos.
Ainda havia os comprimidos  que o médico lhe havia receitado,  específicos para as correntes  de ar triste que se tinham formado no seu peito vazio.
Quando o outro saíra. levara com ele apenas alguma roupa metida numa mala, e  entre as peças de roupa dobrada  esse peso insuportável, que era a vontade que o outro tinha de o abandonar.
Já em  nada se assemelhava ao companheiro de ontem, que ia  palrando enquanto   as rasava com o regador, na mão esquerda até ao fim da varanda.
Que pena não dominar a arte de lhes cortar, cautelosamente,  as folhas secas,
esses pequenos grandes gestos,  formas de amor silencioso, que as mantinha vivas e florescentes um ano após o outro.
Para onde tinha partido  a sua fome?







segunda-feira, 3 de junho de 2019

Sem #Veto

Do lado direito da velha estrada,
seguindo em torno do lago, os pássaros cantavam.

Sentada numa pedra, a um canto sombrio, uma mulher escrevia
sobre aquela tranquilidade.


O sol difuso permitia-lhe ver, ainda assim,
uma roupa estendida numa corda
inchada pelas rajadas, as peças cheias de vento vazio,
a dançar atrapalhadamente.


Escreveu, sem o ver, também o sol brilhante e mais as folhas das árvores verdes
que caíam, ao mesmo tempo.

Tudo muito simplesmente existindo, o que via, e o que não via,
levitando por causa do sol.
Até as sombras podiam levitar por causa do sol, fosse ele amarelo ou laranja.

Inclinou o tronco para observar uma flor.

Lembrou-se, de repente,  que o seu reflexo desaparecia na constante
agitação das ondas do mar, azul, azul, lá tão longe.

Todavia, ali podia ter os olhos atentos aos seus traços,
mesmo que quebrados pelos movimentos ondulatórios da água,
sempre se formava uma figura esbatida.
por entre os limos da superfície.

Era perseguida, muito  discretamente por ela, pela água,
que descia o rio ao seu lado, passo a passo, todos os dias.

Depois de escrever uma última frase:
"O mar também tem ondas cujo brado nos pode enlouquecer",
levantou-se e seguiu caminho, contornando o lago, devagar.