domingo, 28 de junho de 2015

Incongruências

O enfermeiro bichanou,
este é um doente
em fase terminal.
E o homem ouviu
e a seguir morreu
não faz mal...

quarta-feira, 24 de junho de 2015

O umbigo do meu amigo

Encontrei duas palavras
para rimar com estúpido.
Uma entúpido
e a outra é Cúpido.
Lamento mas não há vocábulos
em que lavras o teu terreno
e ao mesmo tempo
lunático sentido.
Discurso tanto incoerente
como irreverente
como pente
ou dente
ou semente.
Brincadeira de mau gosto.
Atenção!
É gosto sem acento!
Som!
Sonsa e sonso!
Três palavras para rimar com areal
sem ser matagal,
e cardeal
em espiral descendente!
Só amarras, senhor doutor!
Só amarras!
A corrida escrita a violetas verdes
e vergastas!
Como a supervisóra
adora falar caro!
Palavras.
Palarvas!
Larvas!
(Não prometo respeitá-las e ainda bem)
a saírem do umbigo do meu amigo
para onde olhavas!

segunda-feira, 22 de junho de 2015

O terceiro andar

O Pedro sabia que o pai estava só, velho e doente, e o pai, por sua vez, já tinha interiorizado o tempo como uma ampulheta impossível de virar. O filho tinha para com a maioria dos idosos uma atitude benevolente, mas não para com este, porque , sob a capa de um bom pai, enganara todos, deixando-o à sua sorte num mundo de medos colossais.
O pai, em casa, ouvia passos nas escadas, demasiado pesados e rápidos, para que fosse alguém a subir ao terceiro andar. Às vezes o telefone tocava e o velho percorria a casa diminuta, e, arquejando como se tivesse percorrido um palácio, atendia, um pouco mais contente.
O filho telefonava ao pai enquanto jogava guerras no computador, para descomprimir do dia de trabalho, pensando que só tinha meia hora para descansar, e que o esforço seria praticamente só ouvi-lo, embora também para si, isso fosse dispensável. O Pedro lembrou vagamente como, há infinidades de anos, o pai se rira do seu pesadelo, e ele, pequeno, agarrado às grades da cama, e o pai a ensiná-lo a não chorar.
O pai do Pedro educara os seus filhos para serem homens duros de roer, iguais a si, alheios às fragilidades dos outros, , aos andares altos sem elevador, ao medo do silêncio sepulcral da noite. Por isso, muitas vezes na vida deixara de falar ao filho, obrigando-o assim à solidão, numa família cheia de gente. O filho não era vingativo. Apenas um aluno a viver com distinção, e o pai, no terceiro andar, apenas um professor.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Escrevendo poesia

Escrevendo poesia
o grito dos fracos
dos que gritam
com medo,
que, estáticos
transformam o mar
e a maresia
em palavras

que nada fazem
observando apenas
calados!
Pensando que gritam
e, mudos,
escrevem a lápis
e não sendo lidos
morrem,

escrevendo poesia,
indomáveis!

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Incompreensível

O homem bom queria comer, metade ao jantar e metade à ceia, as suas magníficas sereias. Elas agradeceram ao homem benevolente, porque os seus cantos encantadores iam gostar muito de ir ao forno com cebola!
As sereias não compravam meias, pensava o homem intrigado, numa ansiedade crescente.
O homem bom, quando se deitavam, colocava um enorme balde com água aos pés da cama. Vá lá, valia-lhes as quatro mamas e aquele mágico som, e as sereias, não se sabe bem porquê, antes de dormirem, punham sal nas pernas e nas veias!
O homem tranquilo adormecia, e uns dias sonhava com peixe frito, outros com o azul do mar, ou com  palavras musicais, soltas, discursos erráticos, sombras voláteis, coisa assim! E as sereias, metade red fish metade mulher, não eram o sonho do homem bom, que sonhava com entrecosto na brasa, coisa racional e apetitosa, e o homem bom mas deselegante, impacientava-se, tanto com as metades de peixe, como com as mulheres imperfeitas, como com a falta de meias, nas molas, na corda, penduradas a secar!
Há! As sereias...! Quando cantavam enebriavam a cabeça de touro do minotauro que era o homem bom, que tinha duas sereias, e que temia perder para sempre aquele dois em um! Perder a diferença mais semelhante do mundo, o ponto nevrálgico, o elo de ligação.
Um dia, estavam as sereias a escamar as caudas, e a pôr um bocadinho de creme para ficarem mais macias, quando o bom homem chegou. Meninas, vamos à praia! E lá seguiram elas, agarradas aos seus chifres de marfim. _ Onde vais? Porque não páras? _ Vou devolver-vos ao mar! Procuro mulheres inteiras, com pernas, e, acima de tudo, meias, mulheres que se me assemelhem, que sou praticamente todo um "homem bom"_. E, largando-as na água, virou-lhes as costas, e afastou-se calmamente, com a longa cauda bamboleando ao movimento dos seus passos.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

A relevância do voto

No outro dia disseram-me: " O AO devia ser sujeito a um referendo", e eu pensei: Que ideia maravilhosa. Marco, no hospital, o Taco, as análeses, e a endocuspia, que estou com uma miguelite que não aguento. E depois bou botar!