sábado, 29 de dezembro de 2018

A Estatuazinha de Pedra.

Um objeto indefinido entrou, voando, pela porta do estabelecimento rasando a cabeça de quem entrava naquela altura.
Foi aterrar sobre a mesa do Agostinho que bebia um galão e comia um rissol pela manhã.
Era uma esfera de tons violáceos, que acabou por parar depois de embater contra o prato e contra o copo uma dúzia de vezes. Foi diminuindo os seus movimentos no terreno irregular que as migalhas de pão provocavam, e estancar de vez.
A bolha abriu os seus contornos metálicos, como se fossem pétalas, e expôs a surpresa que tinha lá dentro.
"Tchanam...!"
Disse a criatura pequena, com a sua saia de balão, talhada em fina pedra de vulcão, mármore cor de rosa polido, afinal.
Agostinho ia trincar o pastel, mas parou de repente. O salgadinho gritou "Alto!", e ele parou.
A mesa retangular começou a andar com as suas quatro pernas enquanto se encaminhava para a saída, mas não conseguia passar, e então dois personagens sentados em frente, levantaram-se e ajudaram naquela difícil manobra. tornada ainda mais difícil porque a mesa não parava de espernear.
Várias peças da mobília seguiram atrás, e eles amáveis, deixaram-se ficar por ali, para irem auxiliando quem precisasse.
Agostinho ficou sentado numa cadeira normal mas muito irrequieta, a um canto da sala. Podia agora ver-se-lhe o casaco amontoado sobre as pernas cruzadas, o sapato gasto na ponta, as calças cinzentas, e uma meia preta, esta última visível apenas pelo facto do tecido estar repuxado naquele joelho, com as mãos ocupadas sem ter onde pousar as coisas.
Os guardanapos também tinham desaparecido junto com a diáspora dos móveis de pastelaria.
A estatuazinha,ou lá o que era aquilo, desprendeu-se do suporte e voltou para trás. Passou a alta velocidade a um centímetro da orelha de Agostinho, como se alguém, escondido atrás daquele murmúrio matinal, a tivesse arremessado para lhe acertar.
Depois,  imobilizou-se de repente, grande atleta que devia ser, e falou assim ao seu ouvido:
"Eu sou uma estatuazinha de mármore polido, venho do planeta das estatuazinhas de mármore polido e todas viajamos dentro de esferas violáceas que  abrem as suas pétalas metálicas para nós desembarcarmos, como as flores  que vossas senhorias têm por aí."
Mas, nesse preciso instante, dois camarões sem cabeça perfuraram a massa frita, e começaram a cantar ao desafio, equilibrando-se majestosamente nos dedos de Agostinho.
 Para que não caíssem, foi necessária toda a concentração disponível e ele nem conseguiu descodificar a tempo  o que  foi dito pela estatuazinha de pedra ao seu ouvido.
Não sei onde se meteram todos quando, umas horas mais tarde, passaram nas janelas um pano com limpa vidros.






terça-feira, 25 de dezembro de 2018

A Festa

Num certo dia de inverno Alma saíu de casa pela porta das traseiras. Disse adeus ao gato enroscado a apanhar sol na janela, e ao cão que olhava para ela com ar interrogador, como fazem os cães com os seus donos, "onde vais" parecem querer perguntar. "posso ir contigo?".
"Ficas aqui, tomas conta da casa enquanto eu não volto." E ele, obediente como era, esperando autorização para sair dali, de onde estava, no meio da terra pisando as hastes dos  lírios que haveriam de dar flor na primavera.
Clarabela era muito amiga de Gregória por isso tinham combinado ir juntas.
Armindo e Josué viviam ambos na mesma rua, o primeiro tinha dois filhos pequenos, e o outro era solteiro e bom rapaz, e desde há dois anos que vivia em casa do tio, uma grande casa ao cimo da rua apenas habitada pelo velhote e pela  Custódia que tomava conta de tudo . De princípio a mulher ainda lá dormia, mas depois juntou os trapinhos com o Alfredo e alugaram um pequeno apartamento na periferia da cidade, ficando o homem perdido em tanto espaço a mais.
 Foi aí que convidou o sobrinho, e Josué aceitou e agora tinha imensos amigos nas redondezas, como era o caso de Armindo. Foi bom para os dois.
Todas as semanas se encontravam em casa de alguém em grandes festas.
Esta, fora a vez de Ermengarda emprestar a sua.
Foram convidados também os dois primos, o Barnabé e o Felício, grandes companheiros da farra.
Tinha ligado a Josefa e Aurélio para virem mais cedo com o propósito de ajudarem a preparar tudo.
Armindo levou a mulher e um bolo de chocolate,
Quando chegaram, já a música preenchia o ambiente entrando suavemente pelos recantos da sala.
Já  todos tinham na mão um copo de vidro onde as bebidas brilhavam com as suas cores visíveis na transparência.  Mas adiante...
Clementina não se dava com Aurora, no entanto, fez um esforço educado para não não lhe bater e até acabaram por dançar  juntas.
Os pés rodavam-lhes no azulejo azulado, Albertino e Constança, por exemplo, encantavam com os seus corpos unidos a rodopiar numa sintonia tão grande.
O marido de Antoniana não quis comparecer. e então Antoniana convidou Celestino o seu antigo amante vermelho, de um vermelho tão forte que era quase roxo.
Dalila bebeu demais. As paredes moviam-se de tal forma que ficou  nauseada com se estivesse num carrocel que, por motivos desconhecidos não parasse o seu movimento circular nunca mais.
Rebeca trouxe  Dulcineia, que gostava de sair com a irmã mais velha por motivos óbvios.
Asdrubal, Anastácio, e Bárbara hesitaram mas acabaram por também ir.
Levaram rolos de serpentinas e fatos onde brilhavam milhares de lantejoulas, mesmo às escuras.
Quando tudo acabou, Alma voltou para casa.
O cão mantinha-se no mesmo sítio, mas o gato já lá não estava.










A #Paz em Fevereiro

A doze de fevereiro de um ano que
ao momento se encontra no passado,
foi escrito aqui que...
Essa é a grande piada, a laracha de tudo isto,
aquela que aparece nas brincadeiras dizendo um adeus
assim meio tímido.

Num doze de fevereiro já passado
A vida voltou a rodar nos sentidos obrigatórios,
prédios cor de rosa eram os pontos de referência,
tinha-me dito
chegas ali ao prédio cor de rosa viras à esquerda,
a uns metros estam a decorrer umas obras
vais ter que as contornar,
voltas a virar à esquerda na segunda transversal.

Stop! Nâo viu o stop e passou,
eu vi um que me atravessou a pele,
transformado em vapor de água
formava uma  nuvem, que por sua vez  formava
um qualquer  artefacto sonoro
que me encantava.

Algures num canto de música
ficaram registadas as palavras belas.
A doze de fevereiro tudo mudou.
Ouve um anjo amarelo, ictérico,
que desceu pela escada de corda que lhe lancei
num arremesso impossível.
ou pelo rádio do automóvel,
que lançava melodia contra os vidros,
não sei.
Parei o carro no cimo de um monte,
para me lembrar


Lá estavam as rosinha mínimas
no tecido vaporoso e quente,
pontos de nada que ficam presos no espaço
a cantarolar as suas coisas, sem versos
e se não há versos
estão incompletas
como uma prova onde se obteve
aquilo que não somos.

Sim, quando chego ao fundo,
da rua,
já sei onde estou, conheço a estrada, afinal,
melhor do que pensava.

Foi no ano em que as estrelas me pareceram
muio maiores, grandes bolas de sabão
que avançavam pela noite dentro
afastando-se até rebentarem,
lentas mas inalteráveis.
Foi o doze de fevereiro em que amanheci
com a geada fria.
misturada na paisagem  desconhecida.








sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Mais Um Conto de Natal.

#Álgido Fagundes adorava o Natal.
Vivia aquelas horas até se abrirem as prendas com uma enorme ansiedade. Nem conseguia comer como deve ser, e a mãe sempre em cima dele, "então o bacalhauzinho, Gigi? Não vai?
A tia Anémona ia lá ajudá-lo, enchia o garfo com aquela mistela e enfiava-lha pela boca abaixo, quer ele quisesse, quer não.
Depois ficava muito direita ao lado da mesa, à espera.
Quando ele conseguia deglutir a massa fibrosa que se lhe formava na boca, nem um segundo passava e levava com outra pasada da mesma matéria  para mastigar indefinidamente.
Mas o tempo ia passando assim, já os outros meninos brincavam,
Estava em pulgas para ver o o conteúdo do embrulho do papel verde com pinguins. Seria o que pediu e o que tanto tinha falado ao pai natal para lhe trazer da Lapónia?
Ou seria para a avó que era uma pedinchona, e que já tinha falado no cobertor elétrico uma dúzia de vezes?
Tinha feito uma aposta com ela, a ver quem é que recebia as prendas maiores, e então, ela, muito esperta começou a insinuar  coisas enormes de que se lembrou, até um colchão com uma grande fita azul, e um cartão que dizia, "As saudades que vamos ter quando morreres", espetado com um alfinete na parte superior, ela recebeu naquele ano.
E para mais, fora ela, todo o jantar, a instigar a mãe para ralhar com ele por causa da comida. Ela e a tia Anémona.
Odiava-as.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

O Pai Natal

O #Zeferino aborreceu-se com a sogra precisamente na noite da consoada. De tal maneira que, num acesso de raiva incontida, puxou as pontas da toalha e tudo voô incluindo as filhoses e até o bolo rei, apesar de mais pesado.
A senhora estava sentada à sua frente, na outra ponta da mesa, mas conseguia exasperá-lo tanto que não era a primeira vez que se via naquela casa um perú a voar já depois de cozinhado, ou o bacalhau a repousar no colo da tia Arminda, do seu lado direito, e que comia com a boca aberta por causa da rinite alérgica.
O filho mais novo, Gonçalo Alexandre, berrava que queria ver o pai natal, e ele tinha-se esquecido das barbas no escritório, para mais tarde disfarçar o seu querido pai, o avô da criança.
Com a desculpa de fumar um cigarro para acalmar, disse que ia lá fora e marcou o número do Zacarias para lhe pedir um favor.
"Podes passar por aqui e trazeres-me um saco com barbas que está em cima da minha secretária?
 Mirita, a irmã mais velha, disse ao miúdo: "Quando o pai Natal chegar hás-de reparar se ele não calça os sapatos do avô."
Gonçalo Alexandre ficou intrigado com aquilo e questionou-a, querendo saber mais.
O pai natal não existe, e se quiseres comprovar puxa~lhe a barba e vais ver se não é a cara do avô Albertino que está lá por baixo.
O miúdo, depois de pensar como os apanharia em flagrante a enganá-lo, resolveu seguir o velhote para todo o lado não  lhe dando hipótese  de se disfarçar.
Quando Zacarias chegou com o saco das barbas, a sogra levantou-se da mesa para abrir a porta, cumprimentou o homem, convidou-o a entrar  para comer qualquer coisa e agarrou-lhe nos pertences para os guardar.
A avó Alfonsina apercebeu que tinha um saco cheio de barbas brancas em seu poder, pensou tratar-se de um presente para ela, há muito que o desejava, e colocou-as sobre o queixo, presas com um elástico na parte de trás da cabeça.
Ao sentar-se no sofá com um sorriso de alegria por entre o algodão branco, não reparou que Gonçalo Alexandre estava atrás de si, pronto para desmascarar aquela gente, e foi por isso que se chegou devagar, atrás dela, e esticou o elástico o mais possível, largando-o de encontro à nuca da senhora, cujos cabelos grisalhos não conseguiram atenuar a chicotada que sentiu.
Doeu-lhe bastante, claro, não conseguiu evitar um palavrão que escandalizou Desidéria, sentada numa cadeira ao pé do aquecedor, com o bolo rei enfiado no pulso direito.










Zeferino

#Zeferino era tão
pequenino
que ninguém dava nada
por ele.
Vivia a vida assustado,
escondido atrás  do
cabelo.
Quando veio a mulher
com aquele champô
maldito
e lavou a cabeça do
miúdo,
sentiu-se asfixiado
e acabou por
morrer.
Caíu na banheira ainda
com vida,
contorceu-se de
aflição,
espasmou, digamos
assim,
pela última vez, e, aos
poucos,
o seu corpo imobilizou-se
com as patas viradas para
cima.
Já sem oferecer,
portanto,
qualquer resistência
a água espumosa arrastou-o,
rapidamente, até ao
ralo.
Antes era um piolho
feliz.




quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

cmcmcm

innnndios


Era uma vez um menino muito impaciente, Gritava agarrado ao pescoço do pai porque queria ir para o chão, e, quando estava no chão esticava os bracitos e choramingava pedindo colo.
O pai, descendente de Ianomanis, índios cuja sabedoria ancestral passava de pais para filhos com exemplos simples do quotidiano, percebeu que estava na altura de iniciar a transmissão de conhecimento ao seu pequerrucho.
" Ou te calas ou levas uma palmada. Tal como as árvores florescem, também eu te chego a tanga  ao pelo."
O miúdo, abriu muito os olhos, deixou a meio o gesto mimado e, como por artes mágicas, parou a choradeira.
 




terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Julieta

Julieta saíu de casa pelas quatro horas da tarde. Ainda era difícil sair para a rua por causa do calor. Estava um dia excecionalmente quente, mesmo para aquela cidade habituada ao sol intenso e brilhante durante as épocas de verão, mas naquele ano as temperaturas iam muito para álem do habitual.
Quando chegou ao jardim por onde passeava todos os dias, deu umas voltas por entre as árvores. Depois, cansada, sentou-se no seu  banco preferido onde estavam escritas, em ligeiros sulcos na madeira, toda a espécie de juras de amor. Era onde gostava mais de esperar. Debaixo daquela tília cheirosa e naquele banco com a superfície da tinta a estalar nalguns pontos mais sensíveis.
Ficava virada para o caminho mais largo e as pessoas iam passando à sua frente, de vez em quando, todo o tipo de gente, era engraçado, alguns repetiam-se dias seguidos, outros vários anos, e outros ainda via-os uma única vez e depois nunca mais apareciam, naturalmente, atravessar o jardim fora para eles um gesto ocasional, ou porque se perderam, ou porque tiveram que ir para aqueles lados tratar de um assunto com uma especificidade qualquer..
Gostava de os ver passar, os miúdos de bola debaixo do braço, os velhotes e as velhotas amparando-se mutuamente, os apressados que passavam por ali porque era um bom atalho entre as duas avenidas, é sempre mais perto se atravessarmos os jardins, ou mesmo os residentes, digamos assim, os que dormiam por ali nas noites de verão agarrados ao saco de plástico onde guardavam os seus básicos pertences.
Olhou de lado para o relógio da torre e viu que as horas passavam lentamente, que o sol rolava devagar e a sombra da árvore se movia  impercetivelmente no chão.
A tarde ia avançando e o ar refrescava naturalmente, e Julieta, mais confortável, já o seu gorro de lã, que nunca tirava por ser tão bonito com a flor encarnada de lado, se tornou mais suportável e ela fechou os  olhos, caindo num sono leve.
E foi nesse momento que #Xerxes a chamou de muito longe:
"Julieta tu não existes. És fruto da invenção, és uma nesga de mar que não se alcança, sequer,  de onde estás, és produto da imaginação de alguém, não és real!"


























domingo, 16 de dezembro de 2018

No dia em que nem uma só frase fazia sentido
entre os inúmeros esboços que já tinha à sua frente,
levantou-se da cadeira
para fazer uma grande #vénia à genialidade dos outros.
Depois, adormeceu sobre o tampo da secretária
e sonhou sonhos terríveis com monstros e perseguições.


Ervas de aroma espalhavam-se pela cidade. Pequenos vasos nas varandas eram moda naqueles tempos e não havia quem não aderisse

Não me digas que perdeste as #vénias outra vez! E começou aos gritos com a miúda que ficou aterrorizada e começou a chorar.
Ó minha madrasta, minha madrastinha querida, eu não faço de propósito. Elas fogem-me do bolso parecem minhocas vivas a a pular da terra em dias de chuva.
É?! Está bem. Vou chamar as tuas irmãs feias e horrivelmente más e invejosas da tua beleza para elas te castigarem
Ó Lurdes! Ó Sãozinha! Batam na vossa irmã, que perdeu as vénias  mais uma vez!
Ó estúpida, vais sofrê-las na pele! Onde é que tens a cabeça?
E as três, juntando esforços, empurraram a miúda para as masmorras que tinham nas traseiras da casa.
Durante cinco dias ali ficou sem comer ou beber em total escuridão.

As #Vénias
ficam lindas em vasos,
e não gostam de muito de calor,
Por isso  florescem no inverno
quando todos pensam
que  já se acabaram as flores.









Vénus

Vénus Marisa
e  Artemiza
foram comprar uma piza.




Ouviu-o muito antes de  se destacar entre as árvores. Quando se fixou na sua figura, a roupagem era de Arlequim, mas, pelo semblante concentrado e atento, percebia-se que era antes um soldado que vestia uma roupagem alucinada.
O cavalo que montava era verde por causa da clorofila que lhe corria nas veias e cuja crina se enrodilhava nos troncos das árvores quando o vento era demais.
Foi o que aconteceu, o vento soprava cada vez mais forte, rumo à tempestade, e era a única forma de o travar, prendê-lo pelos cabelos aos pinheiros bravos.
O que se destacava eram mesmo as cores da farda, tão vivas que o nevoeiro se via obrigado a desaparecer para lhes dar lugar,

Esperava,debaixo de uma tília, que a chuva miúda acalmasse para prosseguir caminho. Resolveu sentar-se na pedra que ela tinha por debaixo, para descansar as pernas.
Ouviu-o muito antes de lhe reconhecer a figura espreitando por entre os pinheiros bravos. O colorido da roupagem destacava-se no nevoeiro cerrado.
Montava um cavalo verde por causa da clorofila que lhe corria nas veias, o cavalo era esverdeado, com uma grande crina esvoaçante que se prendia nos ramos das àrvores.
Quanto mais o vento incidia e aumentava assustadoramente a sua potência, mais os cabelos se lhe enrolavam nos galhos.








sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Fica Um Esboço

Ficam aqui registados para sempre os corações
que me entregaram sem eu pedir.
São os corações que ficam,
desenhos cor de rosa
que não desprezo porque não desprezo corações.
Nenhuns.
Nem o meu enquanto pulsar
mais ou menos acelerado.

Depois se verá se as palavras comoviam,
se era apenas saudades de estarem juntas
ou simples natureza morta
vinda das mãos de um pintor apático,
#Xerxes reinventado,
encadeado com o sol.

Perante, contudo,
metia estas últimas em fio laranja acetinado,
seja lá o que isso fôr, que condiz com outra cor.
Repito que pulsam.
O meu objetivo é só um.
Furar determinadas palavras como contas de colar para,
quando eu quiser,
as deixar cair no chão e rolarem no tempo guardadas
entre as ranhuras das tábuas.

Não deixou escapar a maçã, a folha de carvalho,
o vermelho vivo do sangue.
Isso não.

Sobre a mesa, de sobreaviso,
estavam dispostas as caixas com as letras,
tudo muito arrumado por secções.

O amarelo.
Não é que seja a minha cor preferida.
Não tenho cores preferidas, todas são belas,
em azul bebé de escrever o que me apetecer,
e depois são outras cores bombeadadas,
percorrendo o corpo pelos túneis habituais.

Por entre a terra circulavam os meus bichos de estimação.
Minhocas.

Nem podia fazer de outra forma.
Teria que olhar para as teclas primeiro para saber
como utilizar os  dedos rapidamente.
Os personagens são impacientes
principalmente os pássaros.
Tal como o inventor,  precisam
de mexer as mãos com destreza para não perderem o fio à meada,
para controlarem o caminho da insensatez,
ou da inexperiência. ou de outro azar qualquer.

Era um  soldado que vestia alucinadamente,
como só um arlequim pode vestir.
O seu cavalo era verde por causa da clorofila,
e galopava tão  velozmente que a sua crina brilhante esvoaçava
e se entrelaçava nas árvores dispostas nas beira das escadas.
as folhas foram-se embora e agora ficam os cabelos,
como fitas de Natal.

Esfregou as mãos de contente, por a ver nascer.
Era o mais bonito, ver nascer a joía,
e então em Lisboa, cidade de colinas,
imaginá-la num bonito pescoço branco.
Acabam por fazer de luzes luminosas
que contornam os barcos e a humidade que o rio provoca,
a acender e apagar.
sem se aperceberem.
Ou ao contrário, fingem que iluminam o negro da noite
que ninguém conhece.

Correram um atrás do outro, figuras encantadas, que riam.
Riam tanto que não eram capazes de manter o silêncio
quando  necessário,
Para os ouvir, cantando, naquela confusão equivocados com
a eletricidade
pensando que é a luz do sol.
As mangas de balão ajudavam a subida, degrau a degrau.
O vento entrava pelo decote, ou pelos punhos,
largos para o pulso. Os pulmões rspiravam alcatrão
Praças empedradas com os olhos no chão dos corações
de papel.

Se eu quisesse inventava uma história. Mas  não quero,
ou não consigo, não sei.
As histórias são todas parvas
São a estátua pensativa a sobressair de um círculo de ciclamens
em flor, só porque estamos no tempo deles,









terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Remo

Quando o inspetor Serra chegou ao local do crime, o corpo encontrava-se na beira do rio e uns metros à frente um remo ensanguentado parecia ter sido atirado ao acaso.
Debruçou-se sobre o cadáver, que tinha a cara esfacelada do lado direito.
Veja o que lhe está a sair do ouvido intacto? Cotonetes. Isso não lhe faz lembrar nada?
O ano passado ouve dois casos idênticos, em que o assassino enchia destruia a cara à vítima, mas só de um lado, e do outro . E se eu não estiver enganado, há-de ter a boca cheia de pasta dos dentes. O homicida ainda não foi apanhado.
Ora viu, espreite lá! O que lhe disse? Foi o Limpinho.
 Dá ideia que foge a correr e atira o remo para um lado qualquer, o remo ou outro objeto contundente. O ano passado foi com tarolos de madeira que apanhava nos bosques. Apareciam com restos de cérebro e outras minudências, abandonados a seguir ao crime.
Parece ser assolado pelos remorsos imediatamente a seguir ao ato, Vê aquele olho pendurado pelo nervo ótico ao ramo da tília?  Não lhe parece estranho a estátua precisamente do lado oposto, ter um sapato pendurado na espada? Vocês não reparam nas coisas importantes.













Nem Mãe #Tintim nem pai Milou

E era ali que as mulheres se entretinham a parir poemas,
quando nasciam eram embalados em braços cuidadosos.
e os poemas percorriam pequenos segmentos
de um lado para o outro
verdadeiros  pêndulos a adormecer.
Era, era uma vez o era uma vez o número sete, talvez.
O último
Fazem camisolas para guardar quentinhos
os mini versos acabados de nascer.
Olha que coisa tão linda, um bebé encantador, olho azul, um mar...
Num canto de pardieiro,
num lugar qualquer do mundo onde viva muita gente,
há sempre uma mulher meia louca
que está a parir um filho entre as pernas de uma cadeira manca.

Era a melodia que cantava quase sempre quando se sentia feliz.

Quando o bebé nasceu,
um poema que quis embalar em braços cuidadosos
fazendo-o percorrer pequenos segmentos
de um lado para o outro,
verdadeiros pêndulos para adormecer,
aqueles braços cruzados debaixo dele.






domingo, 9 de dezembro de 2018

#Pressão



Isto aconteceu a um domingo, já a querer anoitecer, o marido enganou-se na entrada e perdeu a segunda circular, imagine-se, uma estrada tão grande, lembrava-se vagamente de ver a indicação a desaparecer pelo vidro lateral, ver-lhe as costas pelo retrovisor cada vez mais pequenas e irrecuperáveis.
Mexeu nos cabelos imitando o gesto de colocar a rodilha no cocuruto  da cabeça para transportar a água dentro da bilha de barro fresco.
Lembrou-se de como era bom pôr a mão direita na anca, com a outra amparar o jarro, e seguir viagem com o cão atrás dela, o Pastor, até à fonte.
As cabras saltavam sebes, subiam árvores, uma até lhe partiu o jarro de barro uma vez, estava a ter essa bela recordação quando o marido a chamou à realidade.
Olhou-o.
Viu o perfil de condutor, concentrado, com as mãos no volante.
Por um momento esqueceu-se das bichas saltitonas, do sonho lindo que estava a ter e que lhe recuperava algumas memórias muito agradáveis, nem sabia porque se tinha lembrado das cabras, naquela altura do regresso a casa, dos seus dejetos tão engraçados, bolinhas arredondadas e escuras a pintalgarem os campos amarelados, como azeitonas em bacalhau à bráz.
Bela! Ouviu pela segunda vez. Bela o que andaste tu a fumar com a prima Antónia?
Mas os seus olhos vidrados, e a gargalhada estrondosa que deu, só porque  um candeeiro aceso lhe pareceu a lua cheia, retiraram ao homem qualquer dúvida. sobre a influência de estupefacientes no comportamento da mulher.
Bela recostou-se no banco, e semicerrou os olhos. Sentia uma certa #pressão na cabeça.
Voltou a ver os campos, os rasgos das silvas nas suas pernas, os pés calçados com umas tairocas que não lembrava ao diabo, mas muito originais e bonitas, e as cabras junto dela, em total liberdade.
Teve saudades da mata  selvagem a cobrir os montes, dos sussurro dos pequenos roedores, a roçagarem nas ervas secas e nas folhas, do gato a roubar as sardinhas do avô,  das sardinhas a roubarem o gato do avô, do avô a roubar as sardinhas do gato, do gato a roubar o avô das sardinhas, e por aí fora numa sequência de combinações que a matemática tão bem nos explica.
Então à Bela, deu-lhe uma vontade súbita de recordar o campo, e, antes que o marido tivesse tempo para dizer fosse o que fosse, propôs-lhe uma viagem a Caneças para o domingo seguinte, que ele aceitou muito aliviado por ver a esposa a regressar, lentamente, à  normalidade.







sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

vnsk

Sentado numa posição contrária a uma das muitas possíveis e confortáveis à natureza humana, seguia viagem numa jangada, falando com os peixes.
O seu percurso tornava-se diferente por causa daquela maldita opção de viver sobre a água.
observando a imensidão sem ninguém.
Os ombros iam caindo com o peso dos anos e da humidade salgada que não havia em terra firme, raramente avistava golfinhos, cachalotes ou baleias, os nós dos seus dedos eram tão rudes, mais rudes do que algum dia se verá por esse mundo fora.
A travessia louca a que se propunha, não era o maior dos seus sonhos, mas o chamamento tinha sido poderoso, por todos os céus sem fronteiras,havia um grito fortíssimo, convidando-o àquela jornada estúpida e difícil da solidão.
Ia escrevendo, pois, a tarefa maravilhosa que todos querem, todos sao capazes sem se debruçarem até colapsarem alguns dos nervos do corpo, perderem as horas que lhes são devidas, em alucinações.
Tinha a pele seca e queimada do sol, a barba rala por fazer, e pensava na sobrevivência acima de qualquer valor,  horas a fio, enquanto projetava poemas nos raios de sol intenso, que transportavam novidades das paisagens verdes, e quando lhas entregavam, o mar ficava dessa cor de jardim.
Do que era antes não tinha memória.
A bem dizer as memórias esgotavam-se, dissolviam-se em esquecimento, eram só palavras ditas por outras pessoas noutros lugares longínquos.
Na verdade, ouviu-lhes a voz líquida a atravessar o oceano ondulado, vezes sem conta, palavras indizíveis, e sobretudo muito simples, que se alojavam na sua cabeça, como algas ondulando, ou como  prova máxima daquela obrigatoriedade de ser  violento como um deus  em fúria, como a força da maior das tempestades, ou sereno como quem apenas observa para depois relatar calmamente aos seus pares.
O problema irresolúvel nem era a quantidade de água que o circundava, o curto espaço da barcaça, que nem permitia que se andasse para trás e para a frente, de mãos nas costas pensando no que abandonara ou no que via, ou no que viria a acontecer.
O problema era quando os peixes dormiam nas noites sem luar.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A Avó Lina

De manhã, quando o sol incidia sobre o espelho da casa de banho, era a altura melhor para tirar os pelos indesejáveis que lhe apareciam no queixo.

Preparava-se para abrir o saco do tricot, enterrada no fundo da cadeira com os pés envoltos nas pantufas para ver televisão, quando a campaínha tocou.
Dirigiu-se contrariada à porta, mas quando ouviu a voz da neta pelo intercomunicador, alegrou-se e abriu-a, satisfeita.
A esta hora? sorriu, não faz mal, podes vir à hora que quiseres. A casa é tua.
Venho apresentar-te o Pedro. Falei-lhe tanto de ti que deseja conhecer-te.
No ato de cumprimentar o rapaz, a avó Lina percebeu-lhe qualquer coisa de muito invulgar.
Não sabia explicar o motivo para aquela sensação tão forte e real, o ligeiro mau estar que lhe tinha causado, o seu olhar violeta, que, aliás, se tinha cruzado com o dela apenas por frações de segundo.
Percebeu que seria melhor chamar a neta à parte para lhe dizer do aviso que os seus sentidos.
Mila, vem comigo à cozinha. Quero mostrar-te uma coisa.
Enquanto se dirigia a um armário simulando um interesse natural, foi perguntando. De onde conheces este rapaz?
Mas antes que pudesse responder, já ele se encontrava encostado à ombreira da porta, de sorriso enigmático plantado no sembante pálido.
A avó Lina tirou um copo, encheu-o de água, bebeu uns golos, e colocou a restante no vaso pendurado no canto da janela.
Desviou o seu corpo, alto e esguio para ela e a neta  poderem passar, e seguiu-as de regresso à sala.







terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Uma Impossibilidade Para #Kitchenette


A pérola cai no chão.
Lasca-se no seu liso  arredondado, imperfeito.
Todo o colar acaba por se desmanchar.
Fica o fio nu, partido pelo meio,
ou por uma das pontas, frágeis para tanto peso.

Pérola rola para debaixo do armário,
prende-se na ranhura que existe entre os tacos de madeira,
e ali fica, fixa, durante muitos anos, até uma criança
colocar a cara  de lado com a bochacha colada ao soalho,
lustroso e brilhante,
que a Dolores tinha encerado nem há oito dias.

Pérola Branca, vivificada pelas mãos rechochudas,
pelos dedos infantis.
Com a ajuda de um palito encontrou muitas,
e juntou-as num canto.
Já fazia um pequeno monte,
o colar que tinha deixado de existir.

As pérolas abandonaram os pescoços de cisne
em que se passeavam pelos eventos,
abandonaram a gaveta onde eram guardadas,

como se vivessem ainda dentro da matéria morta
das conchas,











Como uma #Kitchenete no Jardim

Quando lhe vieram com a conversa, não se lembrava de nada,
e mesmo agora,depois de se dedicar a pensar no assunto,
não encontrava mais do que uma memória vaga,
uma lembrança insuficiente para lhe ativar os sentidos,
como se o seu corpo fosse já uma estátua de bronze no meio de um jardim de altas sebes,
como num labirinto, com a raínha má que nos persegue com a tropa assassina comandada pelos ases de copas.
O filho perguntou-lhe se queria alguma coisa.
Disse que não e agarrou a cabeça com as duas mãos para que não se soltasse
quando os jovens se empoleirassem nele, durante a noite, e se agarrassem ao seu pescoço.
Moínhos gritavam de dor, sangravam das feridas provocadas pelas lanças,
e enquanto Rocinante pastava,
o filho tocou-lhe no ombro, ao de leve,
ele sentiu a realidade do toque e inclinou  o tronco  ligeiramente,  assentindo.
Ninguém diria que era feito daquele material inerte e frio.
Os doze cisnes que voavam sobre o telhado, constantemente,
eram grandes lençoís brancos tapando a claridade, numa representação do medo,
e como tal, tomava medicamentos para os afastar.
Estavam suspensos do espanta espíritos pendurado na janela, para se servir à vontade.
Os seus invólucros metálicos, provocavam brilhos irrequietos nas paredes.
Mas isso foi antes de ficar ali, a criar musgo por causa da humidade.
Viu o rapaz fazer o caminho de retorno,
e gritou qualquer coisa impercetível qua lhe saíu da boca entreaberta,
esculpida majestosamente.
Ele não ouviu, claro.
 Todos lhe gabavam a pele esticada, o olhar concentrado, fixo na porta da entrada.
Quem não gostava dele, dizia que se escondia atrás de um grande tronco
e da chuva miúda que caía em volta da ilha de Avalon,
e que o viam, também, na barca, atravessando as águas e o nevoeiro,
logo pela manhã, como as guerreiras submersas na neblina.
Como mal se lembrava, semicerrava os olhos,
dentro do possível, ou aceitava o gesto de lhos fecharem
para que pudesse descansar um pouco daquela posição rígida.
em que o seu criador o colocou para sempre, numa bizarra homenagem.








domingo, 2 de dezembro de 2018

Nem Mais

Passava o sol em céu alaranjado
passava rápido
como não deveria acontecer.
Os dias tinham poucos minutos
de sol.
A escuridão era parte dos corações
da cor  habitual.

Bombeavam nem se sabe o quê
Não era sangue,
mas sim uma matéria pastosa
a que chamávamos, na altura,
princípio do fim.

Sem conecção com a realidade,
era ele que, afinal,
deixava a caneta correr.

Quando a noite se punha
que era sempre  noite
no mundo indiferente
onde o natal acontecia
cada vez mais cedo
e maior.

Eram meses de Natal
contornando as iluminações
puxando com grande vigor
a perna esquerda
que não obedecia tanto
como a outra.

Compravam-se discos, livros,
estava escuro, apesar das luzes,
#Maria Callas,
António Lobo Antunes,
ou um suporte para pôr
os tachos e as panelas a ferver.