quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Sem título rascunho outro

O poeta insistia para que o declamassem mais num grito.
Quem lia os seus poemas, e depois os projetava para toda a sala deveria saber que os seus versos eram gritos para distante, ou eram pausas tristes ou sorrisos ou garagalhadas
Os seus versos era fortes, tão fortes que não mereciam ser tratados tão indiferentemente, como se fossem uma merda qualquer, um panfleto que se agarra no supermercado ou um papel que se tira  do pára-brisas, "compro todos os carros, novos e usados", como se estivesse a vender qualquer coisa, com aquelas palavras próprias de vendedor de carros.
Por isso que exigia que fossem bem lidos, com o seu coração a palpitar na cabeça de quem ouve declamar.
Uma fortaleza tão grande que era preciso gritar-lhes de vez em quando, sorrir-lhes, também, nem que fosse pouco, mas nas alturas certas.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

mamamam Rascunho III)

Quando tocaram à campaìnha, estava sentada numa cadeira, em frente à mesa da cozinha fazendo uma paciência com doi baralhos de cartas.
Estranhou o toque áquela hora, o carteiro já tinha passado, a D. Lurdes, essa insuportável e chata vizinha, que estava sempre a meter o bedelho em tudo, quando a visitava, fazia questão de entrar para ver se ela tinha as coisas em ordem, para saber o que lhe tinham oferecido nos anos, ou no natal, queria saber tudo, mas enfim, sempre falavam um bocadinho, ela até tinha coisas engraçadas para dizer.
Como ia expondo, , também os filhos só vinham ao fim de semana, começou a encher-se de receios em relação a quem estaria do outro lado da porta, insistindo para que a abrisse.
Espreitou pelo óculo e viu um olho que também tentava espreitar em sentido contrário.
Sou eu! disse a criatura numa voz irreconhecível.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

cncncn ( publicado em rascunho II )

A voz irritante da vizinha trouxe-o de volta à realidade. Tinha que terminar a história para o dia seguinte, momento em que a enviava, recheada de esperança, os sonhos do poeta resumidos ao gesto de carregar numa tecla. Aceite, ou não.
Até lá, até ouvir a vizinha com a sua voz estridente, a dizer coisa nenhuma, tinha prosseguido com o desenrolar das vidas que inventava, etéreas como o vento dissolvente que se entrelaçava nas coisas, e desaparecia, de uma hora para a outra.
Mas lá estava ela, interrompendo o curso habitual das vogais , destoando como uma borbulha na pele jovem  e imaculada de um pêssego rosado.
A mulher calou-se. No momento em que se calou, presumiu ele, da sua secretária da sala de num segundo andar em frente à serra submersa, estar o interlocutor respondendo, num tom aceitavelmente baixo para que, lá em cima, não fosse possível ouvir.
Para que os outros, os das varandas das azáleas e das camélias brancas, pudessem ter alguma paz.
O interlocutor acabou por se despedir num outro tom, mais alto, seco e autoritário, para  cortar o matraquear de palavras da outra, para não lhe deixar possibilidade de resposta.
O silêncio instalou-se brutal, com os automóveis a produzirem um silêncio invulgar ao rodarem tranquilamente pela estrada. Enquanto um desaparecia, outro se aproximava, em sentido contrário,e as moléculas comunicavam entre si, dançavam na atmosfera, acompanhando os movimentos ondulatórios do som, Voltou a mergulhar nas entrelinhas. Foi a um fundo tão longínquo, que viu os peixes cegos, que o não viram a ele, e que habitam as profundezas sombrias do mar.
O poeta tinha então, grandes poemas e sonhos pequenos, pensou, ou grandes sonhos e poemas pequenos, imersos. Nalguns contava  apenas histórias simples e preguiçosas, dengosas que iam descendo por ali abaixo. Noutros não. Noutros as árvores recebiam as aves ou olhavam o vôo de uma  águia perdida sobre a cidade,
A voz da vizinha irritava-o de tal forma que se desconcentrava, reduzia-lhe o óxigénio no sangue, e tinha que vir ao de cima, à superfície, para descansar um pouco e poder respirar.
Enquanto alguns anjos  intervinham durante a  noite, silenciosos, rodeando as camas, e depois nem procurava as palavras, elas vinham ter com ele por vontade própria. Metiam-se no silêncio como a voz da vizinha, contando peripécias das vidas atrás das portas de cada um, ele espreitava afastando as cortinas, via as duas à esquina, e os tejadilhos dos automóveis molhados da chuva,
É muito inverno, forte, e só tendo a coragem de calcorrear os passeios se encontra uma ou outra folha perene que jaz moribunda ensopada numa poça de lama.
A vizinha já teria ido à sua vida, despachada pela outra, apressada, que, até ao meio dia, teria que reconhecer as cinco sereias.  de entre as multidões de gente que passavam por ali. Estava atrasada. Era o seu trabalho dragar o líquido azulado do mar, #zilhões de gotas de ondas que se desvanecem, deixando as suas vidas por ali.  na espuma,  interrompê-las no seu final feliz, pelo que nem tinham conta as vezes que já o observava, misterioso, enorme e desconhecido.
Foi apanhado de suspresa pela chuva, quando saíu à rua para beber um café, interrompendo levianamente a produção da história. Deixou-os ficar submersos, matou-os, não desligou a máquina, não gravou as palavras, e os seus corpos surgiram à superfície, boiando na ondulação de um azul que não voltaria a conseguir escrever.
Nem dez passos tinha dado, já a mulher faladora estava de regresso, não havia como lhe fugir, Lembrou-se de lhe contar uma perpécia qualquer inventada para a fazer calar. Ficaram para sempre, conversando.
Falaram do riacho que enche no inverno, e cujo caudal leva os patos em passeio com os seus filhos pequenos. Falaram  da oliveira ao cimo da vila, sombreando a fonte, dessa história já lá iam  dois anos e que, tal como esta, tinha desaparecido por causa das páginas que não param de passar, do nome dele, irrelevante e abstrato, gravado no banco que posteriormente pintaram de castanho, e da tinta líquida que preencheu todos os sulcos e ranhuras, de secagem rápida, e que, num ápice, tornou homogéneo  o aspeto da madeira.
Era já de noite e ainda lá estavam, um em frente ao outro, com os peixes a rodearem os seus corpos imóveis e verdes, enquanto as suas bocas fechadas produziam os sons inaudíveis das baleias e dos golfinhos.









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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Sem titulo e Publicado em rascunho (1)

O homem entrou na sala, sentou-se à secretária, puxou a cadeira para a frente.
Quando começasse, queria estar preparado, como uma sinfonia em que entramos nela e não nos capacitamos de mais  nada a não ser aquele mundo perdido que enche tudo o que não se vê.
Debaixo dos seus pés,o tapete tinha enrolado, ,
puxado pelo peso do corpo.
Foi buscar água. A sede incomodava-o cada vez mais, como se as letras lhe levassem as últimas gotas, os poros suados desperdiçassem todo o líquido necessário.
Antes de lá chegar, já tinha na ideia dois personagens. Tinha-os imaginado na paragem do autocarro, como se estivessem à sua frente, conversando. A mulher era gorda e vestia um vestido azul com flores brancas, viam-se-lhe refegos de carne em arcos sobre a cintura, e o homem era normal, talvez magro, talvez um pouco baixo para o costume das nossas terras. Possuia uma enorme barba negra cujo bico apontava do seu queixo para as pessoas.
Discutiam qualquer coisa que não percebi, no momento, mas que agora vejo que devia ter estado com mais atenção, porque me chamaram para depôr, um deles morreu, caíu ali, esfaqueado por um ataque de coração, eu sabia que alguma coisa iria acontecer.
Antes de saber quem eram,  um engano para todos, ele levou uma facada, afinal, e sangrou muito até chegarem os bombeiros, que o levaram.
Ela, aturdida, parou de comer o gelado de chocolate, que derreteu, livre, escorrendo pelos dedos até ao pulso, e até ser absorvido pelos punhos do tecido às flores, e secar num instante aproveitando o calor que estava naquela tarde.

O burburinho era imenso, confundia-se com o tráfego mesmo ali ao lado, com os motores e com as buzinadelas.
Bebeu dois ou três golos diretamente da garrafa, e fez questão de endireitar as costas.
Enquanto os sapatos não se moldavam ao seu pé faziam-lhe doer horrores, e depois dà vontade.e muito usados alargavam para os lados para os ossos espalmarem  à vontade, e suportarem melhor aquela gordura toda debaixo das flores amarelas e brancas sobre o fundo azul, oscilavam as peles gordas da mulher. O homem foi condignamente tratado, apenas lhe cortaram a barbas por uma questão de higiene, no hospital


Inverno

A excelência dos pássaros
voltaria com a Primavera.

Sentiam-se os seus modos suaves
transitando de sul para norte,
as flores os botões alvos,
alguns,
palavras escorregadias
nas manhãs minhas.

Deslizavam na humidade,
abriam-se, brotavam,
beijavam o ar,
e bebiam-no,
e esvoaçavam em mil
outras formas
de que me lembro
que aconteciam,
num poema.

Era o grito das aves
noturnas,
um lamento
lá de dentro, da noite.

Era o inverno.
As gaivotas teimavam
em lembrá-lo,
gritando sobre os telhados,
avisando da tempestade,
do mar revolto
do outro lado da serra.

Contornavam-na, fugindo,
voando, sobre os campos,
desde onde acabam as árvores
de troncos
inclinados pelo vento,
até onde
se avista o mar violento,
para virem cá ter.






domingo, 20 de janeiro de 2019

cdçº

Tom Bombadil olhava para ele da estante de ripas de madeira, como quem diz, se quiseres um pouco de companhia eu estou aqui, mas não lhe deu atenção
Levantou-se e chegou-se à varanda, verificou que
O vento enrolava a roupa na corda, e lhe fazia esvoaçar os cabelos e o lenço que trazia ao pescoço.
Até ali tudo correra bem, ainda o cansaço não se tinha instalado, talvez aguentasse, ainda, fazer mais duas ou três tarefas fundamentais para o bem estar de todos, Alguém cirandava pelo seu espaço, rotinas repetidas um milhão de vezes, insuportáveis e obrigatórias.
De manhã, numa manhã já tardia, quando o sono é mais leve portanto mais verdadeiro, mais chegado à realidade,, sonhara
Estavam, ele e outra pessoa, envolvidos os dois no mesmo processo de resolver enigmas num sofá quente, chegavam-se cada vez mais às palavras incompreensíveis que vinham na folha das regras.
Eram tão difíceis, aquelas explicações tortuosas. obrigavam à concentração, e por isso pegavam ambos num  papel tão pequeno. As suas mãos quase se sobrepunham, ele lia, ela tentava perceber porque não o conseguia ouvir, só o calor dos seus dedos permanecia circulando ineterruptamente, e o som da sua voz preenchia toda a atmosfera, como se o que dissesse não tivesse qualquer importância.
Depois acordou, e conforme o dia avançava, o sonho etéreo tendia a desaparecer.
O espaço engolia o seu corpo, que escorregava pela cadeira abaixo até as costas gritarem de dor.
Endireitava-se, quando se lembrava da sua figura alta.
Parava de tentar lembrar-se de quem era Tom Bombadil, muito embora não tivesse qualquer dúvida da sua presença, no decorrer de todo aquele disparate desfasado do almoço para fazer.









sábado, 19 de janeiro de 2019

O homem Gigante.

Numa terra muito distante daqui,
vivia um homem muito alto,
tão alto que a sua fama de ser o mais alto do mundo chegava longe,
e era por isso que naquela aldeia perdida também se sabia da existência dele.
Diziam que vivia no cimo das montanhas, em terrenos quase inacessíveis, que durante o dia ,cirandava pela floresta,
e à noite se encafuava numa caverna, onde tinha uma grande cama, feita com palhas secas.
A mãe tricotava grandes camisolas para ele e ia dar-lhas pela calada da noite.
Arrastava-as pelo mato acima, com alguma dificuldade, dentro de um saco que ia puxando. e que quando se prendia numa raiz ou no tronco de uma árvore e tinha que o soltar, o que não era nada fácil.
Quem vivia em Torreão, a aldeia no sopé da serra diziam alguns tê-lo avistado, em noites de lua cheia.
observado a sua silhueta no cimo do monte, recortada no luar, quando se sentava num prado num canto intocável da floresta.
enquanto as árvores circundantes ondulavam ao sabor do vento.





sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Um Jasmim no Nevoeiro

O seu discurso vibrante caíu, desamparado,
sobre a cabeça das pessoas que o atravessavam,
O tempo deixou de ter importância
como se a tarde e o nevoiro fossem um só,
esperando,
junto à janela velha  os rebentos das flores,
abraçados um ao outro.

Havia muitas palavras,
demasiadas para caberem naquele tubo de pvc.
Então as caleiras rebentaram de cheias.
Contavam,
que as juntas cederam todas ao mesmo tempo
e explodiram,
e na explosão   espalharam luz
que provinha de cada letra e de cada tonalidade,
e as paredes vibraram numa animação
inventada.

As trepadeiras percorreram as grades
e enrodilharam-se nelas
tantas  vezes quantas os passos que
já tinha dado naquele passeio.

Tudo estava cinzento, os campos verdes,
os telhados as marés azuis,
o grande mar sem brilho, que avançava
transportando as palavras que ficavam
nas falhas
das rochas nas falésias, para sempre,
uma sobre as outras, até solidificarem.

Como se fosse pecado capital
escolher as mais bonitas de todas.
aquelas que se enquadravam melhor,
sabiam como dançar tal melodia.

Os seus corpos moviam-se lentamente
tão lentamente que davam tempo às folhas
de crescerem em paz.
É belo e assustador tê-lo tão próximo,
ao oceano com os seus braços de mãe protetora.

As palavras voltam a enrodilhar-se na sebe.
Daquilo que eram folhas pequenas
brotam agora cachos de cheiro de jasmim.
enquanto a serra chora.
e sempre que chora alimenta
as sombras verdes de musgo nos muros,
e nas #varandas
com as suas lágrimas.

A questão prende-se com o resto da viagem,
com ou sem o guarda chuva cor de laranja
é que iria seguir o percurso das pedras da calçada?
Tinha  lá culpa de que os passeios fossem assim,
por onde escorria a água em caudais de beira de estrada,
e o sonho sempre acordado?

Com as palavras, com as palavras que o perseguiam,
como se nelas houvesse umas sobras de loucura doentia.
como se já não existissem marés sincopadas
na cabeça erguida de ninguém,
como se fosse um bater de coração, que não é,
enquanto aquele aroma se sobrepõe a tudo
o que houver e que perdure sobre as águas,
ou sobre os lagos que a água forma
depois de abandonada entre a imponência
das falésias,

O muro está irreconhecível
De um dia para o outro a maresia
rebentou a espuma nos botões brancos da trepadeira.
E então por momentos inesquecíveis
esqueceu-se do mar que visitava nos dias de sol,
encostado ao passadiço,
a ver a formação das ondas,
que se enovelavam na chuva.
















quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Antes de Mais. O Título

Ia muito bem, no seu ritmo habitual, quando sentiu uma enorme vontade de andar um pouco mais depressa, como se o estivessem a seguir.
Sentindo nitidamente outra presença na rua, onde aparentemente não havia mais ninguém, resolveu correr.
Em primeiro lugar acelerou o passo, e depois, receoso, começou numa correria por entre os prédios, pelos passeios inclinados, e pela escadas por entre as casas velhas daquele lado do rio.
Parou duas ou três vezes, afogueado, olhando para todos os lados, encostando-se às esquinas, e aproveitando para recuperar o fôlego, ou escondendo-se atrás dos carros.
Apanhou o maior susto de toda a sua vida quando um homem, vestido de diabo encarnado lhe surgiu à frente.
Vinha duma festa de carnaval, tinha bebido um pouco a mais, era notório, e perdera-se pelas vielas da cidade.
A cauda já lhe tinha caído há muito, por isso era um diabo sem cauda, e com os chifres assimétricos por causa de uma batida na porta, à saída do metro.
Depois começara a subir e tinha chegado até ali, onde o tinha visto, e seguira-o por ter receio de o abordar.
Enquanto ouvia a explicação do diabo encarnado,os seus olhos pareciam faíscar.
Não queria ser obrigado a tirar as mãos dos bolsos do casaco, mas, num gesto inadvertido, e por necessidade de puxar a gola para que não se lhe visse o corpo incandescente que o traísse, aos olhos do diabo gorducho e sem rabo, e bêbado, do bolso do casaco saíram, então, num gesto inadvertido, duas garras ossudas que lhe subiram ao cabelo para ajeitar a popa.





domingo, 13 de janeiro de 2019

Conversa Entre as Margens

Foi um dia qualquer,luminoso,
pleno de vírgulas,
que são comos os degraus
onde nos sentamos
a ver as colinas e o rio azul.
Viajámos pela ponte vermelha,
e verificámos que  o sol ia todo para ali,
para o tráfego incandescente e brilhoso,
sobre a água que caminha lentamente
até ao oceano dos peixes multicolores.

E como gostamos de beleza,
íamos absortos, concentrados  na obrigatoriedade
de manter o automóvel entre duas linhas brancas
que viajavam connosco,
e nos davam o rumo certo, a orientação,
o vai vem esplendoroso das árvores paradisíacas,
sempre presentes nas nossas cabeças
com os troncos nús, à espreita.

Ou melhor dizendo, à nossa espera.

Prosseguimos  conversando, mesmo depois
de várias referências aos mundos
desencantados e líquidos,
O café quente em primeiríssimo lugar,
amargo até onde se aguenta o amargor,
até ao ponto ideal,
o ponto zero em que a turvacidade castanha
é confrontada com a superfície.

O castelo, imponentemente ridículo e velho,
no natal, é iluminado para sobressair na noite pura
desta cidade.
Está frio até para as folhas que perduram
nos galhos adormecidos
não duvidamos que cairão, quando se instalar o vento,
quando ele, esse esquecido dos últimos dias,
descobrir as pequenas fugas entre os  parágrafos,
e se puser a circular pelas frestas,

Ou num sinal de trânsito,
ou debaixo dos plátanos carecas
e/ou,  ao lado de um autocarro,
com os pardais, debicando as migalhas que caíram,
inadvertidamente, do que alguém estava a comer
numa das margens.
Ou do que sobra do murmúrio da brisa,
que soprará  sobre a água, brevemente.

Falámos de assuntos que se prendem
com a observação das coisas.
Conversámos, também,
sobre os troços de alcatrão danificados,
e, de uma forma muito geral,
sobre a incompetência dos #orgãos competentes,
e sobre o arranjo do ar condicionado.









sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

mddn

Apareceu um cozinheiro, com o seu grande chapéu, a jaleca impecável, tudo extraordinariamente branco , de um branco refletor, quase encadeante.
Saiu subitamente de trás de uma colona sem eu estar à espera. Na verdade, já calculava que haveria de ser abordada por alguém, e até presumia que se tratasse de mais do que um.
de forma que não me espantou assim tanto quando ponho as mãos em pala sobre os olhos para os proteger do sol, e vejo, bem ao fundo, uma velhota sentada, numa poltrona em pleno átrio do relógio de sol. Junto a ele.
O cozinheiro colocou-se do meu lado direito e continuou comigo,o passeio que dava por entre os jardins do velho palácio, restaurado nem faz muitos anos.
Quando passávamos debaixo de uma grande árvore, presumo tratar-se de uma tília cheirosa, estancou de repente, inclinou-se e arrancou qualquer coisa da terra, ao mesmo tempo que indagava: "Gostas de cogumelos ?",
Achei, sem no entanto referir fosse o que fosse, que estavam mal escolhidos, um cozinheiro e uma velhinha sentada a tricotar. mas quando ele me apresentou a senhora como sendo familiar chegado, entendi, de uma vez por todas que a história tinha pernas para andar, tinha corações palpitantes, tinha laços para aquecer o ambiente, e não ser apenas um dos muito poemas de solidão que percorrem o caminho imaginário de alguém

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

#Jeira

Tive, noutra época,, uma junta de bois, um casal, devo dizer, e com eles ganhava o meu sustento.
Dávamo-nos muito bem,  os tempos eram de fartura e chegávamos a ter dez jeiras para lavrar num só dia.
Quando eram muitos hectares de terreno que tínhamos que trabalhar, eu fazia-lhes cócegas nos sovacos para eles andarem mais depressa, e então era vê-los, a uma velocidade, enorme, percorrer os ditos para trás e para a frente com os cornos orgulhosamente levantados.
O Jacinto, mais amigo da palhaçada, esperava sempre pela minha companhia para fazer as suas bostas aos meus pés, mas eu não me importava com isso, até achava graça à sua traquinice, e ele ria, e eu ria, e, apesar da intensidade da jorna, a boa disposição   mantinha-se  entre nós.
A Verónica era uma lady.
Gostava de enfeitar os grandes cornos com laços cor de rosa,
A minha Amália, que é a senhora da casa deles desde muito jovem,  nesses tempos roubava  fitas de cetim à filha da patroa que era quase amiga, quase filha, quase mãe, quase tudo ao mesmo tempo num nunca mais acabar de conecções merecidíssimas pela dedicação impar que lhes devotava, roubava-as, como dizia, para embelezar a vaca.
Constança, a menina da casa, onde a minha Amália era a senhora da Senhora, levava valentes palmadas por perder a toda a hora as fitas do cabelo e chorava que nem uma desalmada, gritando, entre palavrões, o nome do reis de portugal, da terceira dinastia.
O Jacinto irritava-se com a parceira por imitar um gato quando a dona ao fim da missa de domingo, onde iam todos, uns para assistir à cerimónia e outros para pastarem do lado de fora do edífício onde havia umas ervas suculentas e frescas, lhe fazia festas no lombo e lhe dava palha, e eu irritava-me com a Amália, às vezes por nada de especial.















segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

O Comboio da Linha

Quando a densidade atmosférica
está de feição,
e se reunem as condições ideais
para o som se propagar no espaço,
ouve-se o comboio,
com o seu viajar metálico,
a atravessar as terras.

Entre cada vila,
ondeiam sobras de mantos
de azedas amarelas,
e papoilas, no tempo delas,
e durante o dia há tanto ruído,
que os sons se misturam,
honrosa exceção, para os aviões
fingindo serem pássaros.

Também os patos que aqui habitam,
e que riem tanto ao grasnar.
que não se deixam confundir
quando rasam os telhados.
vindos da apanha das minhocas
nas raízes do riacho,
por isso não sabem de onde são,
mantêm-se cá só para ter onde viver.


E eu sou um daqueles.
dos outros,
Sento-me e ler um livro, e, à noite,
ouço o comboio,
quando o tempo está de feição.

As ruínas da casa velha,
já não as posso ver.
São sinal de trabalho desnecessário,
da observação cansativa
dos melros que me espreitam
sem a camuflagem do verão
para se esconderem.

Quero as folhas nascidas
o mais rápidamente possível,
para que
cubram aquele monte de pedras
e restos de parede,
com o seu manto verde,
e quero esse manto
com o sol a incidir diretamente
sobre ele.

As pessoas queixavam-se tanto
dos dias luminosos,
que acabou por apoiar a cabeça
no vidro inquebrável,
fechar os olhos e adormecer.
Um fio de baba  escorreu-lhe
por um canto da boca entreaberta .
Um fio vertical que se alongou,
elástico,
enquanto a paisagem se perdia.

Só depois de parar completamente
se abriam as portas.
Primeiro saíam uns
e depois entravam os outros,
com educação.
Não havia associação entre o homem
e o génio que o habitava,
preso a um corpo tão reduzido,
era igual a outro homem qualquer,
ou a uma criança, ou a uma mulher
mais corpulenta.

Os cães  ladram na quietude da noite,
mas são cada vez menos.







sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

#Nata

Trazia ao pescoço uma figa que a tia lhe tinha dado.
Assim que a recebeu, não sem ouvir primeiro que tinha sido muito cara, que era de ouro e dava sorte, tropeçou na carpete, caíu e partiu os óculos.
As pessoas começaram a rir, e ele, enraivecido, quando a senhora lhe estendeu a mão para o ajudar a levantar-se, puxou-a  com força, e ela desiquilibrou-se sobre os sapatinhos de salto, e o seu corpo acomodado rodopiou duas vezes até que assentou o traseiro na sua barriga.
Na mão direita apertava continuamente o presente, não deitaria nada fora, e para mais uma prenda de ouro puro.
 Os seus olhos desadapatados, de míope, faziam-no desconfiar das sombras, e de facto, com os outros sentidos bem apurados teve a perceção de que Ramelau, o criado, o observava e  lhe lançava chispas de ódio que lhe incendiavam o fato cinzento, e ouviu-o, com nitidez, avançar dois passos  para lhe espezinhar os óculos.
Ouviu também as lentes a estilhaçarem debaixo dos  pés malcheirosos do heroí.
A senhora lá se levantou a custo, agradeceu a almofada, riu-se um pouco comprometida, com a mão em frente à boca para não se lhe verem os caninos compridos, o grau absoluto da malvadez naquele cenário assombroso.
Queria arrancar o colar e não conseguia, puxava, desesperado, fazendo uma ferida circular em torno do pescoço.
Ramelau pisou-lhe o braço de propósito.
A porta abriu-se e entraram sete anões vindos do supermercado, cada um com seu saco.
Quando viram a Branca de Neve no chão, aos gritos, voltaram a sair e fizeram um piquenique no jardim. e comeram.   Expuseram tudo na relva enquanto ele gritava de dor. Pior, ligaram o rádio.
Ramelau sentiu o cheiro do queijo Roquefort, do pão fresco, do doce de #natas,  Já quando era vivo lhe agradava a comezaina, quanto mais depois de morto, e resolveu ir lá fora.
Com o que lhe restava de força conseguiu finalmente livrar-se da figa, e atirou-a pela janela,
Matou dois anões com aquele gesto.













Uma #Figa

Dizem que
se dissolve,
desaparecendo,
depois de
rarefeita,
em palavras
que não querem
dizer nada,

Assim,
e justamente
por isso
por nada já se ver,
ou ouvir,
regressa às
folhas velhas
ao caderno
de recurso,
ao último
dos corações,
à última das canções,
vermelhas,

e à tinta que
as desenha
num mergulho
azul.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

A Sombra do #Grifo

Em frente à lareira,
dois dormitavam embalados pelo calor do fogo.
Primeiro tinha-os hipnotozado,
depois aquecido confortavelmente,
até que os levou para o mundo dos sonhos.
Ele,
de comportamentos diferentes,
permanecia silencioso olhando as chamas.,
Lá fora,
o frio selvagem  tendia a gelar-lhe as mãos,
e foi por isso que se juntou aos outros que dormiam.

Quando esmorecia, acrescentava-lhe um tronco,
remexia as brasas,
e entretinha-se a vê-lo reavivar,
a ouvir estalar os restos de resina,
ou as cascas,
e então as cores laranja lembravam-no o sol a pôr.-se
num entardecer de fogo junto ao mar.
Havia aroma de louro e de tomilho em recordações antigas,
que passavam na cabeça dos velhotes,
que dormiam embalados pelo fogo que os tinha hipnotizado.
Os pensamentos repetiam-se nas mesmas imagens que gostava de sonhar.
Os cães enrolavam-se debaixo do telheiro, ao sol.
A casa era pequena, forrada de azulejos feios e virada para o mar.
No pátio, da terra arenosa brotavam espécies
que gostam de terra arenosa,
hibiscos e buganvílias alegravam os terraços
e as bermas junto à praia,
e, no meio das ervas secas
evidenciavam-se colorindo,
e o dia iluminava ainda mais.
Acordaram em simultâneo,
do sono que os prendeu à inevitabilidade
de morrer, e por isso rodavam,
em tempos,
ou pelo quintal gelado,
ou pela beira das ondas, ou pela cidade.