sábado, 30 de janeiro de 2021



Era uma vez, em tempos que já  lá vão, uma camponesa, que apanhava couves na sua horta para vender mais tarde no mercado, quando, subitamente, uma das ditas se transformou num príncipe. 
Para além  da pele um pouco esverdeada, talvez demais para um ser humano, o príncipe era em tudo igual aos outros príncipes que conhecemos, tanto os que existem mesmo, como os que chegam até  nós através das histórias  de encantar.
A camponesa, quando viu aquela figura tão  esbelta, tratou logo de ajeitar o cabelo, que lhe caía despenteado sobre a testa, endireitar as saias, e limpar as mãos ao avental. 
O príncipe  couve acordou de um pesadelo a meio da noite. 
Deu por si sentado no chão sem a sua capa verde e com uma bela camponesa, isilda chamava-se ela, a olhar para si e a endireitar os cabelos conforme conseguia.
Tomou-se de amores por ela, mas, nessa época  longínqua , e apesar de alguma bruxa endemoninhada o ter enfeitiçado, não era permitido aos legumes apaixonarem-se por seres humanos, e foi com uma grande tristeza que falou assim:
_Isilda, sou uma couve, e nem sequer sou uma couve portuguesa, sou um repolho Isilda, sou um repolho, não  me posso apaixonar. E que fazer se a #sensualidade dos teus gestos me deixa louco? O que faz uma couve repolho louca transformada em príncipe  nestas situações? Diz-me! Terei amigos que me ajudem? Magos que me livrem desta maldição? 
Isilda sacou da faca de cortar a hortaliça,  que tinha dentro do cesto de vime. 
_Queres que te faça em Juliana? Ou caldo verde? Não  por mim, mas por ti. Vejo que sofres._
Clorófilo soluçou, comovido, mas recusou a proposta de Isilda, com um ligeiro abanar de cabeça.
Contam os antigos que por aquelas terras,  em noites de lua cheia, o fantasma do príncipe couve ainda hoje aparece nas hortas, a choramingar. 

















e, dava-lhe a frescura 

do seu corpo a beber.

sentavas-te, silencioso, 

com os olhos fixos num

 ponto inantígível para mim.

O gato está sentado, 

quieto e silencioso, 

com os olhos fixos 

num ponto inatingível.

Faz-me companhia 

enquanto olho para 

o casaco e me lembro 

de alguns episódios que 

lhe estão agarrados à cor, 

ou ao formato, 

ou ao cheiro, não sei, 

de quando me contavas 

segredos e eu, por 

encantos e feitiçarias  

te dava a frescura do 

meu corpo a beber.

Deu-lhe a frescura do 

seu corpo a beber,

O gato está sentado, quieto

 e silencioso, junto a mim.

Fixa os olhos num 

ponto inantigível, 

daqueles que só os 

gatos conseguem ver.

Do outro lado da sala, há 

um casaco pendurado no 

cabide, com histórias  que lhe 

estão agarradas à cor, 

ou ao formato, ou ao 

cheiro, não  sei.

Contavas-me as tuas

aventuras e desventuras

e eu dava-te a frescura do 

meu corpo a beber.

A viver na companhia 

de velhos vasos com

 flores alagadas pela

 chuva insistente.

Velhos vasos alagados

 pela chuva insistente,

Tomavam conta da casa.

O gato nem queria saber.

Velhos vasos alagados

E a chuva insistente 

Batendo à porta

Dando-lhe frescura 





O gato nem queria saber. Só queria dormir sossegado e assim, quem tomava conta da casa eram velhos vasos alagados pela chuva insistente. 

No momento da camélia b se aproveitar da frescura das suas gotas era quando elas caíam brancas, sobre o inverno








quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Uma #Pauta para Pássaro

 À conversa com um pássaro que me veio pousar no parapeito da janela, contei-lhe os meus receios.

Acharão, decerto, estranho que tenha iniciado conversa com uma ave, já que, para além de não falarem para nos poderem responder, nem sequer são bons ouvintes, cortam-nos a palavra constantemente, para cantarolarem pequenos trechos melódicos sem interesse nenhum, muito melhor do que eles cantam alguns homens e mulheres, muito mais belas são as notas dos instrumentos musicais que o homem foi inventando ao longo dos tempos.

Ainda assim, e muito por não ter com quem falar no momento, expus-me a essa situação ridícula e embaraçosa, acaso algum vizinho passasse por ali e desse conta do insólito.

Durante alguns segundos, em que esperei de forma inconsciente que ele fizesse o que lhes é habitual, que seria partir como chegou, naqueles seus jestos nervosos e delicados, quase parece, às vezes, que nem chegam a pousar nas superfícies, tal é a rapidez e a instabilidade com que se movem, ficámos-nos a olhar mutuamente, cada um à espera da reação do outro.

Após esse período, que me pareceu muito longo, mas que provavelmente nem terá sido, somos enganados muitas vezes pelo tempo, comecei a contar-lhe, não direi a minha vida toda, porque também não sou assim tão idiota, que, sem o conhecer, lha fosse narrar ao pormenor, para ele ir fazer mexericos com os vizinhos,  sob a forma de trinados e gralhadas.

Logo no momento seguinte, e porque não foi a primeira vez que me pareceu vê-lo esvoaçando no jardim da casa em frente, à procura de alguém, arrependi-me. 

Como eu imaginava, pouco ouviu do que eu lhe disse, parecia uma conversa de tontos, eu falava em alhos e ele respondia em bugalhos, e dali não saímos durante toda a manhã. 

A determinada altura, confesso que não saí mais cedo dali, nem foi tanto por mim, o sol, no seu percurso arqueado, bem que me incomodou em determinados momentos, senti-me enebriar demasiado pela sua languidez, foi mais pelo animal, que parecia satisfeito por ter alguém com quem partilhar a manhã.

O clima é instável nesta altura do ano e, de um momento para o outro, o céu ficou cinzento e uma chuva forte, sob a forma de aguaceiro, começou a cair. uma chuva inadequada para aquilo que me ia sair da boca, em tom irado e dominador,  "Voa daqui para fora, já não te posso ouvir", mas tive pena dele, eu que sou um coração de manteiga, e ele, ali onde se encontrava, estava protegido pela reentrância dos telhado, não consigo ver pássaros à chuva, incomoda-me, é obvio que o deixei ali estar.

Por tudo isto, acabei só por lhe confessar por onde andava de noite, quando fechava os olhos, mas isso não é coisa pouca, são os nossos sonhos que se revelam, mesmo aqueles que se prendem com o facto de estarmos acordados, 

No dia seguinte, bateram-me à porta. Estranhei, à quela hora, ou a outra hora qualquer, não era comum que alguém tocasse à campaínha sem um prévio aviso, um telefonema ou uma simples mensagem de telemóvel.

Um desconhecido, com nariz adunco e cara de poucos amigos e que se encontrava desenhado na minha cabeça  há muito, ali estava agora, parado à minha porta.

_Escadas que sobem e descem sem fim possível, odores flutuantes que vagueiam entre as velas e as suas chamas e sombras que se deslocam nas paredes pelo tremor delas? Universos diferentes? Tem de me acompanhar, está presa!_

E aqui fiquei, já nem sei por quanto tempo, encerrada numa gaiola.





sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

xmdjej


Ninguém  conheceu,
verdadeiramente, Glória.
Ela desceu, junto com as gaivotas,
a rua inclinada, a correr.
Passou a igreja branca, 
percorreu a rua estreita,
Chegou afogueada à beira do mar.
O sol misturava-se com as bebidas
sobre a mesa e sobre ele,
sobre os seus  cabelos,
sobre as suas mãos  quentes.
Descia, 
em vertigem de luminosidade
demais, o café.
Um belo dia a acabar.
Glória, nunca mais se ouviu 
o seu nome por aquelas bandas
Desde que mergulhou 
transformada em espuma, 
olha que grande novidade.
Havia um banco.
Nele se sentava sozinho,
um velho.
Glória foi fugindo,
mas a sua memória,
não  mudou para
dentro do  fundo
misterioso e negro.
Ou para o lugar mais alto 
das mais altas falésias.
Permanecia
no abraço infinito do horizonte.






sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

SERÁ ESTE?

 As ruas de Lisboa também nunca são as ruas de Lisboa, e como a noite é a mãe de todos os medos, foi com algum receio que me atrevi a passar.

Quando o vi, lá ao fundo, desciam as pedras cinzentas pela rua abaixo, passavam a curva, quase saltavam do chão, pareceu-me que o seu corpo era demasiado grande, tinha um fato azulado que rebentava pelos ombros, de onde, dos seus  pontos equidistantes,  aflorava aquilo que me pareceu ser uma cabeça de tamanho anormalmente pequeno, mas imaginei que fosse do ângulo que o meu raio de visão fazia relativamente à entrada do restaurante, ou de algum reflexo de luz enganador.

As ruas de Lisboa também nunca são as ruas de Lisboa, sobem e descem, geometricamente, os topos das colinas arredondam em parques e cruzamentos, cinzentos, por vezes.

Aquelas grandes línguas amarelas dos candeeeiros a lamberem as vielas, o homem estava de costas quando passei por ele, indiscutivelmente estranho, parecia uma figura fantástica que tivesse escapado de um qualquer universo ainda por encontrar.

Eu, no momento do nascimento, abrira os olhos para ver a luz do dia, não imaginara uma janela como aquela, rente à cidade, nem os passos incontáveis que nela haveria de dar, nem sequer fantasiava tantos ratos, nem por um momento suposera que um dia carregaria monstros dentro de um livro e  que os transportaria debaixo de um braço comprido e fino, bem maior do que era de esperar.

Encostado à esquina da porta, de costas para mim, confirmava-se a desproporção. 

Não consegui ver-lhe a cara, passei silenciosamente, com medo apavorado da possibilidade de ele se mover, imaginava-lhe as passadas, uma das suas para três das minhas, as ruas de Lisboa também nunca são as ruas de Lisboa, nem se chega aos miradouros ou ao sol, quando temos nas mãos livros cheios de histórias incómodas, quase escorregando após inclinação perigosa, a descida é íngreme, mesmo quando as ruas de Lisboa são elas mesmas, o movimento das ancas desiquilibra-os e não queremos que caiam, desamparados.

 




 




terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Nem Eu Sei Se Foi Nos #Alpes

Saíam de casa pela calada da noite. Enveredavam por caminhos onde sabiam não  passar mais ninguém àquelas horas, levavam o material necessário, sabiam onde se escondiam. Era a época ideal para a sua recolha. 
Havia tantas que iam munidos de grandes sacos.
As crianças  acompanhavam-nos, era-lhes pedido silêncio,  mas claro, de quando em vez ouviam-se risos abafados, contidos apenas pela restrição  imposta pelos adultos.
Com sorte , seriam colhidas às mãos cheias, mas escorregariam algumas por entre os dedos dessas grandes mãos, e os meninos e as meninas haveriam de as meter nos bolsos, e os seus bolsos brilhariam através  do tecido grosso.
O mais sorrateiro dos gatos parou. Debaixo das patas levava algumas. Perigo. Para ele e para elas, dissimuladas, também, nas sombras da lua, num qualquer sonho profundo.
Para quem sabia do assunto, era relativamente fácil.  Bastava a atenção  devida para os mais elementares pormenores, como o rumorejar de duas ou três folhas indistintas, que se abraçassem nas árvores do passeio mais virado a norte.
Nessa escuridão podiam estar em todos os sítios, a brincar aos equilíbrios, ou no alto de um muro, ou nas arestas dos telheiros. 
Compensava largamente. Ficariam o ano inteiro observando o brilho extraordinário  da superfície  do mar, vê-lo-iam  numa rosa pequena, pintada num tecido qualquer de cortinado, serviriam para contar histórias, para falar.
Era admirável. Era inalcançavel, invisível, indizível, voluntarioso.
Leves  e agitadas, formavam frases pelo caminho de regresso, agarravam- se às irregularidades da serapilheira.
Haveria depois uma  época de tanto trabalho caseiro, em que os mais robustos dos homens puxariam em forças opostas para que se soltassem umas das outras, para depois as guardarem devidamente catalogadas. 
Mas, as  verdadeiramente preciosas eram as que se escapavam das mãos  em concha dos coletores de palavras, por causa da imensa liberdade.



sábado, 9 de janeiro de 2021

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

0 bibelot de louça escorregou-lhe da mão e foi-se escaqueirar contra o soalho. 
"Ai, Jesus, o que vai dizer a D. Esmeralda, logo este pratinho Vista Alegre, que ela estimava tanto. O que vale é que  a patroa é boa senhora. Primeiro há-de mostrar-se contrariada, faz aquela carinha de cú que costuma fazer em ocasiões  idênticas, mas depois perdoa e até  acaba por se esquecer. Estou a imaginar, _não  faz mal, Lurdes. Só acontece a quem faz as coisas_ e é bem capaz de ainda me fazer uma festa na cabeça,  como se eu fosse um animal doméstico, deus queira que não,  porque já  não  aguento esse gesto por muito nais tempo."
"Esfanicou-se todo. Nem dá para colar, como fiz à moldura do falecido, e quando ela deu por isso, contei com a baralhação que a idade provoca e disse-lhe que sempre tinha conhecido a moldura assim, partida e concertada desde que entrara naquela casa para trabalhar, fazia dezoito anos. Acabou por acreditar e fez-me uma festa na cabeça,  malditas festas, enquanto pedia desculpa por se ter enganado, e eu respondia ao pedido de desculpas com um ligeiro trejeito amuado como se fosse inconcebível poder  pensar que eu não  estivesse a dizer a #verdade.


O João Pedro

O João  Pedro já  saíu do parque bastante aborrecido. Não gostava nada que lhe roubassem o lugarzinho para o automóvel.  Em boa verdade, o lugar não era propriamente dele, mas habituara-se a arrumar ali o carro, era mesmo em frente a sua casa, mesmo em cima da porta, que fora aberta sofrivelmente para a via pública quando os pais quiseram fazer do andar de baixo a habitação  permanente do seu único  rebento e respetiva família, acontece é que o passeio faz uma reentrância arredondada mesmo a calhar para deixar o velho Audi à mão de semear, num instante se metiam os putos dentro da viatura, se arrumavam as compras, enfim, uma série de processos ficavam facilitados, se os vizinhos não  queriam ver eram mujto obtusos, por isso é que ele tinha uma grande pedra ali à mão e já  não era a primeira vez que a utilizava, se alguém  abusava da sua paciência,  colocava-a em frente a uma das rodas dianteiras da viatura do abusador e, das duas uma, ou ele não dava pelo objeto e arrancava com o automóvel, depois se veriam os estragos, ou dava por isso e tinha que a tirar para seguir viagem, servindo assim de aviso ao prevaricador.
Naquele dia o caso era diferente. Desde que tinham começado as obras na vivenda em frente, os homens estacionavam ali a carrinha cheia de materiais, como se aquilo fosse deles. 
João Pedro, aconchegou o cachecol em volta do pescoço e endireitou os óculos. 
Estava ali um problema bicudo. Em primeiro lugar, eles só ocupavam o espaço  durante o dia, logo, não  havia possibilidade de lhes deixar o recado, já  que essas manobras são  para serem feitas pela calada e não  à vista de todos, e depois porque, nem sabia se haveria de o confessar a si próprio, aqueles homens todos, que se aborreciam uns com os outros durante o expediente, vociferando palavrões tão fortes quanto as suas vozes, metiam-lhe algum respeito.
Nestas fases em que alguém  tinha o descaramento de o vilipendiar, a vida já não  era a mesma. O sucedido comprometia fortemente o seu dia a dia equilibrado, mesmo que quisesse pensar noutro assunto, não  era capaz, o seu quotidiano tranquilo desfazia-se para se transformar até  em raiva, ficava sem paciência  para as crianças, falava secamente à mulher, enquanto ela se queixava inutilmente de ser pau para toda a obra, nem a ouvia, a irritação  ocupava-lhe a mente, nem o dia de trabalho, o patrão  a palrar e ele sempre de acordo, "#yes_men", "yes men" era o seu lema, já tinha  evitado muitos dissabores pela sua postura submissa. 
No emprego, ainda vá, vamos dizendo que sim a tudo, mas na nossa vida particular, também? Porventura não  veriam as pessoas que há  direitos que se adquirem, que ele vive mesmo ali, precisa do espaço muito mais do que qualquer  outro?
Um prego. Quando pensou no prego a sua disposição  tendeu a melhorar. Sorriu para a  mulher, agarrou no aviãozinho com que o filhote brincava e movimentou-o no ar. A criança,  pasma com o facto do pai se incomodar a prestar-lhe atenção, ficou de olhos arregalados, observando.
_Finalmente  estás bem disposto, João Pedro. E posso saber a razão._
_Um prego, Sónia, lembrei-me de um prego!_

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

#Usurpação Benigna tinha sido tão benemérita em vida que ainda hoje, quatrocentos anos depois, a tinham como Santa.
Pelo menos naquela aldeia, Vale de Porrete, um casario bem escondido no país profundo, onde usufruia de um lugar de destaque bem no centro do altar da capela.
Virgulinita e Amiba detestavam a missa, muito por causa daquela figura, que metia medo. 
À primeira impressão  parecia uma santa normal, mas, se por acaso estivessem muito tempo a olhar para ela, e ambas o tinham feito inúmeras vezes, as suas feições  transformavam-se, os dentes cresciam-lhe, os olhos inflamavam, a tez, que uns segundos antes era de um rosa pálido e bondoso, enchia-se de pústulas e crateras. 
Nesse fatídico dia, as meninas resolveram, depois de previamente combinado entre elas, fugir da missa. Aproveitavam quando as mães estivessem de olhos fechados, a rezar, e saíam sem fazer barulho.
E assim aconteceu, de facto, mas não  tinham contado com a atenção  sobrenatural da velhaca criatura, que, assim que deu pelo sucedido, saíu do altar esvoaçando entre as pessoas distraídas, alcançou as crianças e, lamentavelmente, comeu-as. 



segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A Sombra

Andava eu pelas ruas de Lisboa, descomprimindo um pouco a cabeça toldada pelos inúmeros afazeres que o dia me tinha reservado, quando, inesperadamente, a minha sombra, que segundos atrás  era tão visível  caminhando à minha  frente, precisamente como as sombras fazem imitando os nossos gestos em modo cinzento, desapareceu.
O sol, que incidia fortemente nas minhas costas, mantinha-se a descoberto, eu não passara por baixo de nenhum prédio, nenhuma ponte, ou qualquer outra edificação  que com a sua opacidade a pudesse esconder, e comecei a ficar deveras preocupada, não  fosse ter-me acontecido o mesmo que a Peter Pan, que perdeu a sua e ainda hoje tenta recuperá-la sem sucesso.
Parei imediatamente, para poder olhar com atenção  o que me rodeava, na esperança  de ainda a apanhar por ali perto. 
De facto, sobre um toldo amarelo de um pequeno café  de esquina, deparei-me com a dita, sentada de perna cruzada, esperando que eu passasse sem dar pela sua falta, para depois ir à sua vida de sombra libertada. 
Mas, não contava ela com o meu vasto conhecimento da sua personalidade, tanto pelos muitos anos de convívio, já  que  nos vimos crescer uma à outra, como pelo facto de a minha capacidade de avaliar caráteres ser muito razoável, eu sabia como haveria de a convencer a colar-se novamente aos meus pés.
_Chega cá  abaixo, quero  falar contigo! Se faz favor, claro!_
Quando ela desdeu, segredei-lhe qualquer coisa no lugar onde presumi que  devia estar o ouvido e que sabia ir deixá-la contente. 
_Estás a segredar-me para a testa. Mas sim, volto. Já  'tô farta de 'tar ali em cima a ver as pessoas a passar.  E tu até  és uma pessoa educada, sempre tenho companhia._
E seguimos as duas até casa.