sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Cão (adap. EI)


Passeavam dois irmãos por terras cor de terra e raízes,
no #Zimbabwe, talvez, pode bem ser...,
quando, de repente, distraídos com a apreciação da beleza do local,
caíram num buraco.

O buraco também não era assim tão profundo. e,
sem nenhum osso partido, e com os olhos ao nível do chão
podiam, facilmente, sair dali.
A questão é que,
fosse ou não por  se tratar de uma história absurda,
uma espécie de sonho de uma noite mal dormida,
não estavam a conseguir.

Então começaram a pedir ajuda a quem por lá passava,
pouquíssima gente, junto ao palácio que se via tão bem,
quando ainda estavam à superfície,
mas agora completamente tapado pela  folhagem.

A chuva descendente, fazia brilhar a velha estrada,
estreita e escura, e, depois da última curva,
havia um pequeno parque de terra batida,
onde se estacionava, eventualmente, e,
entre os carros e as rosas cor de rosa
havia o tal buraco.

Cansados de pedir auxílio aos enfatuados
que por ali passavam,
mas que pareciam nem ouvir os gritos,
tentaram a sorte com o homem velho e nú,
no seu tempo imóvel,
sentado silencioso num bloco,
uma cadeira, arredondada pelo vento
a bater insistentemente no granito.

Nem sou eu que tenho a força, mas tenho ouvido.
E ouço respostas ao vosso apelo. Vejam!
Ao fundo, alinhados entre si, corriam, determinados,
precisamente naquela direção
três enormes cães, de pelo branco e amigo.


quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Rapunzel (adap. EI._ Xinjang)

Circula Rapunzel
com a sua trança
serpente adormecida
mangueira sem préstimo,
desaguada,
enrolada no braço
para que não lha pisem
Rapunzel,
ela e a trança, imaginadas,
enroladas no braço
tão apressados vão e vêm,
Rapunzel.
Terias que subir à torre
perder o medo das alturas
amar
os  príncipes #Xinjang,
os malvados,
Rapunzel, e a tua trança que canta
para ti,
e que não  te engana
enrolada no braço,
imprestável,
com a corda enrolada no
braço,
para que não ta pisem.
e não te reconheçam as bruxas.
Rapunzel, a trança...,
Cuidado!



terça-feira, 21 de novembro de 2017

Weinstein (EI)

#Weinstein apanhou um resfriado e não se sentia nada bem.
A mulher, que vivia em Lisboa há muitos anos, mas que era oriunda de Mértola, preparou-lhe um chá de poejo, o que o fez melhorar substancialmente, quanto mais não fosse pela influência do aroma e sabor magníficos daquela erva do campo.
Até se sentiu aliviado daquela tosse irritante.
Então, para não perderem as delícias de uma tarde fria, mas soalheira e amena, por causa de uma simples constipação, que até parecia estar a querer ir-se embora, vestiram os dois uns casacos quentinhos, ele ainda se protegeu melhor com umas luvas e um gorro, e foram caminhar pela calçada junto ao Tejo.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Voltaire


#Voltaire,
quantas voltas tu dás,
a imaginar para trás,
no lugar te lembrares
de tudo muito direitinho.
Agarravas numa fotografia
e verias que o desenho
no papel vegetal
da tua cara atual
é sobreponível,
e é isso que se pretende.
Até a tua  mãe antiga
de séculos passados
que já nem é para cá chamada,
se põe a gritar:
tens a casa cheia de gestos
supérfulos,
sobras de tudo,
sempre a enfrentar  cataclismos
de brincar,
a despensa a abarrotar
sabe~se lá de quê!
Pões-te a inventar. desfasado,
vais perder o direito
que te reservei,
o espaço de uma estrela
no espaço
e tudo por causa da indisciplina.


sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Saramago

Todos os dias passava na Estrela, passava no Largo do Rato, no Rossio, com o filho muito direito ao seu lado, de mochila e boné.
Levava os braços atulhados de compromissos, de um lado a mão do miúdo, pequena e quentinha, do outro, a sua mala, a lancheira dele, e o livro do momento, preso entre a ilharga e o ante-braço.
O livro, com os movimentos do corpo e o trepidar do autocarro, ia inclinando, cada vez mais instável.
Num instante se chega ao destino, e assim foi, desceram os degraus com todo o cuidado, mas o livro lembrou-se de resvalar definitivamente, caindo logo na primeira poça de lama, mesmo ali à sua frente, entre o pé de um candeeiro e uma roda de carro.
"Ah, vida! Agora esparramou-se-me o Saramago no passeio!"
O miúdo, solícito, agachou-se para o apanhar, e agarrou-o por meia dúzia de folhas, salvo erro, da página cinquenta e dois à noventa e quatro, e entregou-lho assim, sujo e desconjuntado.
Vamo-nos sentar naquele banco, e limpá.lo. Empresta-me um guardanapo dos teus.
Quando chegaram à porta de casa, tinha  as mãos tão frias que rodou a chave com dificuldade.
Lá dentro , o gato cumprimentou-os, de cauda no ar, contorcendo o corpo, tentando passar o seu pelo cinzento, suavemente, pelo aroma da chuva que traziam agarrado aos sapatos.










quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Quaker (Adap. EI)

Sentei-me no arredondado da pedra que envolvia o fundo do tronco da tília.
Pareceu-me ouvir um bichanar, um zumbido, que tanto podia ser a luz dos candeeiros a incidir sobre as coisas, como um #Quaker, que, como sabemos, é um pássaro solitário, dos que gostam de conversar a meio da noite.
De facto, e depois de me pôr em pé, para tentar ouvir melhor, percebi quem era, e o que me dizia.
Mas que grande sermão que tinha para mim:
"Ou colocas nas letras algo que as transcenda, ou mando varrer isto logo pela manhã, e vai tudo juntamente com as outras folhas!"
"Francamente! Então não posso gastar o tempo como eu quero, a  brincar, como fazem as crianças, com os papeís, e a tinta solvente das aguarelas?
Não  sujo nada, não altero as cores, nem derramo água!"
Não disse mais nada. Levantou vôo e desapareceu, como faz sempre, e fiquei outra vez sózinha, com o meu  misterioso e confortável casaco pelas costas.





terça-feira, 14 de novembro de 2017

Panteão

Enterrou os bolbos na terra
distantes uns dos outros
mais ou menos dez centímetros.
Quando chegasse a época
haveriam de florir, e,
alguns anos depois
de cumprirem a sua missão
de alegrar a varanda,
todas as primaveras,
haveriam de morrer.
Nessa altura, pegava neles
e atirava-os para o lixo.
como fazia sempre,
quando deixavam de existir.
Não havia Panteão
nem uma simples lápide
ou mesmo uma vala
só para eles.
Eram frésias insignificantes,
ou lírios sem importância,
renovados no super mercado
a quatro euros e noventa e nove
cada embalagem de meio quilo.

sábado, 11 de novembro de 2017

Magusto


Compare-se o mês de novembro
a determinado padrão de roupa colorida,
ou ao trautear de uma melodia,
ou ao magusto, de água pé e castanhas.

Por um motivo qualquer,
e numa atitude involuntária,
aquela específica conjugação de cores,
ou de sons, ou de cheiros, faziam-me lembrar...

Era a tábua de engomar
a chiar aos movimentos ordenados do ferro,
e um ou outro sopro mais ruidoso do seu vapor,

Voltando a novembro,
dava por ele a entrar, fresco, pela janela,
e via-o misturar-se  na roupa das camas,
na manta que me cobria as pernas,
na superfície dos móveis.

Ajudava-me a recordá-la, circulando pela casa
na sua silenciosa produção de calor.








quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Internacional

Depois de confirmar,
muito bem,
o significado da palavra
percebi, inequivocamente,
que é internacional
a manifestação das flores.
Todos os anos,
num fenómeno
que é comum a vários países,
as flores, duma
vulgaridade horrível,
insistem em "eclodir"
sempre com as mesmas cores.

Para além do efeito
intenso e policromático
de mais umas manchas,
sazonais e intermitentes,
que somos induzidos a ver,
ainda transportam consigo
uma noção de tempo
infinito
associado às páginas
do segundo volume
da obra prima
ou da coisa nenhuma
que estamos a ler.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Harpa (EI)

Pois se. no momento,
nada ouço
a não ser o canto dos
pássaros
e um ou outro zumbido.
mas que provém
do meu ouvido (esquerdo),
e, para mais, o sol,
fortíssimo, mas silencioso
me faz lembrar, apenas,
o ritmo alucinante daquela
específica bateria
(que maravilha, graças a Deus!),
e o pensamento me tende (irrequieto)
para a nêspera
do Mário Henrique Leiria,
como posso,
e logo hoje,
apreciar as cordas (vocais)
da #harpa da hárpia,
amestrada,
que me ofereceu
a minha tia?

domingo, 5 de novembro de 2017

Goscinny (EI)

Depois de estudos intensivos sobre o fenómeno, verificou-se que o planeta, sobretudo nos países mais desenvolvidos, estava a atingir níveis preocupantes de criatividade.
Em todas os grupos relacionados, excluindo as áreas tecnológicas cuja inovação é sempre benvinda, havia uma tal profusão de obra, que, nem o mercado suportava, nem os indivíduos conseguiam assimilar tanta imaginação, correndo graves riscos de sáude. Era, portanto, e também, um problema de saúde pública.
Para além destes tremendos inconvenientes, essa sobrelotação de coisas novas impedia, também, que as pessoas se debruçassem sobre o que já estava feito, valorizassem o que já tinha sido inventado, desconhecessem o que tão sublimemente já tinha sido criado, o que é, obviamente, uma má gestão dos recursos.
 A situação foi considerada tão grave que foi decretada a proibição de qualquer manifestação artística,
Acontece que muita gente, uns talvez por doença, outros talvez por rebeldia, não deixaram de produzir, sabendo de antemão, da ilegalidade dos seus atos. e aquilo que parecia ser de fácil resolução, era, afinal, um esquema tão complexo que parecia não ter fim. Havia sempre quem, clandestinamente, criasse, e maugrado, sempre quem quisesse usufruir daquela invenção diferente, por ser fresca e por estar viva.
 Foi então que vários países aderiram áquela que foi designada como operação #Goscinny, e que mandava prender todos os presumíveis artistas e confiscar todo o seu material.
Só algumas décadas depois se entendeu, com satisfação, a relevância deste controlo. O mar estava outra vez repleto de sardinha.



quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Defunto (EI)

Dois passos no
passeio.
Devagar.
Primeiro,
concentrar-se para não
caír.
Depois, já em marcha,
e com a ajuda da
bengala,
recordar, vagamente os
#defuntos.
Restava-lhe, ainda o
tempo
suficiente
(ainda nem sequer
chegara
à curva)
para que calculasse
com a maior
precisão
possível,
a distância elástica e
razoável,
que o separava dos
filhos
adultos.



quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Caridade


E era então
que se contorcia
para que todo
o seu  corpo
de mil léguas
entrasse,
rapidamente,
na terra.



Uma conversa parva

Ela, que todos sabiam ser de poucas palavras, veio-me um dia com a conversa parva de que havia pessoas que, com os olhos  viam as cores dos outros.
Eu, que sou precisamente o oposto, muitas palavras preciso eu dizer, caramba, expliquei-lhe exaustivamente o meu ponto de vista, que olhos e cores eram o mesmo, sem os primeiros  não havia os segundos, e vice-versa, tudo fazia parte de um conjunto fechado, de números finitos, e frisei muito bem esta última parte, que era matematicamente importante,e, para além disso, era a primeira vez que tinha uma camélia, ainda por cima estava cheia de botões, e, se os gatos, nas suas travessuras, não os estragassem, iria ter , então, uma camélia em flor nesse ano.
Ela fez o gesto de se ir embora, mas eu, melosa, prossegui.
"Espera..., por #caridade ouve-me! Referes-te às cores dos olhos de cada um ou à cor da pele, ou á cor das suas camisas, ou à cor dos seus braços sujos? Pois, se calhar nem te ouvi bem, porque estava a olhar para alguns pontos cintilantes fora da minha zona de conforto, o que é que queres, distraío-me com tudo. mas também, repara, tanto podem andar por aí, a brilhar,  memórias recentes, veados, por exemplo, frescos e verdes, como outras mais antigas, repescadas lá mais para o fundo, se calhar até mais quentes, e como sabes,cabe-me a mim unir esses pontos de luz.
E assim, em catadupa, fui perguntando e respondendo, enquanto a olhava, e ela, que nem se mexia, durante todo o tempo em que falei, apenas uma vez levantou, ligeiramente, uma sobrancelha, e outra semicerrou os olhos, condição necessária para que as suas longas pestanas se movimentassem, embora impercetivelmente.