terça-feira, 21 de maio de 2019

Para #Iémen, Ao fim Da Tarde




O homem vivia numa
casa entre as árvores
e da janela lhes via
a bela frondosidade.

Mas as árvores são dos
pássaros, que nelas
fazem os seus lares.

Por isso se confundia.

e, enquanto passeava
ia pensando, devagar:


Se, em boa verdade,
não sou um pássaro
porque tenho, então,
os passos dificultados
pelas dificuldades
inerentes às aves?

domingo, 19 de maio de 2019

Uma #Gamela

Um dia,
um indivíduo
propôs-se
a aprender de novo
a manuscrever
para deixar as vogais
abrirem
naturalmente.

E como
se sentiu feliz
com a decisão
chegou-se à
camisola pousada
sobre a cadeira,
pegou-lhe pelos
punhos,
e iniciou com ela
movimentos
completamente
inesperados,
de dança.

Parecia mesmo que
vinham
verdadeiros braços
abraçando
do interior das suas
mangas.

De seguida,
abriu uma gaveta
com o propósito
de suspender um
banco de jardim
das tábuas
do seu teto de
madeira.

Sem querer,
tornou o vento,
lá dentro, real.




Um Rascunho Para #Noite_junina



Do lugar onde estava, via a cidade
trespassar as cortinas de renda,
para entrar dentro do restaurante,
enquanto eu ia virando o corpo.
ora para um lado, ora para outro,
criando, no espaço segmentos
de conversa,
que se projetavam nos vidros das janelas
passando a superfície de todas as cabeças,
até atingirem a parede exterior.

Observava eu, os músculos
tensos nos seu pescoços,
que eram, para mim,
a linguagem  mais verdadeira,
que me podiam oferecer,
quando alguém
me interrompeu os pensamentos
para lamentar a ausência de
guardanapos de papel.

(Um outro foi levado a relatar-nos
como, uma ocasião,
tudo se demoronou em seu redor.)


(Pingos de estearina  caíam-me nas mãos,
em concha, enquanto ele falava,
mas mantive-as assim o tempo necessário)

Em evidência, bem no centro
da sala, uma  fonte de
água límpida, e potável,
de onde, se quiséssemos, podíamos
retirar  algumas gotas  para fazer
as flores de açucar.

Lá fora, uma multidão de mulheres,
e homens sem rosto,
esperava pacientemente.
Formaram, já, uma fila ordenada
que contornava várias vezes o edifício.

Sentados à mesa falámos, ocasionalmente,
da morte.
Foi uma conversa pequena,
de cinco ou dez minutos, nem  a cidade
chegou a parar
de passar em frente às janelas
e atravessar as cortinas de renda
para entrar no restaurante.








quinta-feira, 16 de maio de 2019

Doris

Do lado direito da velha estrada que serviu em tempos a circulação de carros de bois e carroças, e onde passa agora apenas um automóvel  de vez em quando, e seguindo para poente, há um pequeno casario mesmo no cimo de uma elevação.
Naquela tarde, #Doris_Day dormia a sesta em frente ao castanheiro que crescera numa lateral da capela, enroscada sobre si própria, com a cauda acompanhando a curvatura do corpo enrolado.
Devido às suas extrordinárias capacidades de felino, apercebeu-se de um odor anormal, ouviu com alguma nitidez aquilo que para um ser humano não passaria de um murmúrio ou de um zumbido, pressentiu a possibilidade do perigo do desconhecido, e olhou na direçao da azinheira.
Em cima da árvore estava uma figura extraordinária, vestida de mulher, e com o sorriso mais encantador que alguma vez um gato viu.
A sua primeira reação foi dar um salto, ágil e rápido, para fugir dali, e assim fez, correndo até atingir uma distância segura, e escondendo-se atrás de um amontoado de giestas.
De lá, pôs-se à espreita, na tentativa de entender o que lhe era completamente desconhecido.
O seu instinto de sobrevivência comungando com as suas ancestrais reminiscências de animal caçador, fizeram-na preparar-se para atacar.
Iniciou então, uma corrida rápida até atingir a velocidade necessária para um único e cirúrgico salto.
No momento certo e perfeito, lançou o seu corpo elástico acrobaticamente sobre o mato, e aterrou no longo vestido da criatura, onde se agarrou com as unhas.
Imediatamente a seguir cravou-lhe os dentes no antebraço.
A figura de contornos humanos desiquilibrou-se, e os seus dedos, longos e escamudos, que rodeavam, com força, os troncos que agarravam, abriram-se, displicentes, por causa da dor que a dentada lhe provocou, e ela caíu desamparada.
Todavia, assim que tocou o chão desintegrou-se, sem deixar qualquer vestígio, o que faz com que, ainda hoje, Dorys duvide que este episódio tenha realmente acontecido.

ncncnc

Quando se materializou no planeta terra não esperava tê-lo feito sobre uma árvore. Felizmente que debaixo das roupas ainda possuia as suas garras autênticas para poder segurar-se aos troncos.
Por sorte tinha passado o limite transparente dos dois mundos sem que aquela parte específica do seu corpo, por uma qualquer anomalia do sistema,  se tivesse modificado.
Ao fundo, na velha estrada que servia em  tempos a circulação dos carros de bois, passava agora, de vez em quando, um automóvel solitário, ou era atravessada por pequenos animais que viviam por ali na sua paz.
No topo do monte, em frente ao castanheiro, #Doris_Day dormia a sesta, enroscada sobre si própria, com a cauda acompanhando a curvatura do corpo enrolado,
Pressentiu, com as suas extraordinárias capacidades de felino, o odor anormal, ouviu com nitidez o que para um ser humano não passaria de um murmúrio ou de um zumbido, olhou na direção da azinheira, e viu uma figura extraordinária, vestida de mulher, com o sorriso mais encantador que alguma vez um gato viu.
A sua primeira reação foi dar um salto, ágil e rápido, para fugir dali. Correu até atingir uma distância segura, e escondeu-se atrás de um amontoado de giestas.
De lá pôde observar melhor, e pos-se à espreita para tentar entender o que lhe era completamente desconhecido.
O seu instinto de sobrevivência comungando com as suas velhas riminiscências de animal caçador, fizeram-no preparar-se para atacar.
Iniciou então uma rápida corrida até atingir a velocidade necessária para saltar.
No momento certo e perfeito, lançou o seu corpo elástico num salto acrobático, e aterrou no longo vestido da criatura, onde se agarrou com as unhas.
Imediatamente a seguir cravou-lhe os dentes no antebraço.
A figura humana desiquilibrou-se, e os seus dedos longos e escamudos que  rodeavam, com força, os troncos que agarravam, abriram-se, displicentes, por causa da dor que a dentada lhe provocou, mas, ao tocar no chão, desintegrou-se sem deixar qualquer vestígio, mas Doris ainda hoje tem os seus belos dentes esverdeados.










segunda-feira, 13 de maio de 2019

#Aparição

As pessoas que esperavam no passeio que o sinal para os peões passasse a verde, contam que aquele taxi não respeitou a mudança de cor e  atravessou a toda a velocidade a passadeira.
Mais tarde, quem ouviu as notícias da noite, pela rádio, pela televisão, ou leu nas redes sociais,   facilmente relacionou o sucedido.
Na televisão, o locutor relatava os acontecimentos  usando aquele sorriso indecifrável que servia para qualquer notícia, fosse ela de caráter, lúdico, político ou criminoso.
As imagens que a câmara tinha captado, mostravam o dito automóvel pintado das cores características dos que circulam por aí, preto com a capota verde alface, num desvaire absoluto por entre os outros, parecendo seguir em pânico pela cidade.
Tinha sido notícia, não pela condução desenfreada, mas porque, nas grandes e escorregadias subidas que nos encaminham até ao topo das várias colinas, não é possível atingir grande rapidez, e, por esse facto, vários transeuntes, parados nos recantos menos soalheiros dos estreitos passeios em escada, onde podiam descansar, beber água das suas garrafas e limpar o suor que lhes escorria pelas faces, mas como dizia, essas testemunhas tiveram oportunidade de ver, dentro do veículo, imediatamente atrás do condutor, que agarrava o volante com olhar esgazeado, alguém que seguia  vestido de negro, com um fato e um chapéu de abas largas, que pareciam repousar sobre o vazio, como se dentro da roupa não existisse qualquer corpo.
As suspeitas, lamentavelmente, foram confirmadas. De facto, muitos o viram  chegar ao aeroporto, o homem sem crâneo e sem rosto, passou pela porta giratória, transportando, suspensa, uma estreita mala de mão.
Antes de entrar no avião, quem esperava com ele, sentado nas cadeiras, ou circulando em agitação moderada, por ali, viu-o pousar a mala no chão, abri-la, e rodar o pescoço várias vezes, até se materializar num dos habituais e já nossos amigos  habitantes de Neptuno,  de tez esverdeada e olhos vermelhos, que tanto apreciam vir fazer turismo para esta zona longínqua.






sábado, 11 de maio de 2019

Merlin

Merlin olhava para o caldeirão, desapontado.
Não se lembrava, depois dos cento e vinte anos a memória começou a falhar-lhe, e ainda era muito novo. todos lhe chamavam a atenção, dizendo, vai ao médico que eles dão-te qualquer coisa para isso, mas ele andava a evitar.
O que é facto é que lhe faltavam os termos, muitas vezes cruciais, para fazer transformar as coisas, que punha dentro da panela, e que se modificavam pela ação do fogo.
Até a sopa de beterraba,e a compota não lhe tinham saído bem, quanto mais o feitiço cuja fórmula precisava de ser proclamada por alguém que contivesse sabedoria ancestral no seu curriculum.
Se a técnica fosse conduzida na perfeição, transformaria um balde de excrementos em ouro e distribuí-lo-ia pelos menos afortunados.
Mas não se lembrava das palavras chave, e as excrecências iam borbulhando, já passando do ponto mágico da magia.
Procurou os apontamentos que tinha num bloco de notas muito velho, guardado num canto qualquer.
desviou as abóboras e outros legumes que por ali tinha sobre as bancadas, espreitou atrás da torradeira, abriu as gavetas, animais de porte pequeno saltaram assustados, de lá de dentro, e alguns rastejantes fugiram  pelas reentrâncias, mas o bloco, nada, não estava em lado nenhum.
Voltou a correr para junto do esturgido, para o mexer com uma colher de pau gigante, para não deixar queimar o produto, quando se lembrou de repente, e muito graças aos céus, do que tinha para pronunciar.
O feiticeiro imediatamente prendeu, com um elástico, os seus longos cabelos brancos, e abeirou-se do lume, abrindo os braços e as mãos para invocar outras forças.
Concentrou-se nos poderes desconhecidos da mãe terra, e vociferou como se a voz não partisse dele, mas sim de algum dos deuses imensos que nos observam:
"#YOLO XABREGA!"
O resultado foi imediato, no conteúdo do panelo uma reação química  manifestava-se, e o que era acastanhado começou a ganhar um bonito tom amarelo.
Conta-se que, no dia seguinte, todos os pobres do reino tinham, surpreendentemente, um pequeno lingote dentro da malga do pequeno almoço.










sexta-feira, 10 de maio de 2019

Xabrega


Laura não queria ser apresentada à criatura.
Não porque tivesse muito medo, mas antes porque isso a iria impedir de  brincar com os outro meninos.
Tinha que ficar ali parada, em pé, de mão dada com a mãe, e receber festas na cara daqueles dedos angulosos e disformes que mais pareciam garras.
Quando olhava diretamente para ela, via saírem-lhe pequenas faíscas das órbitas vazias, e, para Laura,o seu cabelo eram larvas que dançavam presas ao couro cabeludo, movendo-se com vida própria, apenas querendo enganar os outros, passando por  cabelos compridos, e verdadeiros, ao sabor do vento.
Os seus dentes afiados ainda continham pedaços do último animal estraçalhado, talvez um pequeno roedor ou um ser humano mais frágil, porque a tia Rosa não comia carne, esquartejava-os apenas pelo prazer de matar.
Laura não tinha receio, estava habituada à família, mas sentia-se muito aborrecida, obrigada a suportar aquelas conversas de adultos.
Olhou mais de perto, e viu fios de sangue que lhe escorriam pela pele borbulhosa e nojenta das faces.
"Cumprimenta a tia Rosa #Xabrega, Laurinha!", insistia a mãe,
"Laurinha, minha querida, como cresceste!" pronunciou o monstro com a sua voz desumana e forte, o que obrigou Laura a agarrar-se  a uma árvore para não voar com o grito  do ser maléfico, que tinha o poder de arrastar todas as folhas soltas e levantar nuvens densas de poeira.
As árvores mais velhas começaram a ceder pelas raízes, e a violência da tempestade provocada transportava  todo o tipo de coisas soltas.
"Cumprimenta a tia Rosa, Laurinha!", já mal distinguia a voz da mãe, tal era a intensidade
do que se passava à sua volta.
Foi quando a criança, felizmente, acordou da sesta.





quarta-feira, 8 de maio de 2019

cnvnk

Estava deitado no chão a perseguir uma formiga com um pedacito de plástico, quando ouviu a mãe a chamar:
"Arnaldinho, o comer está pronto!
Adonde é que tu andas, catraio?"
O Arnaldinho, ciente de não correr nada bem essa coisa de se atrasar para o almoço, largou o que estava a fazer e correu até casa,
Da última vez, nem tinha sido por causa de uma formiga, nesse dia perseguia o avô Laurentino com uma colher de pau, o que tinha agravado a situação, mas mesmo assim era melhor não arriscar, para não ficar toda a tarde de castigo a apanhar pimentos.
"Já estivestes deitado debaixo dos mirtileiros, ou mirtilheiros, ou mirtilios ou lá o que é? Olha como ficastes. O que andavas a fazer?"
"Nada, minha mãe, estava a olhar para a #cruz_vermelha que a avó mandou plantar ali à porta de casa. É porquê, que a pôs lá?"
"Hahaha! És mesmo tontinho, às vezes, meu filho. Não foi a tua avó, foi o teu pai. Ora porquê, porque sim e não falamos mais nisso.
Não, espera, o menino deve saber, já é crescido o suficiente para não o estarmos a enganar. Ele mandou dois homens da aldeia colocá-la no quintal, porque a tua avó lhe fez o choradinho, e isso muda tudo."
O menino, engoliu em seco e abriu e fechou os olhinhos três vezes, por não ter percebido bem.
" Apanhaste umas folhas de Hammamélia Flatullensis Gipsiárdia como a mamã te pediu?
 À não? Distraído que é uma coisa...!  É só subires  este morro e depois desceres o outro, há ali um riacho, passasiu, por cima da ponte, e do outro lado há lá muitas. Vai lá."



domingo, 5 de maio de 2019

Saudade

Quando o avô Casimiro morreu, ninguém queria obedecer à sua última vontade.
Tinha demonstrado forte interesse em que fosse escrito na sua lápide "Hei-de  Atormentar-vos", mas, claro, ninguém queria assumir a responsabilidade de tal ato.
E tanto tempo demorarm a mandar inscrever na pedra aquela bizarra frase, que, um dia, quando um dos seus queridos sobrinhos netos, atormentado pela #saudade, lhe foi levar umas flores ao cemitério, e esperava ver um mármore liso e brilhante inclinado sobre a campa, espantou-se de lá ver escrito muito toscamente, "Então? Estão À Espera De Quê?"
Convenceu-se, evidentemente, que o seu estimado tio avô tentava comunicar com ele através da escrita na pedra, e resolveu responder-lhe usando um marcador fluorescente, que trazia sempre no bolso esquerdo.
"Está Quase" escreveu, e foi-se embora para avisar os outros da impaciência do defunto.
Já era noite cerrada quando se reuniram para deliberar quem comandava a expedição, e acabaram por partir sob as ordens do Jeremias que era o que desenhava melhor e tinha a voz mais grossa.
Chegados ao local, ele, e outros dois,  acocoraram-se junto ao chão e começaram a retirar o material para a escrita, mas eis que uma mão cadavérica eclode da terra e lhes rouba a mochila.
"Mau-Maria, já está a passar das marcas!", afirmou Drizela, enquanto escavava terra a toda a velocidade, tentando encontrá-lo. para o chamar à razão.
Julieta sorria discretamente. Ninguém conhecia tão bem o avôzinho dela como ela. "Traquinas que eu sei lá!", pensava enquanto afiava os dentes no velho castanheiro, que se contorcia de cócegas.
"Até depois de morto não pára de brincar!"
Foi quando Drizela foi puxada para debaixo da terra, e rapidamente engolida pelo chão.





















Quase #Ultra-sons

Espero ansiosamente pela noite para fazer este trajeto.
Rezo aos deuses para que a meteorologia ajude ao gosto dos outros ficarem em casa, e as ruas estejam desertas para eu sair.
Como habitualmente, passo, apressada, esperando escapar à próxima batelada de água,  não querendo perder muito tempo neste percurso desconfortável.
Preciso chegar rapidamente ao lado de lá.
Pela infinitésima vez contorno o pé da trepadeira que vive preso a um canteiro raso ao chão, desvio-me um pouco do sinal de trânsito e do banco de jardim aprisionado no passeio largo, e demasiado próximo das minhas pernas nuas, para evitar as nódoas negras, e também não quero pisar o charco que cobre todo o passeio estendendo-se até à outra margem da estrada e formando um lago.
O lago brilha moderadamente sob a claridade amarelada de um candeeiro.
Atravesso o recinto deserto e mal iluminado o mais depressa que posso.
Sombras anónimas espreitam por trás das cortinas das janelas dos andares mais baixos.
Os astros impenetráveis tomam conta do ambiente, espreitando pelos espaços livres, e daqui já se vêem fracamente as buganvílias que existem no caminho do fundo, mas, depois delas, esse caminho mergulha numa lúgubre escuridão.
Aquelas plantas cresceram livremente, após terem alcançado o topo da cerca, e agora debruçam-se sobre as escadas com os seus braços roxos e pesados pendendo sobre quem passa e tornando quase invisível o luar.
Ouço-lhes a agitação das folhas, que crepitam, movidas pela brisa forte que brevemente se transformará em rajadas de vento.
Passando os limites da cidade, ainda tenho que subir, devagar, até ao topo, onde me sentarei até nascer o dia, observando as montanhas cruas ameaçando a cidade, e só de lá saírei quando já houver tanta gente nas ruas que o chiar das minhas botas de borracha passará a inaudível.
O vale nascerá sobre o nevoeiro e só mais tarde se verão as pontas dos arranha-céus competindo em altura com a cordilheira.
Quando o amanhecer é luminoso, o que raramente acontece, melhor se observam as árvores  em frente às portas dos edifícios, ridículas por causa do seu ínfimo tamanho.
É quando os pássaros sobrevoavam a cidade, à procura de galhos para os ninhos.
Entram no labirinto, onde têm as suas casas montadas, nos últimos andares, junto às caleiras que lhes falam quando a água  resvala pelos tubos.
Todos os pássaros, menos a ave noturna  que grita. Aproveita a penumbra para encher de tal forma a atmosfera com o seu piar inconfundível, que nem entendo de onde provém o som, e por isso tudo grita assustadoramente, com aquelas notas agudas e agressivas a preencherem o vazio da sua solidão.



sexta-feira, 3 de maio de 2019


Pelas ruas não se vê vivalma.
A meteorologia não ajuda a que se permaneça agradavelmente  ao ar livre, embora há muito tenha parado de chover.
Passo, apressada, esperando a próxima batelada de água, até porque não há  tempo a perder , neste trajeto desconfortável.
Pela infinitésima vez tenho que contornar o pé da trepadeira que sai de um canteiro raso ao chão, desviar-me um pouco do banco de jardim, demasiado próximo das minhas pernas nuas. para evitar as nódoas negras, tudo para não pisar o charco que cobre todo o passeio, estendendo-se pelas ervas do caminho, e formando um lago.
cuja água brilha moderadamente sob a claridade amarelada do candeeiro.
Atravesso o recinto deserto e mal iluminado, o mais depressa que posso.
 sombras  anónimas espreitam por trás das cortinas. Vultos que mal se distinguem, movimentam-se devagar como se fossem irreiais.
Os astros impenetráveis tomam conta do ambiente, espreitando pela atmosfera densa, e a lua fosca ilumina fracamente  as buganvílias, que lá existem ao fundo.
Imediatamente a seguir, o caminho mergulha numa lúgubre escuridão.
As hastes das plantas, que crescem livres, após terem conseguido alcançar o topo da cerca, debruçam-se agora sobre as escadas por causa das múltiplas flores, roxas e pesadas, que pendem dos seus braços.
tornam  invisível o luar.
Ouço a  agitação das  suas folhas que crepitam como o fogo, movidas pela brisa forte,
Se não me apresso, essa brisa rapidamente ganha força e renasce em vento.
Subo, pé ante pé.
Só quero chegar ao outro lado, para ver os arranha céus erguendo-se e  competindo em altura com a hirta cordilheira de lá do fundo,
Também de lá, quero ver as  poucas árvores  ridículas em frente aos edifícios cinzentos, pela sua pequenez natural.
As montanhas cruas, ameaçam constantemente a cidade.
Para chegar a casa terei de atravessar ruas vazias, escadas sombrias, sussurros do vento, recantos iluminados por luzes frouxas e amareladas, até ao último desvio, o mais perigoso,
 onde teria que suportar os frémitos incompreensíveis e horrorosos, que nos trazem essas vozes bichanadas, que migram como pássaros de outras paragens, e se introduzem dentro das correntes, para cantar.
Passam de uma para outra cordilheira, sobrevoando a cidade escura.
Contornam as edificações monstruosas e labirínticas que aprenderam a aproveitar, fazendo os seu ninhos no cimento, agarrados no canto da  caleira da água que fala com elas ao passar pelo tubo, se por acaso chove bastante, e que elas rodeiam com o seu vôo controlado, quando vêm da caça..
De noite não estão presentes.
Dormem, aquecendo os filhos, fazem tudo isso ao mesmo tempo.
Procurei não fazer barulho com os meus passos medrosos, quando ouvi o seu grito.
A ave solitária aproveitava a penumbra para gritar, em gritos inconfundíveis que não provinham de lado nenhum.
Mas as minhas  solas de borracha não paravam de guinchar, ao serem comprimidas contra o cimento.
Quando ouvi passos atrás dos meus, acelerei a marcha.





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quarta-feira, 1 de maio de 2019

a continuar, a continuar, a continuar.

Apercebeu-se, com horror, de que as páginas que ficavam para trás, perdiam irrecuperavelmente o seu número.