quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Era uma vez um reino onde governava um simpático rei que tinha três filhas.
As três jovens eram muito diferentes umas das outras, também fisicamente, mas sobretudo no que dizia respeito ao caráter. 
Ninguém diria que tinha sido educadas pela mesma mãe, nem pelas mesmas aias.
A mais velha era muito má  e odiava pobrezinhos, a segunda, a do meio, era-lhes indiferente e evitava cruzar-se com eles para não  ter que se chatear, e a terceira, mais novinha, era muito bondosa  e até os procurava para poder dar largas a tanta generosidade, porque se o não fizesse era consumida pelos remorsos.
De forma que, quando viajavam pelo reino, fossem sózinhas ou acompanhadas, procediam de formas diferentes, sendo que, Anastácia, a mais velha, se os encontrava pelo caminho, fazia-lhes todo o tipo de sacanices, Herberta, a segunda, nunca viajava sem que os seus batedores seguissem primeiro para que à sua passagem já estivessem tapados com grandes mantas, ou mesmo velhos cortinados das grandes janelas do palácio e que tivessem sido substituídos por novos. Quando eram famílias numerosas ou mesmo grupos, havia coberturas ainda maiores para que nem um, se cruzasse à sua frente.
A mais nova, a cândida e bela Margarete, pelo contrário gostava de ir olhando em redor, enquanto a carruagam puxada por cavalos atravessava as aldeias e os lugarejos, na esperança  de encontrar pelo menos meia dúzia deles para distribuir moedas e sobras de comida.
As três irmãs, embora muito amigas, evitavam viajar juntas, uma vez que os seus gostos diferiam imenso, sobretudo no que respeitava à pobreza.
Ainda assim, Herberta e Margarete conseguiam fazê-lo não  interferindo muito com o bem estar uma da outra. Herberta mandava tapá-los antes de passarem, mas havia sempre uma criança irrequieta, ou um velho com mobilidade reduzida que ficavam descobertos, e então Margarete mandava o cocheiro parar a viatura e dava-lhes sempre qualquer coisinha. Se fossem crianças um rebuçado, ou outra guloseima qualquer, se fossem adultos um naco de pão, ou mesmo uma moeda.
Naquele dia iam as duas para um workshop com o tema "Príncipes e Princesas, que perspetivas?", quando passaram por uma enorme manta feita de retalhos pelos próprias mãos das pobrezinhas mais velhas, e resolveram parar um pouco por ali para descansar dos solavancos.
Herberta não ligou ao grande tecido volumoso que se encontrava ao seu lado, mas Margarete, atenta, percebeu que atrás do tronco de uma das árvores que se encontravam em cuja sombra se mantinham,  havia alguém escondido. 
"Deus queira que seja um pobre, mas com a sorte que eu tenho, ainda me calha uma raposa ou um esquilo." E com este pensamento foi-se aproximando, muito devagar e silenciosamente do lugar pretendido. 
_Apanhei-te!_ exclamou, ao agarrar numa menina com o monco a sair-lhe do nariz e de cabelo espesso e empastado. 
Margarete sorriu, embevecida. _Como te chamas, pobrezinha?_
A criança assustou-se e começou a chorar. Quanto mais chorava, mais ranhosa ficava, e a princesa de imediato sacou de um pacote de lenços de papel e deu-lhe. 
_Toma, minha querida. E dou-te um papo seco, também. É tudo para ti._ proferiu sensibilizada e de olhos húmidos.
_Vamo-nos, Margarete! Estamos a perder tempo!_Herberta, de costas para a irmã, impacientava-se.
_Vamos, mana. Vamos. Não olhes agora._ E, dito isto, subiu o degrau da carruagem, que partiu puxada pelos cavalos a galope.

domingo, 15 de janeiro de 2023

Sempre à procura das palavras adequadas e elas, irremediavelmente perdidas, as coisas a crescerem imóveis, e eu a escrever numa página que ninguém  encontrará.
Só existe o murmúrio das árvores, 

"O fogo tendia a alastrar, agitava os seus braços traiçoeiros em redor.
Alguém estaria, indevidamente, por ali, ouvi ruído vindo da sala ao lado.
Uma figura excêntrica estava parada na porta que liga as duas divisões e olhava para mim.
O seu cabelo, em filigrana de prata grisalha, apontava as pontas, como setas, num estranho sentido ascendente, vestia roupa em desuso, grandes rosas vermelhas destacavam-se estupidamente do estampado da camisa, e uma saia, de um plissado com cor indefinível, tal como o verde do inverno é difícil de descrever, descia-lhe até aos tornozelos.
Pequenos focos de chamas teimavam em surgir, junto à lareira, mas fora dela, e eu tentei apagá-los, meticulosamente. Um aqui, outro ali, enquanto alguns troncos resvalavam, incandescentes, para o chão."

Enquanto olho pela janela do autocarro, e vejo pessoas que passeiam e outras que apenas passam, são estes os cavaleiros da triste figura que nem conhecem os refúgios da cidade silenciosa das manhãs domingueiras, quando convivem, sem medo do chão, pombas e gaivotas, invento histórias.
E quantas #Zicas vão morrendo e renascendo ao longo da vida de Zica, de Susana, de Viriato, de Raquel, de João e de Madalena?