terça-feira, 28 de julho de 2020

Um #Damasco Diferente

Ontem,
queria escrever um poema,
mas estava muito cansada,
não consegui.

Assisti à impossibilidade
de o ver
escorregar da minha
garganta até ao papel,
esse papel
que eu espreitava,
pelo canto do olho,
tomando a forma
da areia
que ampara as quedas
da criança que  desliza
no escorrega
do parque infantil.

Com grande experiência
de situações análogas,
já sabia, de antemão,
o que iria acontecer.
O pensamento desintegrar-se-ia
desligado de si mesmo,
não conseguiria tomar forma,
jamais.

Ficariam as suas palavras,
soltas,
circulando por mim,
aleatoriamente,
sem direção ou sentido,
como uma doença
intoxicante,
que, com o tempo,
acaba por desaparecer,
sem que ninguém
se aperceba.

Se não nasceu,
em boa verdade,
não existe,
logo, não provoca
nem alegria, nem dor,
nem gargalhadas,
nem raiva,
nem cores.

Só a mim me incomoda,
esta irrealidade
imposta pelo relógio
digital do fogão
indicando
um tempo que já passou.

Era ontem  que
ele voava na
minha cabeça,
único e
insubstituivel.

Ficou-me a pouca convicção
das flores,
do poder encantatório
do mar,
da capacidade purificante
da chuva
nas copas
das árvores,
da singularidade das coisas
esperando.


Mas basta uma noite de sono...




sábado, 25 de julho de 2020

Isaltina

Minha doce Isaltina

Acabei de reler umas cartas que te escrevi, encontrei-as por acaso, no bolso do avental, quando procurava outras coisas que me faltavam, nomeadamente a dentadura que comprei para o piriquito, havias de ver, é muito agradável olhar para ele e vê-lo a sorrir com aqueles dentinhos falsos  que os chineses tão bem se lembraram de inventar, e também umas azeitonas que me escaparam das mãos quando ontem fiz aquele bacalhau de forno, sim, esse que tu te lembes toda para comer, mas enfim, o que encontrei foram os rascunhos das cartas que te enviei o ano passado, por esta altura das férias.
O que sei é que fiquei doida para te escrever novamente, a contar-te as novidades todas do que se passa por aqui.
As praias são do mais bonito que há., a da #Açoteia, então, que só tem um bocadinho de água, pouco, essa adoro mesmo.
Estão muito bem apetrechadas, têm uma assistência cinco estrelas, vê lá que outro dia o Gonçalinho deu-me um grande pontapé. Ele não teve culpa. Havia muita gente e combinamos cruzar as toalhas e eles porem os pés para a minha cabeça. Assim, e como há muita gente,  poupávamos um pouco de espaço na areia. Sempre o fizemos desde que vimos para estas belas paragens todos juntos, mas agora cresceram, não têm mais aqueles pézinhos de criança, vê só, o Gonçalo já calça o quarenta e três e a Constança para lá caminha, de forma que às vezes é perigoso.
Até agora não tinha acontecido nada, só umas nódoas negras, que aliás, devo dizer, eles pedem sempre desculpa à avó, e desta vez até foram comigo ao centro de saúde, bem, o Gonçalo não tinha outro remédio, o dedo grande dele prendeu-se-me no nariz e foi o cabo dos trabalhos, até para os médicos conseguirem separar-nos.
Mas não te aborreço mais com estas ninharias. O acidente não teve praticamente  sequelas, o doutor apenas disse: "Vai lá, vai! A senhora vai ficar com uma narina de tamanho astronómico!", usam cada palavra, olha, pensei que fosse uma coisa boa, que tivesse a ver com o alinhamento das estrelas, ou ou algo semelhante ao que tu aprendes lá com o barbudo, nunca imaginei que o Duarte, o pequenito dos que alugaram o sexto B esta quinzena, me estivesse agora constantemente a pedir para enfiar pás de areia por aqui abaixo. Olha, a areia seca ainda se tolera, mas, a que está molhada, incomoda um bocadinho o sal a passar na garganta, mas pronto.
Ai o que já vai para aqui de escrita. Isto são saudades tuas,. Tuas e do Marcelo. Esse teu marido, nunca vi um velhote tão irrequieto. E culto! E que bem que ele vê televisão e come ao mesmo tempo, sem nunca largar os dois  comandos! E quando ele pega nas laranjas ou noutra fruta qualquer, às vezes até melões,  e faz pontaria às moscas? Tão certeiro! Um artista e dos bons!

Cumprimentos para os dois e até breve, da vossa....



quarta-feira, 22 de julho de 2020

Havia

Havia sim,
um vento
misterioso
no parque
quase vazio.
Quando
voava
supersonicamente,
rodeava
a criança
sentada no banco
de madeira
e enroscada
debaixo
de um casaco
vermelho
que a protegia
do frio.

O Pântano (finalizado)

  Esta madrugada, no lento amanhecer da insónia, recordei, mais uma vez, os primeiros e felizes tempos em que vivi neste maldito lugarejo.
  A agência tinha-me mostrado uma vivenda térrea, nem muito pequena, nem muito grande, e com um jardim, também de tamanho ideal para que pudesse cuidá-lo sem perder todo o meu precioso tempo com a sua manutenção.
  Em suma, reunia as condições necessárias, para além de que se me revelava com pormenores encantadores que pacificavam o espaço, dou como exemplos algumas árvores de fruto, fortes e saudáveis, buganvílias já em idade adulta, a suficiente para se encherem de flores na altura certa, e que imaginava pendendo das paredes exteriores do meu futuro refúgio, e, finalmente, o último toque de graciosidade que compunha o conjunto, o portão escuro que quase me fazia lembrar o requinte de uma esmeralda pendurada no pescoço elegante de uma jovem mulher.
  A belíssima zona arborizada escondia,  enchendo-as de privacidade, as doze casas que consegui vislumbrar nas primeiras visitas que aqui fiz, servindo para impedir os olhares indiscretos, por um lado, e por outro formando quase uma pequena ilha verdejante em que os seus habitantes poderiam, se quisessem, perder-se do resto do mundo, dois belos pormenores que não me deixaram indiferente.
  Com tudo isto, acabei por fechar o negócio e, portanto, numa luminosa manhã de julho, mudei-me, carregando comigo os meus imensos tarecos e tratando, quando me instalei, de estabelecer proridades para a arrumação daquilo tudo. optando por cuidar, em primeiro lugar, de me ocupar do jardim e depois da arrumação da minha coleção de livros pela casa, para que, calorosamente,  ocupassem alguns espaços vitais.
Essa tranquilidade durou apenas uns meses e voando as estações do ano  supersonicamente, atropelando-se umas às outras, como é habitual, quando dei por mim, já não havia verde misterioso no parque, ou no meu jardim. apenas as cores sépia se manifestavam, como se o outono se tivesse instalado repentinamente.
Mas como dizia, a tranquilidade durou pouco, e eu, que jamais durante toda a minha vida, deixei de dormir umas boas horas de sono, vejo-me agora, noite após noite, sentada numa cadeira num canto, bem acordada, atenta ao que eventualmente possa acontecer lá fora, no exterior. destas paredes.
Nos meus primeiro passeios pedestres pelas redondezas, verifiquei que pouca gente se mantinha na rua e aqueles que circulavam eram de poucas palavras, rudes, talvez, nem se dignavam a responder ao cumprimento que lhes fazia amavelmente, desejando-lhes bom dia, ou boa tarde, já que a partir do ocaso não encontrei nunca alma viva.
Hesitei antes de me decidir a penetrar o círculo espesso de pinheiros mansos e velhos que pareciam circundar aquela zona. Já estava a ficar tarde e eu não sou grande amiga da noite, o escuro incomoda-me e, mesmo quando a lua cheia me fornece alguma luz e os meus olhos conseguem perceber algumas cores, mesmo assim, tudo me parece falso e lúgubre.
Mas o medo nunca me impediu de intersetar a escuridão, ao contrário, provoca em mim, bastas vezes, a força catalizadora necessária para tentar entender outros universos, ou, eventualmente, resolver alguns assuntos pendentes com as sombras, por isso resolvi atravessar aquela cintura de árvores soturnas e antigas.
A bem dizer, não consigo ter qualquer lembrança de quando o dia se transformou em noite, um fenómeno que percebemos intuitivamente quando nos encontramos ao ar livre, talvez o sol tenha desaparecido progressivamente enquanto passei pelo pequeno bosque, cujas árvores tapavam quase por completo o céu, o que é certo é que, quando alcancei o outro lado, nem vestígios de luz havia no terreno pantanoso que ondulava à minha frente, na direção dos meus pés.
Talvez não ondulasse, antes se espalhasse, viscoso, e que me fez petrificar, esperando que me alcançasse sem conseguir ter a mínima reação.
No momento em que nos tocámos, eu e o gigante aquático que se escondia na turvação, puxando-me para um fundo desconhecido e aterrorizador, agarrando-me pelos tornozelos com as suas mãos de gigante dos pântanos, acabei por me desiquilibrar e cair.
Submergi, até quase perder os sentidos.
Durante um período de tempo que me pareceu uma eternidade, imagens do jardim destruído, o meu jardim de flores, passavam-me pela cabeça, via os frutos putrefactos caídos no chão, as trepadeiras de braços descarnados e fracos subindo pelas paredes, sem vitalidade, como se atacadas por uma doença mortal, ao mesmo tempo que uma sensação de culpa me causava uma enorme angústia, a culpa de querer ir para além das minhas fronteiras floridas, uma curiosidade que nunca se deve ter.
Algo me fez voltar à realidade, talvez o instinto de sobrevivência que nos é caraterístico, o que é facto é que consegui, com uma força inesperada, libertar-me daquele horror e fugir.
Arrastei-me como se pesasse toneladas, para fora daquele pesadelo.
Não sei que sementes possa ter trazido agarradas à roupa enlameada, ou se, quando da minha fuga, algo se movia atrás de mim aproveitando o ritmo dos meus movimentos, apenas sei que, desde esse dia que me sento no primeiro degrau dos quatro da pequena escada, debaixo do alpendre, observando, conformada, o jardim entristecendo com esta maldita praga que se enrola, alietoriamente, por todas as superfícies, invasora e negra, cravando as suas raízes por todo o lado.
Ouço os ruídos dos materiais que cedem, as madeiras estalam, as paredes racham à sua passagem, ecoando em barulhos insuportáveis.
O belo portão está já completamente coberto, e hoje, hoje nem tive coragem para sair de casa, porque até os degraus onde me tenho sentado vão sendo comidos por longas hastes, filamentosas e ameaçadoras.
Avançam, vagarosamente, preenchendo tudo, e eu já não vou mais sair daqui.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

O Pântano, Parte Um (ou, um #regimento de ideas a prosseguir)

Esta madrugada, no lento amanhecer da insónia, recordei, mais uma vez, os primeiros e felizes tempos em que vivi neste maldito lugarejo.
A agência tinha-me mostrado uma vivenda térrea com um ar muito simpático, nem muito pequena, nem muito grande, e com um jardim, também de tamanho ideal, para que pudesse cuidá-lo sem perder todo o meu precioso tempo  com a sua manutenção.
Em suma, reunia as condições necessárias, para além de que se me revelava de pormenores encantadores que pacificavam o espaço, dou como exemplos uma ou outra árvore de fruto, fortes e saudáveis, buganvílias já em idade adulta, o suficiente para se encherem de flores na altura certa,  e que  imaginava pendendo das paredes exteriores do meu futuro refúgio, e, finalmente, o portão escuro que compunha o conjunto, quase me lembrando o toque de uma joía verde  pendurada no pescoço elegante de uma jovem.
A belíssima zona arborizada, escondia, enchendo-as de privacidade, as dez ou doze casas que consegui vislumbrar nas primeiras visitas que aí fiz, impedindo os olhares indiscretos, por um lado, e por outro formando quase uma pequena ilha verdejante em que os seus habitantes podem, se quiserem,  perder-se do resto do mundo, permissas às quais não podia, de forma alguma, manter-me indiferente.
Com tudo isto, acabei por fechar o negócio e, portanto, numa bela manhã de julho, mudei-me, carregando comigo os meus imensos tarecos e tratando, quando me instalei, de estabelecer prioridades para a arrumação daquilo tudo, optando por cuidar, em primeiro lugar, do jardim, enquanto simultaneamente fui montando estantes pelo interior da casa para espalhar a minha coleção de livros que tão calorosamente prenchem certos espaços em branco.
A tranquilidade durou pouco, e eu, que jamais, durante toda a minha vida deixei de dormir umas boas horas de sono, vejo-me, noite após noite, sentada nalguma cadeira de canto, bem acordada, e de portas bem trancadas, atenta ao que eventualmente possa acontecer no exterior.
Nos meus primeiros passeios pedestres pelas redondezas, verifiquei que pouca gente se mantinha na rua, e aqueles que circulavam era de poucas palavras, rudes talvez, nem se dignavam a responder ao cumprimento que lhes fazia amavelmente, desejando-lhes ou bom dia, ou boa tarde, já que a partir do ocaso não encontrei nunca alma viva.
Hesitei antes de me decidir a atravessar o círculo espesso de pinheiros mansos e velhos que pareciam circundar aquela zona. Já estava a ficar tarde e eu não sou grande amiga da noite, O escuro incomoda-me e, mesmo quando a lua cheia interceta alguma luz e os meus olhos conseguem perceber algumas cores, mesmo assim, tudo me parece falso e lúgubre.
Mas o medo nunca impediu que intersetasse a escuridão, ao contrário, provoca em mim, bastas vezes, a força catalizadora necessária para tentar entender outros universos,ou, eventualmente, resolver alguns assuntos pendentes com as sombras, por isso resolvi atravessar aquela cintura de árvores soturnas e antigas.
A bem dizer, não consigo ter qualquer lembrança de quando o dia se transformou em noite, um pormenor que pecebemos intuitivamente quando nos encontramos ao ar livre, talvez o sol tenha desaparecido progressivamente enquanto atravessei o pequeno bosque, cujas árvores tapavam quase por completo o céu, o que é certo é que, quando alcancei o outro lado, só vestígios de luz se percebiam no terreno que se revelou à minha frente de pequenas ondas ondulando na direção dos meus pés. Nem era, talvez um movimento ondulante, talvez um espalhar viscoso, que quase me atingia e que me deixou petrificada, esperando que me alcançasse sem conseguir ter reação. No momento em que nos tocámos, eu e aquele gigante aquático que me impulsionava para o seu fundo desconhecido, imediatamente me agarrou pelos tornozelos e me fez cair, com as suas mãos de gigante dos pântanos, e eu submergi até quase perder os sentidos,
Imagens do jardim destruído, o meu jardim de flores, que tinha por causa de uma curiosidade que não se deve ter, ir para além das nossas fronteiras floridas, passavam-me pela cabeça, flaches de flores mortas, frutos putrefactos caídos no chão, trepadeiras subindo os seus fracos braços descarnados pelas paredes sem força nenhuma, como se atacados de uma doença mortal.
Algo me fez voltar à realidade, talvez o instinto de sobrevivência que nos é característico, a verdade é que não cheguei a desmaiar, antes acordei ao invés de adormecer e usei todas as forças que tinha para me libertar. mas consegui, e arrastei-me, como se pesasse toneladas, para fora daquele pesadelo.
Desde esse dia que me sento  no degrau mais alto dos quatro degraus da pequena escada, debaixo do alpendre, olhando, conformada o jardim entristecendo com o que se enrola, alietoriamente ,por aí, invasor e ofuscante, que crava as raízes em qualquer superfície por onde passe. Ouvem-se os ruídos  do material a ceder, as madeiras estalam, as paredes racham à sua passagem, ouve-se tudo, num barulho que ecoa  insuportável. e o portão nem se vislumbra, de tal forma está enrodilhado folhas prateadas, mas hoje não. Não tive coragem para sair de casa, não me atrevi, nem para os degraus ao pé da porta, que já vão sendo invadidos por pequenas hastes encaracoladas e subtis.
Avançam vagarosamente, preenchendo todas as superfícies, e eu, já nem vou sair daqui.



quarta-feira, 15 de julho de 2020

O Pântano

Esta madrugada, no lento amanhecer da insónia, recordei, mais uma vez, os primeiros e felizes tempos em que vivi neste maldito lugarejo..
A agência tinha-me mostrado uma  vivenda térrea com um ar muito simpático, nem muito pequena, nem muito grande, com um jardim de tamanho ideal, para poder cuidá-lo sem, perder muito tempo com a sua manutenção. com uma ou  outra árvore de fruto, buganvílias já em idade adulta o suficiente para encherem de flores  o cenário que imaginava nas minhas conjeturas  sobre a casa que habitaria nos próximos anos.
O portão verde escuro compunha o jardim como se fosse uma joía pendurada num pescoço elegante.
Em suma, reunia as condições necessárias, para além de que se me revelava de pormenores encantadores, pacificando o espaço que haveria de ser o meu refúgio.
O preço que me pediam por ela também era tentador, tinha, portanto, demasiadas vantagens para que deixasse passar a oportunidade.
E assim aconteceu. Agarrei nos meus tarecos, mais que muitos, e mudei-me para lá tratando, quando cheguei, em primeiro lugar, de cuidar do jardim e espalhar pela casa a minha coleção de livros  por, de forma natural e inconsciente,  serem essas as minhas prioridades.
A zona em que se incrustava era belíssima. Muito arborizada, conseguia manter enorme privacidade, impedindo os olhares indiscretos, por um lado, e por outro, formando quase um bosque urbano em que as casas e os seus habitantes se perdem do resto do mundo, permissas às quais  não deixei de prestar a maior atenção.
Havia, virado a norte, por detrás de uns pinheiros acinzentados e escuros,  um pântano cinzento, não muito grande, o sol desaparecera instantaneamente, no momento em que os ultrapassei. Não estava ninguém naquele lugar em particular, mas nem isso me alertou, já que naquela aldeia via-se pouca gente. poucos  carros circulavam e, os que o faziam, contornavam os altos pinheiros mansos circundantes, as pessoas evitavam-no e também evitavam falar dele.
Foi por mero acaso que me deparei com a verdade. Escondia atrás do
No início, convenci-me que se tratava apenas duma questão estética, era um lugar tão inconcebivelmente feio, onde o sol não entrava, tive ocasião de o comprovar nas escassas vezes que lá fui em passeio pedonal, movida pela curiosidade, até ao dia em que percebi o caráter perigoso dessa minha curiosidade,
Em boa verdade, não sou grande amiga da noite. O escuro incomoda-me, e, mesmo quando a lua cheia julga intercetar  alguma cor para os meus olhos, mesmo assim, tudo me parece falso e lúgubre.
Todavia, não é o medo que me impede os passos pela escuridão, ao contrário, serve até, bastas vezes, de catalizador para outras realidades que por aí andam,  e por isso resolvi fazer uma visita noturna à quela mancha de líquido viscoso, tentando, na minha ingenuidade, perscrutar o que de tão bizarro havia com o local mencionado. nada fazia crer que de água se tratasse, tamanha era a opacidade  da sua superfície completamente imóvel e insondável que se espalhava misteriosamente formando uma língua pelo espaço entre o arvoredo.

domingo, 12 de julho de 2020

Isolindo Nativo não gostava nada de viver naquela aldeia.
ao princípio, quando lá chegara com apenas quatro anos, pela mão da mãe, tudo lhe parecera tranquilo e bonito, mas depressa se apercebeu que algo tremendamente errado se passava pelas ruas desertas a horas mortas, como as da madrugada, em lento amanhecer.

Esta madrugada no  lento amanhecer da insónia,


Se todos nós déssemos, pelo menos uma vez por ano, um donativo para o nativo, tipo dez euros de bondade generosa.




Uma ocasião, ia eu muito calmamente a passear pela Avenida, quando vejo um homem vestido com peles de jacaré, grandes colares ao pescoço, de dentes humanos cariados e daquilo que me pareceu serem olhos de carapau pintados de cores vivas,  e penas coloridas saíndo do seu belo cabelo negro e liso.
Desconfiei logo. Como a curiosidade mata, ou se não mata pelo menos enerva bastante, resolvi tirar todas as minhas dúvidas para poder ir para casa descansada e dirigi-me a ele.
_ O senhor é um #nativo?_ perguntei curiosa.
_Sou_ respondeu-me. _E dos bons!_ declarou com evidente orgulho.
_ Ah! Bem me parecia. Peço desculpa pelo atrevimento. Ugg! É assim, não é, que se cumprimentam?_disse eu um pouco a medo de ter confundido com algum outro idioma.
_Ugg!_respondeu-me com um sorriso de orelha a orelha. _ Apuu guh, qatupiribi_ acrescentou.
Devo dizer que daquela frase já não percebi grande coisa, mas não quis dar parte de fraca e abanei um pouco a cabeça, em sinal de assentimento, como faço quando alguém está a falar comigo e eu já não estou a ouvir à séculos.
_Também para si._ respondi, em modo de despedida.
Foi, de facto, uma feliz coincidência ter passado por ali àquela hora, dado que é raro encontrarem-se e, mais raro ainda, conseguir falar com um.





















sábado, 11 de julho de 2020

#Leques De Luz

Antes, a minha vida era assim,
alegre e muda
mas depois veio o poeta
dos olhos azuis transparentes
e deu conta de nós,
de tanto olhar com
muita atenção distraída,
a nossa existência  sem fim. E,
falando através do grito das gaivotas,
alertou-nos para o seguinte:


"Onde houver uma qualquer
réstea de beleza,
pode ser uma pomba num galho,
podem ser dois velhos num beco,
ou um banco no topo de uma falésia,
ou a imensidão
amorosa numa peça de fruta.

Ou o sol...
o sol que brilha no horizonte, o sol ofuscante
transformado em manto brilhante sobre o mar.

Maravilhados com o mar, fascinados por ele.
vão ficar ali sentados, achando-se imortais,
aguardando misturarem-se na espuma
branca e inesquecível das ondas,
chegando à areia fina.

Não se deixem enganar
pelos efabulados fins de dia
onde passarão a ser apenas vagamente luz
alietória e reta
solta na atmosfera a essa  hora específica.
e tão real como outra coisa qualquer,
que se desloque à beira mar.
até, justamente, ao justo cair da noite."

Era o poeta dos olhos azuis e ineficazes,
dos olhos honestamente azuis,
fixos no encanto das praias,
que nos vinha avisar.




















quinta-feira, 2 de julho de 2020

Estrume

A lua, naquela noite,
nem foi vista, de tal forma
se escondia atrás do nevoeiro
e das nuvens cúbicas.
Tornara-se invisível.
No entanto, e todavia,
lá permanecia infinitamente.

Rodopiou, então, pela ponte vazia,
e todas as flores sépia,
da saia do seu vestido,
entraram numa roda viva,
até serem projetadas no espaço
e seduzidas pela beleza
das estrelas inalcançáveis.


quarta-feira, 1 de julho de 2020

Encantado pelas folhas em branco, o poeta prosseguia no seu mundo.
Amanhã, lá pela manhã, ou pela tarde, iria mudar de letra.


Tinha olhos tão transparentes, que passavam pela água, tal como se dela fossem constituídos, até atingirem os seixos soltos que se arredondavam nesse movimento antigo e fundo.
A matéria dançava à sua frente, tão lenta como o movimento ondulatório da mãe.
Não é culpa minha! gritava do fundo do mar sufocado, da placenta salgada, se a minha vida era assim, alegre e muda, mas depois veio a bonança e

Amanhã, lá pela manhã, ou pela tarde,
vou mudar de letra.

Abriu os olhos
e arremessou-os contra a água,
até ao fundo do leito
de um dos braços do rio douro.


os seixos arredondavam,
aos movimentos ondulatórios da água.
Conversavam.
A minha vida era assim, alegre e muda,
mas depois veio o poeta dos olhos transparentes e deu conta de nós,
de tanto olhar com muita atenção distraída,
da nossa existência.




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