sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Brincadeiras 2 (Felícia)

Percorreu a casa
descalça
dançando valsas
delirando,
no peito
um magnífico aperto,
um olhar irresistível,
para trás.
E, sem esperar,
assim do nada,
nasceu uma bonita história,
complexa,
inexistente,
dançando valsas
delirando
percorreu a casa
descalça,
compôs as mamas
no soutien!

Rodando o vestido
esvoaçante
os olhos acreditando piamente
na abstração da palavra,
ávida,
bebeu um café!
Como um bebé
que dorme
perfeito
sentiu o sentido da vida
percebeu o propósito
de dançar valsas
alucinadas
descalça
pela casa
explorando territórios
como um "felinácio"
ou "felídeo"
ou lá o que fôr
que se chama!

Pois a Felícia
rodando pela casa
carícias
da cortina
que esvoaça
e a brisa...!
Sensual, a brisa,
entrando no vestido
no preciso momento
de lembrar
o olhar quente
que cruzou
a olhar para trás!
E dançando valsas
delirantes
pela casa toda
descalça,
bateu com um pé no sofá
e teve aquela dor
intensa
que é um acorda para a vida
uns minutos
de não existe mais nada
a dor imensa
que com o tempo
num instante passa
mais ou menos
devagar!

Como nota de rodapé, vou-vos contar: Só porque bateu com o pé, a Felícia gritou: "Fod...-se!", e foi-se deitar!

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Brincadeiras (Viagens)

Até posso nem escrever bem, mas gosto de o fazer. Seja lá o que fôr isso.
E gosto de escrever o que tenho em ideia, o que vejo a menos de um palmo do meu singelo nariz..
Nem mais além do verniz das minhas unhas dos pés.
E quando viajo, vou aqui a dois metros, à casa de banho! Mas que querem?...
Gosto sinceramente da escrita
bonita ou feia
curta ou comprida
musical até,
se fui eu que a escrevi!
Até porque o meu wc tem muita luz natural, o que o torna "agradável e relaxante", penso eu enquanto escrevo que hei-de ir à cozinha!
Todos os dias uma pequena viagem entre Lisboa e Sintra. A toda a hora meia hora de bons livros. Se calhar por isso é que gosto tanto de o fazer, escrever aqui mal ou bem..., me quer a trocar as palavras.
É só uma brincadeira, senhores intelectuais!
Duma pobre parteira,
fodida à maneira,
pelos canibais!
Uma brincadeira, um passatempo, um papelzinho preenchido. Umas viagens à casa de banho, onde se vê um cigano pendurado num andaime! Não vê nada! Só estou a brincar com as palavras,
silenciosas,
das pulseiras que tilintam
nos braços que dançam
das sensuais bailarinas.
E gosto de escrever, para dizer quase o que me apetecer sem fronteiras, fluindo fluído o pensamento em melodia.
Imploro para que sejais compreensivos, senhores intelectuais.
É só uma brincadeira,
duma pobre parteira
fodida à maneira
pelos canibais
e outros que tais
numa qualquer inesquecível viagem a Paris!
Todos encostados
a murais pintados
os ladrões de ideias!
Os cabrões!
Escrevo que vou à varanda regar as flores. E tirar o cimento das obras. O cimento!!
Virulento é que não é, penso eu!
Caíu, solidificou,
e morreu fazendo rimas.
E agora tenho que o arrancar à força.
Para a semana vou à Rússia roer rolhas de garrafas já roídas pelas ratas do rei Rodrigo que arrota ruibarbos como nínguém!
Grande viagem!
Brincadeiras!

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Acomodado

...e subiria
palavra por palavra
se não estivesse tão cansado
tão breve como o próprio tempo
aparição de fada
trabalho e mais trabalho
vento
momento a momento

e tentaria
sempre e sempre
se o deixassem
manter de pé
apoiado ao ordenado
barulhento!
...à exaustão
Palavra por palavra
como o fado, cabrão
na televisão
num vestido
de juros a um por cento!

Então teria outra vida
que ascendia
fria ou vazia
palavra por palavra
no ondular
do mar imenso!

E não se deixaria estar....
acomodado
entre três ou quatro almofadas!

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Reunião de condomínio

Um,
que rodava,
em movimentos circulares,
claro!
Em torno dos seus pés.

O outro,
um discurso brilhante,
as palavras bem empregues,
pensadas,
um dos melhores que conheci.

A outra,
ouvia com atenção,
parava,
olhos fixos,
apenas,
a um metro do seu chão.

E mais ou menos,
a um metro e meio,
dois degraus acima,
a velhinha dos segredos,
bichanava,
seca e pequenina.

E a Doutora explicava,
sabedora,
mas gaga de latim.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Os Peculiares. Epi. 8. Hélder Messuja

Nos muitos e acalorados encontros que os Peculiares foram tendo ao longo dos anos, já que não houve divórcios, distâncias geográficas ou quaisquer outras intempéries que os conseguissem separar, apareciam, às vezes, outros personagens trazidos por alguém, normalmente movidos por afinidades antroponímicas, ou simplesmente por serem também, uns gajos muit'a porreiros. Foi nesse contexto que Hélder Messuja se sentou um dia à mesa de mais um amigável almoço. Tinha vindo trazido por Lurdes e Gertrudes Vairada, que o conheceram num concerto dos "Assim não dá Varatojo". Elba Calhau ficou encantada com ele, logo que lhe foi apresentado.
 _ Welcome!_ e ao cumprimentá-lo, estendeu-lhe um sorriso gigantesco.
Hélder também não ficou indiferente áquele sorriso franco, completado pelo não menos franco decote.
 _Vamux já brindar, Hélder! Ao grupo, aos "Pecux",à nossa eterna amizade. Fuck, extou comovida!_
No decorrer do almoço Elba reparou numas pequenas marcas incrustadas na pele de Hélder.
 _Mas tu já foxte ao hospital?_
_Isto não é nada ó Elba!_
_Vamux!_ e Hélder Messuja seguiu-a para o carro, cada vez mais interessado naquela beleza suburbana, de pequenos olhos, sagazes e fundos, enriquecidos pela maquilhagem.
_Tenho isto desde miúdo.Tive bexigas doidas quando era pequeno._
_Não! Tens mesmo que ver o que é!_ e foram conversando animadamente pelo caminho. Elba levou o carro do amigo porque tinha uma enorme destreza a conduzir.
Ao chegarem às urgências fizeram a inscrição, e de imediato foram chamados à triagem.
_Posso entrar?_ perguntou Elba Calhau com mais um sorriso magnífico, e abrindo um pouco a cortina.
_ Não, querida. Não pode!_ disse o enfermeiro com um trejeito que revelava imunidade às insinuações femininas. Elba ficou do lado de fora a bater o pé.
_Parece ser uma coisa antiga. Há quanto tempo tem isso?_
_Vai para vinte anos_
_Fez bem em vir à urgência. É para isso que estamos cá!_e pôs-lhe uma pulseira branca, porque não tinha nenhuma transparente.
_Então?_Elba questionou-o sobre o que dissera o profissional.
_Nada, só me pôs esta pulseira!_
_Max isso são Ux menux urgentex!_Elba estava indignada. Era bem conhecedora do servço público. _Exte paíx! Filhux da mãe! E sentaram-se numa sala a abarrotar de gente. A televisão sem som provocava um vago interesse nas pessoas. _A senhora é que cor?_ perguntou á parceira do lado. _Sou amarela, tenho um piercing infetado! E levantou a camisola, mas Elba virou a cara a tempo.
_Já viste, Hélder?_Helder Messuja dormitava na cadeira_Estamux aqui há duax horas e meia e ninguém fax nada! E nóx é que pagamux os ordenadux a exta gente toda_ Tu não 'tás desempregada? _Elba explicou_'Tô a tirar um curso subsidiado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional sobre gextão de emoçõex. Já fix O primeiro módulo, "Como gerir ódiux profundux",e agora 'Tô a fazer o segundo, " pequenax raivax inconsequentex". 'Tô a adorar, super útil!
Da sala de espera via-se um corredor por onde passavam macas com doentes, empurradas por bombeiros e outros profissionais. Uma delas levava um velho que insistia em gritar pela Deolinda.
_É pá, eu vou lá falar com o médico. Já não aguento maix 'tar à expera!_ Elba Calhau bateu à porta do consultório._Desculpe, Doctor, conhece Fernando Pessoa?_e agraciou-o com sorriso número três. O médico,de largas patilhas e ténis cor de rosa, pensou que devia ser a doente que a Psiquiatria ia enviar para uma reavaliação pela Medicina.
_Boa tarde, como se chama? Sente-se!_
_Sou Elba Calhau_e Elba sentou-se de forma elegante.
_Não tenho aqui o seu nome!_
_Alô?! Doctor?! Eu não sou doente!!_e fez um trejeito sensual, o que não surtiu qualquer efeito por jogar o médico na mesma equipa do enfermeiro da triagem.
_Mande lá entrar o seu amigo!_pelo erro cometido, o médico cedeu, contrafeito.
_Senhor doutor, realmente já tenho o corpo assim há muito tempo, mas tem vindo a piorar_
_Hmm! Estou a ver...! Pequenas crateras atulhadas de lixo...!_o médico falou entredentes.
_Como?_
_Isso passa, senhor Hélder Messuja. Vai fazer assim: Esfrega-se bem com sabão azul e branco, e estica-se duas horas ao sol, na varanda. Logo a seguir toma um banho.
_Max, Doctor,nem umax análisex, nem um ECG? Nada?_Elba interveio_Não é necessário, minha senhora! Eu é que sou o médico, eu é que sei!
Saíram da consulta _O médico foi super arrogante! Bem exquisitux, extex gajux do hoxpital!_Elba acendeu um cigarro, emprestou o isqueiro ao amigo, e continuou_ A saúde em Portugal extá uma miséria. O homem nem um medicamento te passou! Anda! Ainda temux que passar na drogaria a comprar o sabão.E Elba fez uma festa terna e solidária na cara rugosa do amigo.
Hélder Messuja sentou-se ao volante do seu carro cheio de cinza, e Iniciaram a viagem de regresso.
_o que é que pensas sobre o AO, my friend?
_Olha, nem sei se sou fervorosamente a favor, ou belicamente contra, mas eu sou um Gémeos, sabes como é!_
_Éx Gemeox? Muito cool! I love Gémeox!_E Elba fez um sorriso maroto_ Filhux da mãe! Lixam o SNS, lixam a língua de Camõex, lixam tudo extex malandrux!_
De repente Elba lembrou-se _Pedixte a juxtificação para o emprego?_
_Hi...! Caralho, esqueci-me!