domingo, 27 de fevereiro de 2022

Ucrânias

As mães amam os seus filhos
muito antes de eles nascerem.

Como o tempo passa num 
breve instante para as mães, 
a inocência dos seus filhos perdura 
nos seus corpos sempre jovens.

Ainda ontem 
os observavam brincando no jardim, 
os viam com a #canalha nas ruas, 
ou entrando em casa
com uma bola suada nas mãos,
símbolo de paz em qualquer país.

Os loucos fazem as guerras.

Quando os loucos fazem as guerras, 
as mães veem partir para o inferno
a parte mais preciosa de si.

Quando são mães que rezam, 
rezam muito por eles, 
e quando são mães que não rezam, 
fazem-no igualmente e com igual fervor.

As mães permanecem até ao final da guerra,
rezando, 
estão em todos os lados e todas as frentes.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Apenas apontamentos roubados nos papéis.



Dia um
Desenhou crianças de dentes afiados no papel.

Dia dois
É tão difícil  uma língua de sapo não apanhar um mosquito,
de vez em quando.

Dia três.
Refugiou-se no amarelo e nas folhas que boiavam na água,
debaixo das pontes.

Dia quatro
Um homem encostado a uma árvore  dirigiu-lhe a palavra.

Dia cinco
A casa, 
construída numa pequena elevação de terreno.

(e por ali se estendiam os campos da primavera, 
ou o sol insuportável  do meio dia, 
ou a chuva davastadora dos temporais, 
ou o mar que nem via dali, de tão longe).

Dia seis
Pisou os torrões  de terra por entre as flores.

Dia sete
O homem palitava 
os dentes usando uma erva seca
ou era um pedúnculo de azeda, 
ou uma haste de trigo,
não sei.

Dia oito
A sua sombra, que se alongava até ao alpendre, era uma só.

Dia nove
Passeava-se
transportando a aura dos felizes.

Dia dez
Viajava sobre o fim do dia onde apenas via cores, 
não havia aborrecimentos nem mais nada.
Só a roupa leve e a brisa quente.

Dia onze
...








sábado, 19 de fevereiro de 2022

#Verbena

Um homem entrou no bar.
A sua figura imponente e o seu ar decidido fez com que a grande maioria das pessoas, sentadas às mesas, ou de pé junto ao balcão, parassem as conversas e olhassem para o indivíduo.
Ao passar levou tudo à sua frente dando um encontrão no empregado, que cambaleou, e derrubando uma cadeira devido à energia dos seus passos.
Quando o gerente, que ao momento se encontrava por ali, tomou a arrogância  de o interpelar, o homem parou diante dele, olhou-o fixamente nos olhos e, do alto do seu enorme corpo enigmático, sem dizer uma palavra, intimidou de tal forma o responsável  que ele saíu automaticamente do seu caminho.
Tendo alcançado o fundo do estabelecimento, o malfeitor deu um murro no tampo do balcão, e após este gesto, e por causa do silêncio  que antes já tinha imposto, puderam ouvir-se o ruído do vidro dos copos a tremelicar, o tinir dos cubos de gelo embatendo uns contra os outros, e duas moedas que tinham sido deixadas de gorjeta rolaram sobre a madeira e caíram no chão.
_Dê-me um chá de #verbena!_ ordenou.
O empregado que se encontrava atrás do balcão empalideceu e, aterrorizado, não  conseguiu responder.
_Um chá de verbena! Já!_ 
O rapaz, que ao momento  já  suava copiosamente, conseguiu balbuciar qualquer  coisa impercetível, o que deixou o malfeitor enlouquecido.
_Repete! Fala mais alto! 'Tás a ouvir?_
_Ch..ch..chá de verbena não temos_conseguiu gaguejar o rapaz, muito a custo.
_O quê?_ a vil criatura parecia cada vez mais enfurecida e do bolso do blusão sacou de uma pistola de carnaval.
_O quê?_ Voltou a perguntar espumando de raiva.
_Temos de frutos silvestres, ou camomila, se pretender. Também são muito bons. Não  fica mal servido_
O homem pareceu meditar durante alguns segundos, mas logo voltou à atitude anterior, reveladora da raiva que tinha pelo mundo.
_Experimente. Vai ver que não se arrepende._ O franzino empregado revelava-se agora uma pessoa de extrema bravura, conseguindo dialogar com o deliquente.
_Que garantias me dás?_
_Entramos num acordo. Se não gostar, não paga._
_A sério? Olha que fixe!_ e meteu ao outra vez ao bolso a arma com que ameaçava o público, para conseguir bater umas palminhas de contente.
Após este incidente, Manuel Estácio foi considerado o empregado do ano, por travar aquele episódio  de violência com a sua capacidade de persuasão e a sua coragem.







sábado, 12 de fevereiro de 2022

#Ovar

Andam por aí, 
com os cabelos 
inventados,
flores que o inverno
deixou para trás, 
com a sua habitual 
condescendência.
Ana após ano,
ele vê os pinheiros
de natal 
em pose altaneira,
num total 
deslumbramento
de criança,
enquanto o tempo
vai e vem, vertiginoso.
Andam por aí,
num total 
deslumbramento
de criança,
enquanto o tempo 
sobe e desce.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

JOTA

Hoje tive um sonho.
Foi um sonho incómodo e perturbador.
Nele,
eu tinha notado algo de uma tal beleza,
notável, 
que queria mostrá-lo a alguém,
uma só pessoa que fosse,
que pudesse ver o mesmo que eu.

Puxava os transeuntes nas ruas,
pelos casacos,
colocava-me à sua frente, para, 
com gestos agitados, 
prender a sua atenção,
porque,
por motivos que se prendem
apenas com os sonhos,
era incapaz de falar.

Todavia, 
todos me ignoravam, 
sacudiam-me dos seus caminhos,
mostravam-se aborrecidos,
desagradados, e eu,
sem jotas, ou vogais, ou outras frases,
sem a linguagem adequada para 
que me seguissem,
para verem o que tinha encontrado.

Era uma pérola, era uma pedra,
uma preciosidade de brilho e luz,
e eu, sem palavras possíveis
para lhes explicar.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Andam por aí,
Flores que o unverno injustamente deixou para trás,
Com os cabelos inventados de habituais condescendências
Oferecidas em concha feita de Dostoievski na palma das mãos.
Pelo menos um de cada um, 





Quando sentiu o intruso em sua casa ficou apavorado, mas em segundos buscou o seu lado racional para pensar numa solução. O mais silenciosamente possível percorreu o corredor até  à entrada de sua casa, agarrou no livro que andava a ler, e que pousara sobre o aparador, e dirigiu-se à sala de onde lhe parecera ter surgido o barulho. De facto, deparou-se com o ladrão que apressadamente enfiava os objetos que pretendia roubar dentro de um saco.
Sem pensar duas vezes, arremessou-lhe o Dostoievski  contra a cabeça, mas, felizmente, o homem foi a tempo de se baixar e barricar atrás da secretária.
O livro embateu contra a estante e foi estatelar-se no chão ficando dividido em dois pela lombada, sendo que o crime ficou todo de um lado e castigo todo do outro.
_ Não  me estou a sentir bem _ informou o desconhecido em fraca voz_ Dá-me licença  que abra a janela?_
_Permita-que seja eu a fazer isso_ e, solicito, abriu a janela de par em par. 
O malfeitor percebeu a oportunidade de fuga e rapidamente, saíu de trás do móvel, passou por ele empurrando-o, o que o fez desiquilibrar-se e cair para cima de um cadeirão azul onde permaneceu atordoado, e o homem fugiu com as pratas e outras valiosidades.