quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Lídia

Lídia teve dois filhos.
Tinham nascido fruto de uma tarde em que o rapaz a acompanhou a casa subindo a colina com ela, depois de um encontro ocasional na vila, dentro de um #elevador.
Contou-lhe o rapaz, pelo caminho, que vinha de uma cidade muito para sul, onde os galos ainda cantam pela manhã, e as nuvens são muito rápidas a percorrer o horizonte.  Tão rápidas que é difícil acompanhar o seu trajeto através de um simples olhar.
Ficou tão encantada que, nessa tarde, acabou por sujar a fronha da almofada com laivos do seu baton preferido, e teve de a lavar, esfregando bem, enquanto Raul partia para a cidade dos seus dias vulgares.
Lembrava-se muito bem daquela situação especial e indefinida.
As crianças idênticas, nasceram com um intervalo de minutos, e por vias sinuosas do destino impenetrável, passaram a ser completamente suas.
Nunca precisou da ajuda de ninguém para as criar.
Quando  era necessário ausentar-se, deixava-as debaixo da grande árvore que tomava conta delas irreprensívelmente. Nos dias de chuva, espalmava as suas folhas e sobrepunha-as geometricamente para formar sobre os meninos um enorme guarda chuva. Se fazia vento, dobrava impercetivelmente o tronco para lhe ser possível aconchegar-lhes as mantas com a ponta de um dos galhos mais antigos, muito  próximos do chão.
Isto porque sabia exatamente, com a consciência que têm as árvores, quando a brisa podia perder a sua suavidade e passar a constituir um perigo, podendo provocar a doença  num dos bebés.
O trabalho era executado de forma tão extremosa, que Lídia muitas vezes se sentava nos degraus da entrada, só para a ver, atuando silenciosamente.
Quando os filhos se tornaram homens, a árvore adoeceu. Começou por encarquilhar as folhas, que perderam todo o vigor, até deixarem de romper nas Primaveras.
Depois foi o tronco que secou.
Então, a árvore começou a inclinar-se perigosamente sobre a casa, pressionando com o seu peso o telhado de telhas-vãs, e Lídia mandou que a cortassem, rente à terra barrenta do quintal.














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domingo, 15 de setembro de 2019

#Puxavante



Pensei,
quando ouvi esta palavra:

Não vou ser ignorante
e de agora em diante,
portanto doravante,
é assim que vou falar,
que isto, sem sementes
não vale a pena a lavra.


Mas um dia,
estava eu em Alicante,
ou na Festa do Avante,
já nem me estou a lembrar,
pedi à senhora, num bar,
que me desse um #puxavante
e ela olhou para mim
com cara de parva.


O #Quartzo Brilhante

O  tapete verde
decidiu azular
a parede cinzenta.

Quando as árvores espreitam
coisa que nem sempre acontece,
comigo,
as suas folhas são tão nítidas,
demasiado nítidas para que
essa nitidez seja causada
apenas por causa da
incidência do sol, a esta hora
...talvez, também, tenha a ver
a com elegância das suas
silhuetas, não sei...

Alguém rega as flores.
Ouço o jacto de água a
bater na terra,
fino e desligável.
Distraí-me da maldita cor
que muda em
função das circunstâncias,
por exemplo,
quando o dia está
escuro e triste,
a parede quase não se vê,
é como se não existisse,
nem ela,
nem nada do outro lado.

Quando vem a chuva que
lava as coisas de fora
por dentro,
os seus riscos oblíquos
refletem na superfície vertical,
e é engraçado de ver.
e eu sento-me a observar.

Devido à inesperada
circunstância
de haver, naquele momento,
uma praia
no fundo da cor mortiça
e silêncio, tão propício
à tranquilidade,
acabo por adormecer,
sonhando o inconcebível.

Sonho que me afasto da margem
por vontade própria, de forma
consciente e natural.

Em escassos minutos
percorro tantos espaços
de mar,
nado em linhas direitas
que se intercetam e
que são
espantosamente reais.
Julgo, então, ter escamas
e barbatanas
distribuídas em
simetria pela corrente
sanguínea
como acontece no corpo
frio e
longuilíneo dos peixes.

Vou ondulando sem sentir
 a mais pequena ponta
de cansaço,
até que as minhas braçadas
se tornam apenas
regulares  e previsíveis
batidas de coração.
e do azul cintilante
retiro o oxigénio
necessário para respirar.








sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Greta

Em relação a Greta_Thunberg, confesso que, independentemente do conteúdo, com o qual ninguém com dois dedos de testa pode discurdar, e da própria miúda, que só louvo, vários pontos dentro desta envolvência me poem a pensar.
Em primeiro lugar, não consigo deixar de olhar para ela sem lhe ver qualquer coisa de mártir, e eu, na minha condição e hábito de protetora de crianças e jovens mulheres, não apoiarei em local nenhum do mundo uma criança mártir.
Dir-me-ão que não, mas eu sempre a vejo com enormes olheiras e um semblante carregado e sofredor.
Em segundo lugar, pergunto-me muitas vezes até onde vai o nosso, querendo referir-me ao  universo daqueles que se preocupam, o nosso cuidado com a pegada ecológica.
Deixámos de usar telemóvel? Todos? Ou nem um deixou, sabendo o que isso significa?
E quantos exemplos poderei aqui colocar que demonstram que só temos preocupações  ecológicas até onde a nossa vidinha não sair prejudicada.
Em terceiro lugar, incomoda-me imenso, quero recusar-me, até, a viver com os remorsos que a toda a hora nos tentam incutir como se tivessemos falta de consciência.
Somos induzidos, obrigados muitas vezes, ao consumo, onde se escondem verdadeiros atentados ao planeta, e depois, porque vivemos de acordo com aquilo que existe, somos acusados, perversamente na minha opinão, de males que não provocamos, antes nos são oferecidos, e que vêm agarrados ao poder económico, ou ao capitalismo, se quiserem, como lapas.
Para terminar, e voltando a Greta, claro que só tenho a agradecer-lhe entregar a sua juventude a tão nobre causa.