segunda-feira, 18 de abril de 2016

Xavier (EI)

O Xavier
era tão amigo da mulher
que lhe ofereceu uma esfregona
e uma colher de sopa,
e dava-lhe a comida à boca.
E era tão amigo dos animais,
salvava cães gatos e pardais
moscas e outros que tais,
e mijava nos pinhais,
o Xavier...!
Era a bondade em pessoa,
uma gravura do Foz Côa!
O Xavier exemplar,
foi lá para fora fumar,
o Xavier sem limites,
um Xavier qualquer
uma caneta e um malmequer,
o que quiser,
até bacalhau com broa!
Era um cromo da bola
com pancada na carola!
Cá para mim o Xavier
era mas era louca, a mulher!

Wagner (Enciclopédia Ilustrada)

O Wagner era um cão submisso.
Podem sempre dizer, “Escolheu o nome do animal em função da palavra de hoje”. E é bem verdade. O cão já existia, mas até agora era apenas um cão sem nome que me rondava o pensamento. Ainda pesquisei imagens do grande compositor para tentar uma relação entre os seus cabelos e o pelo do cão,ou entre o semblante de um e o de outro, mas nem toda a imaginação do mundo conseguiria encontrar semelhança entre eles. Ainda assim, parece-me Wagner um excelente nome para o meu cão.
Como dizia, o Wagner era um cão submisso. Seguia o tratador para todo o lado para que o defendesse dos outros cães do canil, alguns bem mais fortes do que ele. Quando o tratador parava, ocupado com qualquer coisa, e acontecia perdê-lo, guiava-se pelo seu cheiro, ou pelo seu assobio, e de orelhas em baixo para não ouvir tanto o ladrar dos outros, dava umas corridas medrosas até alcançar o homem, enfiado nas suas botas de borracha. Pedia duas ou três festas, abanando a cauda e dando pequenos latidos. “Onde é que andavas, Wagner?”. Adorava o som da pergunta, e deitava-se bem perto dela, em segurança, com a cabeça entre as patas.
Um dia, devido a uma necessidade qualquer, para ele incompreensível, colocaram-no numa boxe com um velho rafeiro dominante, tornado pachorrento e inofensivo pela idade, mas dono de qualquer território. Assustado, Wagner enrolou-se num canto, e ali ficou durante dois ou três dias, mal se mexendo. “Tanto me faz, pensou, só me importa que perdi o meu único amigo”.
O tratador entrou para limpar o espaço e para lhes dar comida. Wagner lançou-se sobre o outro cão, atacando-o,e, feroz como nunca fora, agarrou-se ao seu pescoço resolvido a matar ou a morrer!
Isto contou o homem aos colegas, ao fim do dia. “Um cão tão dócil, não sei o que lhe deu! Não percebo”, e o Wagner, deitado ao seu lado, a ouvir tudo, de olhos semicerrados, fingindo que dormia!

Unha (EI)

Quem já viu
a tristeza de uma mulher infeliz
escondida debaixo do verniz?
Eu vi!
Quem já viu
unhas de abandono,
as dos pés, enormes,
enroladas sobre si?
Eu vi!
Vi muitas, infelizmente vi!!
E a unhaca do mindinho,
um disparate comprido.
Tocar guitarra
ou tirar cera do ouvido?
Nunca percebi!
Unhas como cabelo
mórbidas extensões
do corpo sem vida
a crescer para além do fim!
Mas não vamos começar o dia
com imagem tão sombria.
Então vamos lá:
O gel e o gelinho
a unhinha do bebé e assim...!

Raio (EI)

Num dia de sol magnífico
uma mulher foi à praia
apanhar banhos de verão!
Os olhos raiados de raiva
o corpo enfraquecido
o humor lábil
sem qualquer oscilação.
No céu, primeiro uma nuvem
depois muitas, muitas
a entrarem-lhe pelo coração.
Primeiro trovões ao longe
depois mesmo ali em cima
mas a mulher, desatenta
os olhos raiados de raiva
mergulhou na água cinzenta
sentindo um sublime bem estar!
Quando um raio descarregou sobre ela
ficou preta como carvão
e morreu ali no mar!

domingo, 10 de abril de 2016

Quadrilha (Enciclopédia Ilustrada)

Estou bem chateada com isto!
Julguei possível encaixar na palavra de hoje o menino das partículas cintilantes que me apareceu ontem à noite.
Sendo quadrilha um grupo de pessoas cujos propósitos não são os melhores, onde coloco eu este miúdo, que até é uma criança bem sózinha, que tem vergonha dos crepúsculos luminosos suspensos no ar que o rodeia? Ele que tenta apanhá- los disfarçadamente para os pôr no bolso, um bolso que brilha mas pouco, por causa do tecido grosso, e porque o miúdo estica os braços e os aperta contra o corpo, para disfarçar aquela anormalia reluzente.
Como faço para apresentar o meu inocente miúdo e os seus refulgentes grãos de poeira?
Talvez que estejam elementos de uma quadrilha encostados numa esquina, na quadrilhice, como toda a gente, e o miúdo passe, sem que ninguém o veja!

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Jamaica (Enciclopédia Ilustrada)

Na Jamaica, imagino, existem novos e velhos e gente de vários tons.
Há homens perfeitos a terem filhos imperfeitos e vice versa, e mesmo sendo imperfeitos os filhos, choram todas as mães quando os perdem, e os pais, esses que choram menos, neles fica retida uma terrível dor no peito, imagino!
Na Jamaica, ouvimos dizer, alguns fumam charros, outros bebem uns copos, e outros ainda cozinham comidas coloridas, com enormes frutos e não sei se feijão, ou batata ou couve-flor, não sei! Mas sei que na Jamaica há hospitais e escolas, e, suponho, uns miúdos terão melhor vida que outros, e todos envelhecem, e, se calhar, acabam por viver assim, sózinhos e velhos.
Na Jamaica os casais são francamente felizes enquanto se gostam, e incomodamente vazios quando se separam, e, calculo, os cães vadios procuram comida nos caixotes do lixo.
Tenho ideia que haverá árvores, tais como sequóias, palmeiras, eucaliptos, pinheiros e bananeiras, tudo com neve. Na Jamaica deve haver neve e internet, e amores quentes, e paixões e ódios igualmente violentos, admito!
E abetos. Na Jamaica também deve haver abetos!

Karaté (Enciclopédia Ilustrada)

Um conhecido karateca
atravessou a Marateca
apoiado num só pé.
E enquanto o fazia
ia aplicando pancadas
desferindo ou lá o que é
em tudo o que mexia,
e todos comentavam:
É karaté!
Não, não é karaté!
É!
Não é!
Santa ignorância!