domingo, 22 de fevereiro de 2015

Os peculiares Epi. 2 A inscrição

_ 'Tô no Face bebé, já vou!
Elba Calhau conversava com Lurdes Vairada. _ Extou muito orgulhosa. Podex contar comigo.
_ Olha, ela foi uma pessoa que deixou muitas saudades, e só tu é que és capaz de fazer isto. Morreu aos 97 anos nas Urgências. Suspeitamos que foi negligência. Quando chegou lá estava tão quietinha! Ninguém me contou, eu vi!
_ É o paíx que temux Lurdinhax. Ax pessoax morrem e ninguém faz nada!
Que tal um meeting amanhã é falamux sobre o assunto? Vou contactá-lux!
"Pessoal, meeting amanhã àx 17h em frente ao "Pulguinhas"!
Alinho, respondeu Adolfo Dias on line.
_Também vou. Combinado....., e por aí fora até todos confirmarem.
_ O que queria o bebé da mãe?
Elba Calhau mal ouviu o filho, excitada com a proposta que Lurdes lhe fizera. As irmãs Vairada queriam que fosse ela a escrever a frase, para a incrição na tumba da tia avó.
Amanhã levo já umas propostax para eles me ajudarem a excolher. E logo o seu espírito criativo se pôs a trabalhar.
"Felizex ux que morrem depoix de chegarem à tua idade".
"Eterna tia, cá te ficamos a acenar".
"Amada tia, tu foxte primeiro e nóx vamux a seguir"...
_ O telefone tocou. Celeste Nebrosa atendeu meia a dormir.
_ Ouve só Celeste: "Enquanto extiveste viva foxte a maix eterna dax tiax"
_O quê?_ perguntou a amiga, ensonada, depois da sesta do almoço.
_Nada! Logo te explico.
O Pulguinhas era o bar onde se encontravam, quando só iam beber um copo, e , à hora certa, lá estavam, leves e bem dispostos.
_Lucax, que saudadex, dá cá um abraço!_ e Lucas Murro, que vinha cansado do trabalho, onde ganhava o seu dinheiro e perdia o seu tempo, foi rapidamente beijado e abraçado, e vestígios de maquilhagem ficaram a arrepanhar-lhe ligeiramente a cara.
_Ela, querida. Tudo bem? Olha o Porfírio e o Afonso.
_Juntos outra vez, meus amores. Venham cá_ e Gertrudes Vairada sacou do telemovel, e logo ali tiraram uma selfie, daquelas de sorrisos com muitos dentes, e entraram no Pulguinhas onde pediram a primeira rodada.
_Sim, é maix ou menux isso, uma frase que fique para sempre_declarou Elba depois das devidas explicações. E, amigux, precisava da vossa ajuda.
_Eu preferia falar de gajas mais novas_disse o Adolfo. E riram-se, divertidos com a malandrice.
_Ó Adolfo, taza guzar max inda agora viexte a ajudar-me no carro!
_Ouçam: Lurdex Vairada em vida, Lurdex Vairada em morte. Somux todux eternux.
_Ó Elba, tem que ter eterno, isso é que tem!_afirmou Lucas Murro.
A minha irmã tem o nome dela, esclareceu Gertrudes, de copo na mão, melancólica.
_Lurdes, se eras tão boa em velha, faço ideia em nova_ e Juvenal e os outros desataram às gargalhadas.
Celeste Nebrosa tinha os braços brancos e rechonchudos. Abandonados sobre  mesa, e, como sempre, a boca ligeiramente aberta_Eternas são as trevas e o universo é a luz._declarou enquanto vendia e apagava o isqueiro, com os dedos de unhas negras.
_Ó Celeste, que macabro_
Porfírio Metelo Anão ria-se mas não dizia nada. Todas as frases lhe pareceram um pouco absurdas, já as cervejinhas frescas a escorregar garganta abaixo, era do que mais apreciava.
_Lurdex, todux desejamux que façax em viatura própria a tua eterna viagem, ou então, que Deus te dê boleia! Amigux, goxto dexta, axo que já excolhi._disse Elba Calhau comovida, com os olhinhos húmidos e brilhantes.
_O jeito que tu tens, Elba. Que belíssimas frases_
_Maix um brinde companheirux! Temux que nux encontrar outra vex para a semana. Adoramo-nux?
_Adoramos!_e tocaram os copos uns nos outros emocionados com tanta cumplicidade. Somux peculiarex, e lembraram com saudade o perspicaz professor.
_Elba, olha ali!_ No Pulguinhas entravam conversando um polícia e dois bombeiros.
_Uau! Já extou a ficar com calorex!
_É só uma cerveja, Alice! Saber das novidades.Um dia hàs-de ir comigo_tinha dito Adolfo Dias à mulher, antes de sair de casa.
_Está bem Dôfo, da próxima havemos de combinar._ e Alice Mitério recordou em pensamento quela frase engraçada:" preferia cagar um pé de merda até ao joelho", e não acrescentou mais nada.
Adolfo Dias andava irritado. Alice sempre triste vá-se lá saber porquê, já a irmã, Eunice Mitério também era assim, e não via com bons olhos as suas saídas, e ele que não fazia nada de mal, simplesmente adorava os amigos. E Elba.... Vistosa, os olhos pequeninos e vivos e outras coisas maiores....
_Ó Dôfo, a tua amiga Elba é muito feia!
_Oh, coitada, não é nada! Respondeu Adolfo.
 "Chiça!  Não percebo nada de beleza feminina" _Sim,, pensando melhor tens razão_
Dias mais tarde, Gertrudes Vairada mandou mensagem no Face para Elba: Elba, muito obrigada pela tua amizade e dedicação. Embora a família não tenha escolhido nenhuma das tuas propostas, elas serviram-nos de forte inspiração. Assim, optámos por uma inscrição mais simples: "Lurdinhas, eterna saudade, campa número 327." Que tal?
Fico muito contente por ter ajudado, e maix contentes ainda pelo reconhecimento da minha aptdão natural para estax coisax. Beijinhux grandex. Elba Calhau


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O verão puxa à cerveja

Alfama era trista como a noite, a folia não tinha graça nenhuma, as sardinhas uma merda, velhas e secas, as piores que já comi.
Só gostei do desfile, porque já tinha bebido para aí umas seis cervejas.
No dia seguinte fui à praia. Assim que lá cheguei verifiquei que o sol estava quente de mais, e, a partir daí, comecei a pensar no momento de me ir embora.
Cheguei a casa, e, dez minutos depois, desejei ir para a cama, para ser o dia seguinte, para depois voltar para a praia.
Contente, no verão quente de bom.
Um ou outro dia contemplava a cidade. Magnífica, do topo de uma das colinas, com aquela luz que só o verão permite ver. O rio, o castelo, o isto, o aquilo, maravilhas do mais parvo que há, a não ser que seis cervejas contribuam para a beleza interior dos rostos sorumbáticos a passar.
Na esplanada, num fim de tarde fantástico, um pai imitava uma galinha para agradar aos filhos. Imagem que guardo no coração com a maior ternura.
Voltando a Lisboa,bebi um café que me soube muito bem, num quiosque sufocante, debaixo do chão, no corredor do metro.
Famílias de dez, barulhentas e feias, a cobrir a areia. Na água não se podia estar.
O Tejo, esse malandro, turvo e opulento, de conivência com o mar, vazio da beleza transparente que era antes.
A não ser que beba seis cervejas, ou sete, ou oito, ou nove! Tantas quantas as necessárias. Tenho medo é da última, que pode cair-me mal!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Os Peculiares. Episódio 1. _ O jantar

_ A reserva fica, então, em nome de quem?
_Elba Calhau, e já sabe, àx 21horax, mesa para oito. Com licença, obrigada. Elba desligou o seu "androíde", viu as horas e pensou:" Meux deusex! Tenho pouquíssimo tempo"! E entrou no automóvel, não sem antes os avisar a todos: Hoje às nove!
Que bem que sabia ir jantar com os amigos e colegas! O Adolfo, as irmãs Vairada, a Celeste...
Encontraram-se pela primeira vez num curso de desenho, com um professor de bigode repuxado e olhar distante, e onde, na primeira aula se apresentaram para melhor se conhecerem uns aos outros.
_ Digam-me então como se chamam, por favor.
_ Eu sou Elba Calhau, desempregada_  E um a um se identificaram, e lá foram explicando o seu interesse pelo curso em questão. Lucas Murro, as duas irmãs, boas raparigas mas um pouco amalucadas: Gertrudes Vairada e Lurdes Vairada. Depois, sempre vestida de preto, com a pele muito branca e umpouco de peso a mais que lhe sobressaía da roupa justa, Celeste Nebrosa, uma amiga para sempre. Do outro lado da sala. Juvenal Gadura, o amável Adolfo Dias, e finalmente, um verdadeiro "gentleman", o mais velho e o mais sabedor, Porfírio Metelo Anão.
_ Meus senhores,são efetivamente, a turma mais peculiar que já tive. Disse na altura o professor, depois de ouvir os seus nomes.
"Somos peculiares"! E logo se agitaram todos nas cadeiras.
Elba chegou ao cabeleireiro, e com um invulgar poder persuasivo, pôs todas as funcionárias a trabalhar para si. A Lúcia a arranjar o pé direito, as mãos para a Sãozinha, a Bety no outro pé, e do jeitinho nas madeixas louras encarregava-se a Dulceneide, com imensas inovações brasileiras.
_ Max que excelente trabalho, o dax meninax, e enchia a boca com os "xes", para dar voluptuosidade à voz.
Próximo de si, vivia Adolfo Dias com a mulher, Alice Mitério, uma criatura soturna e triste.
_ Vais outra vez jantar fora Dôfo?_ perguntou suavemente.
_ Oh querida_ respondeu enquanto a beijava na testa,_ Estes jantares são bons, sabem-se coisas importantes.
_ E com quem vais daqui Dôfo?
_ Vou sózinho, querida. A Elba Calhau apanha boleia do Lucas Murro.
Adolfo saíu de casa, agarrou no telemóvel e escreveu: Elba, espero por ti no sítio do costume.
Quando chegaram ao local já lá estava Lurdes Vairada, nervosa, a andar de um lado para o outro, e logo a seguir chegou Celeste Nebrosa, de capote e baton negro.
_ Elba, olha aquele "bonzaço" ali.
_ Hi, até arrepia. Vamux lá?
Já todos reunidos entraram no restaurante, o "Molhos" ali para o Bairro, com bom vinho e preços económicos, o ideal para este tipo de encontros. Sempre se conseguemjuntar uns trocos e ir para a folia, para levar desta vida o que ela tem de bom.
À mesa, depois de servidas as bebidas, a primeira coisa que fizeram foi um brinde à felicidade de todos, e também o seu grito de guerra, à semelhança do que acontece nos desportos de equipa.
_ Adoramo-nux?_ perguntava Elba de copo na mão.
_ Adoramos!_ respondiam os outros em coro.
Entretanto apeteceu a Gertrudes Vairada um creme de ervilhas, que já lhe tinha cheirado muito bem, e que comeu enquanto se debicava o pão e o queijo das entradas, e se regava tudo com vinho.
_ Bolas, este creme está demasiado grosso!
_ E não gostas deles grossos ó Gertrudes?_ perguntou Juvenal Gadura. E logo se riram os que ouviram, no meio da conversa animada.
_ Mais um copo Elba?
_ Sim Adolfo, obrigada. Vamux brindar outra vez pessoal? À nossa e a Fernando Pessoa!
_ Fernado Pessoa? Interrogou Porfírio Metelo Anão, delicadamente.
_Claro, ó Porfírio. O meu Pessoa, o meu Pessoazinho que eu tanto goxto!
_ Ó Elba, isso é que não! Não vou brindar a esse gajo. Ainda por cima já está morto! _ disse Lucas Murro.
_ Ó Lucax, não sejax teimoso. É pá, exte jantar tem que ser comemorado. Encontramo- nux daqui a um mêx ou doix. Fica já combinado. Ai, 'tô sempre a fazer rimax, é maix forte do que eu!
Celeste Nebrosa, que sorria de olhos sensuais e vidrados por baixo da maquilhagem pesada, pediu a Juvenal _ Mete- me aí mais vinho. _ Então não meto ó Celeste, eu gosto é de meter! E riram- se a bandeiras despregadas.
_ Ó Elba, então e os teus filhos? E o teu "ex"? Tem-te chateado?_ e assim ia decorrendo a noite! super animada.
As irmãs Vairada lembraram como o professor lhes tinha dito que eram peculiares e Elba disse: "Somux nóx e o mundo !"  E essa frase deixou-os maravilhados, de tão verdadeira, inteligente e bem pronunciada.
_ És linda Elba!_ gritou Adolfo Dias_ És linda! E os outros concordaram numa eleger manifestação sonora.
_ E, amigux, ainda, ainda sou completamente contra o acordo ortográfico! Exclamou Elba Calhau, orgulhosa. _ E saímux daqui e vamos beber maix um copo!_ e isto provocou o entusiasmo geral.
_ Eu se calhar não vou. Tenho que me levantar cedo amanhã._ disse Adolfo Dias pouco à vontade, porque se lembrou da recomendação da mulher. "Depois do jantar vem para casa Dôfo". Adolfo até se tinha irritado. Gritou-lhe que se sentia uma besta enjaulada. "Uma besta lá isso és, grande cabrão. Enjaulada estou eu, entre os tachos e a casa arrumada", pensou Alice quando ouviu aquela frase tão dura. Pensou, mas não disse uma palavra.
_Olha! Acho que já não vamos a lado nenhum_ comentou Juvenal para Porfírio, quando, após o jantar se reuniram na rua movimentada. E apontou para Elba. Ia apoiada entre a Celeste e o Adolfo, a trocar os pés, toda dobrada, olhos revirados, e entaramelando a voz, balbuciava baixinho:
_ Pessoa...., O Acor........., e beijinhux...., bei....., beijinhux........