quinta-feira, 27 de maio de 2021

Indzível

Sem a força da revolta,
ou a beleza da contemplação, nada feito.
Só me vem à ideia a frieza 
dos algarismos e das palavras feias.
A camada de que os revesti era enganadora, 
e eu não quero,
nem os pretendo ocos, ou vazios.
Também por isso,
tratei de mudar de forma rapidamente, 
para observar melhor 
as águas bravas que caem das cascatas, 
e não as cortinas que se agitam
quase nada para trás e para a frente.
E como estava tudo torto, 
fui pôr roupa a lavar...
ninguém põe roupa a lavar nos poemas.
É tão feio!
Estendê-la é outra coisa,
com o vento a bater nos cabelos 
e a imagem versátil das peças 
a ondular em função da corrente, 
e musical, tal como quando
canta um pássaro bem disposto.
Não é o mesmo 
que pegar na sujidade em monte, 
procurar o programa específico, 
carregar nos botões, 
medir os detergentes.
Isso ninguém  faz nos poemas, 
que servem o #indizível apenas.
Terei, então, que mudar uma vida inteira,
aleatoriamente, porque 
sem inventário desapareço,
e não serão as pedras 
umas sobre as outras que falarão por mim.




A Cabana

À procura da sorte num trevo de quatro folhas, 
vê lá se voas para onde voaram as frésias no verão passado, 
como certas palavras que fazemos nossas, dê lá por onde der, 
para nos fazerem companhia para o resto da vida.
Tinha por mais do que uma vez, observado várias movimentações. 
Contudo os cenários e os personagens mudavam de tal forma,
que era como se habitasse mil casas, ou mais, 
ou lutasse por encontrar a "cor", uma cor especial
no espacial que determina o céu, 
sei lá eu o que estou a fazer.
Bastas vezes, vira mulheres silenciosas
a deslocarem-se de um lado para o outro, 
todas diferentes e caladas, 
entravam e saíam por portas inventadas, 
enquanto preguiçosamente as previa,
podia ser a meteorologia qualquer uma, 
tanto fazia calor e luz, como o nevoeiro 
agarrado ao entardecer com unhas e dentes, 
ou uma noite um pouco mais brilhante do que as outras, 
ou essa mesma noite morrendo no orvalho da manhã.
Dobravam a esquina, presumo,
já só as via quando estavam à minha frente, 
dando-se assim a conhecer, sempre do outro lado da estrada, 
debaixo da lona de um toldo,
o local onde mais as ervas tendem a invadir o passeio.
Os gatos, essas fantásticas  e enigmáticas criaturas, 
estão por todo lado. 
Quantas vezes aparecem sem aviso prévio, 
controlando o que não  se vê, 
sólidos e harmoniosos, menos na areia, 
os gatos não gostam dela,
deitam-se nos catos das dunas, que vejo daqui, 
da minha janela, e estendem-se ao sol.
As árvores existem, 
obviamente nuas umas vezes, quase nunca, 
mas são, contudo, as mais rápidas e eficazes
a desaparecer, 
para serem recolocadas noutro sítio, numa daquelas serras 
em que se respiram umas às outras 
provocando frescura, 
e onde velhos plátanos, pela primavera,
revivem o entusiasmo juvenil.
Não era que os adorasse mais que tudo, mas queria-os para mim, 
isso era certo,
as palavras, as mulheres do outro lado da estrada, as árvores, os gatos,
os trevos.








segunda-feira, 24 de maio de 2021

Havia uma terra de vento, construída no topo de um monte, onde a vida parecia impossível.
No entanto, as crianças viam os pais atarefados transportando pela rua acima um piano, suportado nos ombros, tentando evitar as pedras soltas debaixo dos pés e suando terrivelmente por causa do peso excessivo.

Naquelas terras de vento, construídas num topo de monte, onde a vida parecia impossível, três homens subiam a rua, conversando. 
Mantivera-se a rua em silêncio desde o abandono da rua? O adro da capela, e deixaram as casas abandonadas.
Virou-na orientação  das gargalhadas excessivas das crianças e gritou-lhes: Menos ruído, por favor! Estou a costruir uma aldeia."
Enquanto iam subindo, os três aldeões a avançavam em ritmo lento.
Procuravam, de olhos baixos, evitar as pedras soltas do caminho, deslizantes, por causa da intensa chuva de Verão  que acabara por molhar tudo, sucediam-se as pedras nas fachadas, ou nos muros, umas sobre as outras, onde as crianças  se encostavam, depois da chuva passar.





segunda-feira, 17 de maio de 2021

Satie

À procura da sorte num trevo de quatro folhas, 
vê lá se voas para onde voaram as frésias no verão passado, 
como certas palavras que fazemos nossas, dê lá por onde der, 
para nos fazerem companhia para o resto da vida.
Tinha por mais do que uma vez, observado várias movimentações. 
Contudo os cenários e os personagens mudavam de tal forma,
que era como se habitasse mil casas, ou mais, 
ou lutasse por encontrar a "cor", uma cor especial
no espacial que determina o céu, 
sei lá eu o que estou a fazer.
Bastas vezes, vira mulheres silenciosas
a deslocarem-se de um lado para o outro, 
todas diferentes e caladas, 
entravam e saíam por portas inventadas, 
enquanto preguiçosamente as previa,
podia ser a meteorologia qualquer uma, 
tanto fazia calor e luz, como o nevoeiro 
agarrado ao entardecer com unhas e dentes, 
ou uma noite um pouco mais brilhante do que as outras, 
ou essa mesma noite morrendo no orvalho da manhã.
Dobravam a esquina, presumo,
já só as via quando estavam à minha frente, 
dando-se assim a conhecer, sempre do outro lado da estrada, 
debaixo da lona de um toldo,
o local onde mais as ervas tendem a invadir o passeio.
Os gatos, essas fantásticas  e enigmáticas criaturas, 
estão por todo lado. 
Quantas vezes aparecem sem aviso prévio, 
controlando o que não  se vê, 
sólidos e harmoniosos, menos na areia, 
os gatos não gostam dela,
deitam-se nos catos das dunas, que vejo daqui, 
da minha janela, e estendem-se ao sol.
As árvores existem, 
obviamente nuas umas vezes, quase nunca, 
mas são, contudo, as mais rápidas e eficazes
a desaparecer, 
para serem recolocadas noutro sítio, numa daquelas serras 
em que se respiram umas às outras 
provocando frescura, 
e onde velhos plátanos, pela primavera,
revivem o entusiasmo juvenil.
Não era que os adorasse mais que tudo, mas queria-os para mim, 
isso era certo,
as palavras, as mulheres do outro lado da estrada, as árvores, os gatos,
os trevos.








quinta-feira, 13 de maio de 2021

nrdjrj

Era uma vez uma menina que partiu os #óculos. Estava a tirar uma pestana de um olho, que insistia em picá-la como um alfinete, não sei como, saltaram-lhe das orelhas e estatelaram-se no chão. Uma das lentes saltou e a outra rachou quase toda, de alto a baixo, na diagonal, e a fenda ficou a atravessar o vidro como atravessam os vidros os para-brisas dos nossos automóveis. 
_Ohhhh..._ exclamou,  ao apanhá-los do chão._Já  me lixei!_ e, num gesto resignado, voltou a metê-los na cara.
Foi andando pelo passeio, um pouco atrapalhada com o caminho, para mais que o dia estava cinzento, piorando a visibilidade, às vezes parava a cumprimentar um candeeiro, como se fosse algum dos vizinhos, foi apanhar do chão uma flor do canteiro, que era, afinal, um saco de plástico, fez festas a um gato, pensando que era um gato, não foi por mal, afinal era a cabeça da D. Mónica, que estava sentada na paragem do autocarro, acabadinha de sair do cabeleleiro com o cabelo pintado de Preto Devastador. Ainda se não tivesse dito "bichano, bichaninho", enquanto lhe alisava os cabelos  talvez ela não se tivesse irritado, enfim, passou todas estas peripécias  sempre com a preocupação  de saber o que fazer quando chegasse ao pé da mãe que era muito exigente e até, em determinadas circunstâncias, um bocadinho má.
"Talvez se negar até ao fim, fique como uma coisa sem importância", e com este pensamento,  tocou à campaínha de sua casa.
Ainda não  tinham vindo abrir, quando começou a chover intensamente e a menina, numa questão de segundos, ficou encharcada, mas lá  ouviu o trinco a funcionar e entrou rapidamente para não  se molhar mais. 
À entrada esperando por ela, estava a mãe mazona. A miúda parou no meio da entrada, formando imediatamente um grande lago à sua volta. 
_Onde é que tu andaste? O que é que aconteceu aos teus óculos? _perguntou-lhe a malvada, de semblante demoníaco e feroz,  enquanto dava meia volta para ir ao armário  buscar uma cana de pesca e um banquinho desdobrável para se sentar a pescar. _Não me mintas!_
A menina sabia que não devia mentir, sobretudo quando era fácil ser apanhada, era uma estupidez, por isso contou como tudo tinha acontecido_
_Estás a ver isto, estás? _Inquiriu o monstro à menina, em tom ameaçador.
_Não estou a ver nada._ respondeu a criança_Ê o quê?_
_E ainda me dizes que os óculos estão em condições! Tu, antes, reconhecias um achigã a léguas. Nem sabes o castigo horrendo que vais ter!  Olha, o para-brisas funciona! Nunca tinha visto! És tu que o ligas ou tem um sensor?_







terça-feira, 11 de maio de 2021

Os caminhos dão voltas
intermináveis 
entre as florestas de pinheiros, 
pintadas  de verde compacto
e indiferente 
que escorrem pelas 
serras adormecidas.
Lá ao fundo, os salgueiros 
cumprimentam a água, 
eternamente
debruçados em grandes vénias
sobre o seu caudal 
nascidos e criados ali, uns 
metros à frente do moínho húmido
e pedregoso, 
com metade da sua grande roda 
inacessível aos meus olhos.
As estradas estão enroladas 
na superfície dos montes, 
o sol fragmenta o rio, onde
suponho que brilhem os peixes , 
até quase desaparecer. 
Após o ocaso inquieto 
medonhas estrelas infinitas
revelam-se de noite, 
tão próximas que, por vezes, 
caem do céu
como uma chuva habitual.





 

sábado, 8 de maio de 2021

O Jasmim


O #Jasmim

Não haverá  poema
capaz de igualar
em delicadeza
as suas pétalas pequenas
nem versos, 
nem palavra alguma,
nos envolverão tão 
agradavelmente
como o seu volátil aroma.





sexta-feira, 7 de maio de 2021

Pedrito fugira de casa com onze anos, #imberbe e inocente, para regressar agora, duas décadas depois, com a ponta da  barba  a bater-lhe no umbigo, que por sua vez espreitava pelo intervalo da camisa repuchada.
Estava irreconhecível. Ao princípio, nem acreditou, quando ele insistia que era o filho da vizinha Telma, mas quando ele esfregou a manga do casaco no nariz para o limpar, ela reconheceu-lhe o tique de criança,  quando tinha o nariz a pingar e o limpava ao bibe. 
_Ó Aderito! Adérito, vem cá!_ chamou ela o marido _vem ver quem está  aqui à nossa porta!_
Adérito levantou-se e, cheio de curiosidade, espreitou por trás da figura da mulher.
_Oh!_exclamou_ O Pedrito, agora enorme e peludo! Nem parece ele! Mas a mim não me enganou. Continua a ter os mesmos olhos doces de sempre. Ora prova lá, Albina_ e enquanto falava com a mulher, foi tratando de retirar um dos olhos ao homem para ela provar.
_São doces, sim_confirmou Albina. É ele, o Pedrito! E mais a apanhar o ranho com a manga... Era  muita coincidência. Põe-lhe o olho no sítio, que ele já  está  a chorar do outro e nesse as lágrimas não lhe caem._
__Sim. Desculpa. Ainda ia parar à gaveta dos perdidos, os que eu provo e depois esqueço-me de devolver. Que cabeça  a minha... Mas que alegria, que alegria! Não  tinhas um pelinho só na cara, eras uma criança,  e agora pareces o King Kong, a tua mãe já te viu? Grande desgosto que ela vai ter, aposto... Oh... Não chores... Ó Albina! O olho está mal colocado. Rodaste para a direita ou para a esquerda?_
_Se ele chorasse menos, aguentava-se, mas pronto, é o meu azar do costume..._








terça-feira, 4 de maio de 2021

Debaixo do freixo, nem as cacículas cresciam, tão grande era a invasão de alcíticos naquela altura do ano.
Nas sombras provocadas pela árvore frondosa moviam-se bichos rastejantes, que caíam das folhas após um certo renascer.
Os que sobreviviam à queda, cresciam naquela terra com o propósito de serem mais tarde, e muito orgulhosamente, as borboletas que pousavam no nariz dos veados, o que os obrigava a entortar os olhos.
A resistente badilócia trepava-lhe pelo tronco e, na altura da primavera, rebentava-lhe as veias seiva com o poder das suas flores azuis que aimpediam de respirar.
As suas sementes, que eram cor de fogo, caíam no chão para se confundirem com mantas de liquenes enferrujados, não  havia sol debaixo do freixo naquela altura do ano.