sábado, 29 de dezembro de 2018

A Estatuazinha de Pedra.

Um objeto indefinido entrou, voando, pela porta do estabelecimento rasando a cabeça de quem entrava naquela altura.
Foi aterrar sobre a mesa do Agostinho que bebia um galão e comia um rissol pela manhã.
Era uma esfera de tons violáceos, que acabou por parar depois de embater contra o prato e contra o copo uma dúzia de vezes. Foi diminuindo os seus movimentos no terreno irregular que as migalhas de pão provocavam, e estancar de vez.
A bolha abriu os seus contornos metálicos, como se fossem pétalas, e expôs a surpresa que tinha lá dentro.
"Tchanam...!"
Disse a criatura pequena, com a sua saia de balão, talhada em fina pedra de vulcão, mármore cor de rosa polido, afinal.
Agostinho ia trincar o pastel, mas parou de repente. O salgadinho gritou "Alto!", e ele parou.
A mesa retangular começou a andar com as suas quatro pernas enquanto se encaminhava para a saída, mas não conseguia passar, e então dois personagens sentados em frente, levantaram-se e ajudaram naquela difícil manobra. tornada ainda mais difícil porque a mesa não parava de espernear.
Várias peças da mobília seguiram atrás, e eles amáveis, deixaram-se ficar por ali, para irem auxiliando quem precisasse.
Agostinho ficou sentado numa cadeira normal mas muito irrequieta, a um canto da sala. Podia agora ver-se-lhe o casaco amontoado sobre as pernas cruzadas, o sapato gasto na ponta, as calças cinzentas, e uma meia preta, esta última visível apenas pelo facto do tecido estar repuxado naquele joelho, com as mãos ocupadas sem ter onde pousar as coisas.
Os guardanapos também tinham desaparecido junto com a diáspora dos móveis de pastelaria.
A estatuazinha,ou lá o que era aquilo, desprendeu-se do suporte e voltou para trás. Passou a alta velocidade a um centímetro da orelha de Agostinho, como se alguém, escondido atrás daquele murmúrio matinal, a tivesse arremessado para lhe acertar.
Depois,  imobilizou-se de repente, grande atleta que devia ser, e falou assim ao seu ouvido:
"Eu sou uma estatuazinha de mármore polido, venho do planeta das estatuazinhas de mármore polido e todas viajamos dentro de esferas violáceas que  abrem as suas pétalas metálicas para nós desembarcarmos, como as flores  que vossas senhorias têm por aí."
Mas, nesse preciso instante, dois camarões sem cabeça perfuraram a massa frita, e começaram a cantar ao desafio, equilibrando-se majestosamente nos dedos de Agostinho.
 Para que não caíssem, foi necessária toda a concentração disponível e ele nem conseguiu descodificar a tempo  o que  foi dito pela estatuazinha de pedra ao seu ouvido.
Não sei onde se meteram todos quando, umas horas mais tarde, passaram nas janelas um pano com limpa vidros.






terça-feira, 25 de dezembro de 2018

A Festa

Num certo dia de inverno Alma saíu de casa pela porta das traseiras. Disse adeus ao gato enroscado a apanhar sol na janela, e ao cão que olhava para ela com ar interrogador, como fazem os cães com os seus donos, "onde vais" parecem querer perguntar. "posso ir contigo?".
"Ficas aqui, tomas conta da casa enquanto eu não volto." E ele, obediente como era, esperando autorização para sair dali, de onde estava, no meio da terra pisando as hastes dos  lírios que haveriam de dar flor na primavera.
Clarabela era muito amiga de Gregória por isso tinham combinado ir juntas.
Armindo e Josué viviam ambos na mesma rua, o primeiro tinha dois filhos pequenos, e o outro era solteiro e bom rapaz, e desde há dois anos que vivia em casa do tio, uma grande casa ao cimo da rua apenas habitada pelo velhote e pela  Custódia que tomava conta de tudo . De princípio a mulher ainda lá dormia, mas depois juntou os trapinhos com o Alfredo e alugaram um pequeno apartamento na periferia da cidade, ficando o homem perdido em tanto espaço a mais.
 Foi aí que convidou o sobrinho, e Josué aceitou e agora tinha imensos amigos nas redondezas, como era o caso de Armindo. Foi bom para os dois.
Todas as semanas se encontravam em casa de alguém em grandes festas.
Esta, fora a vez de Ermengarda emprestar a sua.
Foram convidados também os dois primos, o Barnabé e o Felício, grandes companheiros da farra.
Tinha ligado a Josefa e Aurélio para virem mais cedo com o propósito de ajudarem a preparar tudo.
Armindo levou a mulher e um bolo de chocolate,
Quando chegaram, já a música preenchia o ambiente entrando suavemente pelos recantos da sala.
Já  todos tinham na mão um copo de vidro onde as bebidas brilhavam com as suas cores visíveis na transparência.  Mas adiante...
Clementina não se dava com Aurora, no entanto, fez um esforço educado para não não lhe bater e até acabaram por dançar  juntas.
Os pés rodavam-lhes no azulejo azulado, Albertino e Constança, por exemplo, encantavam com os seus corpos unidos a rodopiar numa sintonia tão grande.
O marido de Antoniana não quis comparecer. e então Antoniana convidou Celestino o seu antigo amante vermelho, de um vermelho tão forte que era quase roxo.
Dalila bebeu demais. As paredes moviam-se de tal forma que ficou  nauseada com se estivesse num carrocel que, por motivos desconhecidos não parasse o seu movimento circular nunca mais.
Rebeca trouxe  Dulcineia, que gostava de sair com a irmã mais velha por motivos óbvios.
Asdrubal, Anastácio, e Bárbara hesitaram mas acabaram por também ir.
Levaram rolos de serpentinas e fatos onde brilhavam milhares de lantejoulas, mesmo às escuras.
Quando tudo acabou, Alma voltou para casa.
O cão mantinha-se no mesmo sítio, mas o gato já lá não estava.










A #Paz em Fevereiro

A doze de fevereiro de um ano que
ao momento se encontra no passado,
foi escrito aqui que...
Essa é a grande piada, a laracha de tudo isto,
aquela que aparece nas brincadeiras dizendo um adeus
assim meio tímido.

Num doze de fevereiro já passado
A vida voltou a rodar nos sentidos obrigatórios,
prédios cor de rosa eram os pontos de referência,
tinha-me dito
chegas ali ao prédio cor de rosa viras à esquerda,
a uns metros estam a decorrer umas obras
vais ter que as contornar,
voltas a virar à esquerda na segunda transversal.

Stop! Nâo viu o stop e passou,
eu vi um que me atravessou a pele,
transformado em vapor de água
formava uma  nuvem, que por sua vez  formava
um qualquer  artefacto sonoro
que me encantava.

Algures num canto de música
ficaram registadas as palavras belas.
A doze de fevereiro tudo mudou.
Ouve um anjo amarelo, ictérico,
que desceu pela escada de corda que lhe lancei
num arremesso impossível.
ou pelo rádio do automóvel,
que lançava melodia contra os vidros,
não sei.
Parei o carro no cimo de um monte,
para me lembrar


Lá estavam as rosinha mínimas
no tecido vaporoso e quente,
pontos de nada que ficam presos no espaço
a cantarolar as suas coisas, sem versos
e se não há versos
estão incompletas
como uma prova onde se obteve
aquilo que não somos.

Sim, quando chego ao fundo,
da rua,
já sei onde estou, conheço a estrada, afinal,
melhor do que pensava.

Foi no ano em que as estrelas me pareceram
muio maiores, grandes bolas de sabão
que avançavam pela noite dentro
afastando-se até rebentarem,
lentas mas inalteráveis.
Foi o doze de fevereiro em que amanheci
com a geada fria.
misturada na paisagem  desconhecida.








sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Mais Um Conto de Natal.

#Álgido Fagundes adorava o Natal.
Vivia aquelas horas até se abrirem as prendas com uma enorme ansiedade. Nem conseguia comer como deve ser, e a mãe sempre em cima dele, "então o bacalhauzinho, Gigi? Não vai?
A tia Anémona ia lá ajudá-lo, enchia o garfo com aquela mistela e enfiava-lha pela boca abaixo, quer ele quisesse, quer não.
Depois ficava muito direita ao lado da mesa, à espera.
Quando ele conseguia deglutir a massa fibrosa que se lhe formava na boca, nem um segundo passava e levava com outra pasada da mesma matéria  para mastigar indefinidamente.
Mas o tempo ia passando assim, já os outros meninos brincavam,
Estava em pulgas para ver o o conteúdo do embrulho do papel verde com pinguins. Seria o que pediu e o que tanto tinha falado ao pai natal para lhe trazer da Lapónia?
Ou seria para a avó que era uma pedinchona, e que já tinha falado no cobertor elétrico uma dúzia de vezes?
Tinha feito uma aposta com ela, a ver quem é que recebia as prendas maiores, e então, ela, muito esperta começou a insinuar  coisas enormes de que se lembrou, até um colchão com uma grande fita azul, e um cartão que dizia, "As saudades que vamos ter quando morreres", espetado com um alfinete na parte superior, ela recebeu naquele ano.
E para mais, fora ela, todo o jantar, a instigar a mãe para ralhar com ele por causa da comida. Ela e a tia Anémona.
Odiava-as.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

O Pai Natal

O #Zeferino aborreceu-se com a sogra precisamente na noite da consoada. De tal maneira que, num acesso de raiva incontida, puxou as pontas da toalha e tudo voô incluindo as filhoses e até o bolo rei, apesar de mais pesado.
A senhora estava sentada à sua frente, na outra ponta da mesa, mas conseguia exasperá-lo tanto que não era a primeira vez que se via naquela casa um perú a voar já depois de cozinhado, ou o bacalhau a repousar no colo da tia Arminda, do seu lado direito, e que comia com a boca aberta por causa da rinite alérgica.
O filho mais novo, Gonçalo Alexandre, berrava que queria ver o pai natal, e ele tinha-se esquecido das barbas no escritório, para mais tarde disfarçar o seu querido pai, o avô da criança.
Com a desculpa de fumar um cigarro para acalmar, disse que ia lá fora e marcou o número do Zacarias para lhe pedir um favor.
"Podes passar por aqui e trazeres-me um saco com barbas que está em cima da minha secretária?
 Mirita, a irmã mais velha, disse ao miúdo: "Quando o pai Natal chegar hás-de reparar se ele não calça os sapatos do avô."
Gonçalo Alexandre ficou intrigado com aquilo e questionou-a, querendo saber mais.
O pai natal não existe, e se quiseres comprovar puxa~lhe a barba e vais ver se não é a cara do avô Albertino que está lá por baixo.
O miúdo, depois de pensar como os apanharia em flagrante a enganá-lo, resolveu seguir o velhote para todo o lado não  lhe dando hipótese  de se disfarçar.
Quando Zacarias chegou com o saco das barbas, a sogra levantou-se da mesa para abrir a porta, cumprimentou o homem, convidou-o a entrar  para comer qualquer coisa e agarrou-lhe nos pertences para os guardar.
A avó Alfonsina apercebeu que tinha um saco cheio de barbas brancas em seu poder, pensou tratar-se de um presente para ela, há muito que o desejava, e colocou-as sobre o queixo, presas com um elástico na parte de trás da cabeça.
Ao sentar-se no sofá com um sorriso de alegria por entre o algodão branco, não reparou que Gonçalo Alexandre estava atrás de si, pronto para desmascarar aquela gente, e foi por isso que se chegou devagar, atrás dela, e esticou o elástico o mais possível, largando-o de encontro à nuca da senhora, cujos cabelos grisalhos não conseguiram atenuar a chicotada que sentiu.
Doeu-lhe bastante, claro, não conseguiu evitar um palavrão que escandalizou Desidéria, sentada numa cadeira ao pé do aquecedor, com o bolo rei enfiado no pulso direito.










Zeferino

#Zeferino era tão
pequenino
que ninguém dava nada
por ele.
Vivia a vida assustado,
escondido atrás  do
cabelo.
Quando veio a mulher
com aquele champô
maldito
e lavou a cabeça do
miúdo,
sentiu-se asfixiado
e acabou por
morrer.
Caíu na banheira ainda
com vida,
contorceu-se de
aflição,
espasmou, digamos
assim,
pela última vez, e, aos
poucos,
o seu corpo imobilizou-se
com as patas viradas para
cima.
Já sem oferecer,
portanto,
qualquer resistência
a água espumosa arrastou-o,
rapidamente, até ao
ralo.
Antes era um piolho
feliz.




quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

cmcmcm

innnndios


Era uma vez um menino muito impaciente, Gritava agarrado ao pescoço do pai porque queria ir para o chão, e, quando estava no chão esticava os bracitos e choramingava pedindo colo.
O pai, descendente de Ianomanis, índios cuja sabedoria ancestral passava de pais para filhos com exemplos simples do quotidiano, percebeu que estava na altura de iniciar a transmissão de conhecimento ao seu pequerrucho.
" Ou te calas ou levas uma palmada. Tal como as árvores florescem, também eu te chego a tanga  ao pelo."
O miúdo, abriu muito os olhos, deixou a meio o gesto mimado e, como por artes mágicas, parou a choradeira.
 




terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Julieta

Julieta saíu de casa pelas quatro horas da tarde. Ainda era difícil sair para a rua por causa do calor. Estava um dia excecionalmente quente, mesmo para aquela cidade habituada ao sol intenso e brilhante durante as épocas de verão, mas naquele ano as temperaturas iam muito para álem do habitual.
Quando chegou ao jardim por onde passeava todos os dias, deu umas voltas por entre as árvores. Depois, cansada, sentou-se no seu  banco preferido onde estavam escritas, em ligeiros sulcos na madeira, toda a espécie de juras de amor. Era onde gostava mais de esperar. Debaixo daquela tília cheirosa e naquele banco com a superfície da tinta a estalar nalguns pontos mais sensíveis.
Ficava virada para o caminho mais largo e as pessoas iam passando à sua frente, de vez em quando, todo o tipo de gente, era engraçado, alguns repetiam-se dias seguidos, outros vários anos, e outros ainda via-os uma única vez e depois nunca mais apareciam, naturalmente, atravessar o jardim fora para eles um gesto ocasional, ou porque se perderam, ou porque tiveram que ir para aqueles lados tratar de um assunto com uma especificidade qualquer..
Gostava de os ver passar, os miúdos de bola debaixo do braço, os velhotes e as velhotas amparando-se mutuamente, os apressados que passavam por ali porque era um bom atalho entre as duas avenidas, é sempre mais perto se atravessarmos os jardins, ou mesmo os residentes, digamos assim, os que dormiam por ali nas noites de verão agarrados ao saco de plástico onde guardavam os seus básicos pertences.
Olhou de lado para o relógio da torre e viu que as horas passavam lentamente, que o sol rolava devagar e a sombra da árvore se movia  impercetivelmente no chão.
A tarde ia avançando e o ar refrescava naturalmente, e Julieta, mais confortável, já o seu gorro de lã, que nunca tirava por ser tão bonito com a flor encarnada de lado, se tornou mais suportável e ela fechou os  olhos, caindo num sono leve.
E foi nesse momento que #Xerxes a chamou de muito longe:
"Julieta tu não existes. És fruto da invenção, és uma nesga de mar que não se alcança, sequer,  de onde estás, és produto da imaginação de alguém, não és real!"


























domingo, 16 de dezembro de 2018

No dia em que nem uma só frase fazia sentido
entre os inúmeros esboços que já tinha à sua frente,
levantou-se da cadeira
para fazer uma grande #vénia à genialidade dos outros.
Depois, adormeceu sobre o tampo da secretária
e sonhou sonhos terríveis com monstros e perseguições.


Ervas de aroma espalhavam-se pela cidade. Pequenos vasos nas varandas eram moda naqueles tempos e não havia quem não aderisse

Não me digas que perdeste as #vénias outra vez! E começou aos gritos com a miúda que ficou aterrorizada e começou a chorar.
Ó minha madrasta, minha madrastinha querida, eu não faço de propósito. Elas fogem-me do bolso parecem minhocas vivas a a pular da terra em dias de chuva.
É?! Está bem. Vou chamar as tuas irmãs feias e horrivelmente más e invejosas da tua beleza para elas te castigarem
Ó Lurdes! Ó Sãozinha! Batam na vossa irmã, que perdeu as vénias  mais uma vez!
Ó estúpida, vais sofrê-las na pele! Onde é que tens a cabeça?
E as três, juntando esforços, empurraram a miúda para as masmorras que tinham nas traseiras da casa.
Durante cinco dias ali ficou sem comer ou beber em total escuridão.

As #Vénias
ficam lindas em vasos,
e não gostam de muito de calor,
Por isso  florescem no inverno
quando todos pensam
que  já se acabaram as flores.









Vénus

Vénus Marisa
e  Artemiza
foram comprar uma piza.




Ouviu-o muito antes de  se destacar entre as árvores. Quando se fixou na sua figura, a roupagem era de Arlequim, mas, pelo semblante concentrado e atento, percebia-se que era antes um soldado que vestia uma roupagem alucinada.
O cavalo que montava era verde por causa da clorofila que lhe corria nas veias e cuja crina se enrodilhava nos troncos das árvores quando o vento era demais.
Foi o que aconteceu, o vento soprava cada vez mais forte, rumo à tempestade, e era a única forma de o travar, prendê-lo pelos cabelos aos pinheiros bravos.
O que se destacava eram mesmo as cores da farda, tão vivas que o nevoeiro se via obrigado a desaparecer para lhes dar lugar,

Esperava,debaixo de uma tília, que a chuva miúda acalmasse para prosseguir caminho. Resolveu sentar-se na pedra que ela tinha por debaixo, para descansar as pernas.
Ouviu-o muito antes de lhe reconhecer a figura espreitando por entre os pinheiros bravos. O colorido da roupagem destacava-se no nevoeiro cerrado.
Montava um cavalo verde por causa da clorofila que lhe corria nas veias, o cavalo era esverdeado, com uma grande crina esvoaçante que se prendia nos ramos das àrvores.
Quanto mais o vento incidia e aumentava assustadoramente a sua potência, mais os cabelos se lhe enrolavam nos galhos.








sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Fica Um Esboço

Ficam aqui registados para sempre os corações
que me entregaram sem eu pedir.
São os corações que ficam,
desenhos cor de rosa
que não desprezo porque não desprezo corações.
Nenhuns.
Nem o meu enquanto pulsar
mais ou menos acelerado.

Depois se verá se as palavras comoviam,
se era apenas saudades de estarem juntas
ou simples natureza morta
vinda das mãos de um pintor apático,
#Xerxes reinventado,
encadeado com o sol.

Perante, contudo,
metia estas últimas em fio laranja acetinado,
seja lá o que isso fôr, que condiz com outra cor.
Repito que pulsam.
O meu objetivo é só um.
Furar determinadas palavras como contas de colar para,
quando eu quiser,
as deixar cair no chão e rolarem no tempo guardadas
entre as ranhuras das tábuas.

Não deixou escapar a maçã, a folha de carvalho,
o vermelho vivo do sangue.
Isso não.

Sobre a mesa, de sobreaviso,
estavam dispostas as caixas com as letras,
tudo muito arrumado por secções.

O amarelo.
Não é que seja a minha cor preferida.
Não tenho cores preferidas, todas são belas,
em azul bebé de escrever o que me apetecer,
e depois são outras cores bombeadadas,
percorrendo o corpo pelos túneis habituais.

Por entre a terra circulavam os meus bichos de estimação.
Minhocas.

Nem podia fazer de outra forma.
Teria que olhar para as teclas primeiro para saber
como utilizar os  dedos rapidamente.
Os personagens são impacientes
principalmente os pássaros.
Tal como o inventor,  precisam
de mexer as mãos com destreza para não perderem o fio à meada,
para controlarem o caminho da insensatez,
ou da inexperiência. ou de outro azar qualquer.

Era um  soldado que vestia alucinadamente,
como só um arlequim pode vestir.
O seu cavalo era verde por causa da clorofila,
e galopava tão  velozmente que a sua crina brilhante esvoaçava
e se entrelaçava nas árvores dispostas nas beira das escadas.
as folhas foram-se embora e agora ficam os cabelos,
como fitas de Natal.

Esfregou as mãos de contente, por a ver nascer.
Era o mais bonito, ver nascer a joía,
e então em Lisboa, cidade de colinas,
imaginá-la num bonito pescoço branco.
Acabam por fazer de luzes luminosas
que contornam os barcos e a humidade que o rio provoca,
a acender e apagar.
sem se aperceberem.
Ou ao contrário, fingem que iluminam o negro da noite
que ninguém conhece.

Correram um atrás do outro, figuras encantadas, que riam.
Riam tanto que não eram capazes de manter o silêncio
quando  necessário,
Para os ouvir, cantando, naquela confusão equivocados com
a eletricidade
pensando que é a luz do sol.
As mangas de balão ajudavam a subida, degrau a degrau.
O vento entrava pelo decote, ou pelos punhos,
largos para o pulso. Os pulmões rspiravam alcatrão
Praças empedradas com os olhos no chão dos corações
de papel.

Se eu quisesse inventava uma história. Mas  não quero,
ou não consigo, não sei.
As histórias são todas parvas
São a estátua pensativa a sobressair de um círculo de ciclamens
em flor, só porque estamos no tempo deles,









terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Remo

Quando o inspetor Serra chegou ao local do crime, o corpo encontrava-se na beira do rio e uns metros à frente um remo ensanguentado parecia ter sido atirado ao acaso.
Debruçou-se sobre o cadáver, que tinha a cara esfacelada do lado direito.
Veja o que lhe está a sair do ouvido intacto? Cotonetes. Isso não lhe faz lembrar nada?
O ano passado ouve dois casos idênticos, em que o assassino enchia destruia a cara à vítima, mas só de um lado, e do outro . E se eu não estiver enganado, há-de ter a boca cheia de pasta dos dentes. O homicida ainda não foi apanhado.
Ora viu, espreite lá! O que lhe disse? Foi o Limpinho.
 Dá ideia que foge a correr e atira o remo para um lado qualquer, o remo ou outro objeto contundente. O ano passado foi com tarolos de madeira que apanhava nos bosques. Apareciam com restos de cérebro e outras minudências, abandonados a seguir ao crime.
Parece ser assolado pelos remorsos imediatamente a seguir ao ato, Vê aquele olho pendurado pelo nervo ótico ao ramo da tília?  Não lhe parece estranho a estátua precisamente do lado oposto, ter um sapato pendurado na espada? Vocês não reparam nas coisas importantes.













Nem Mãe #Tintim nem pai Milou

E era ali que as mulheres se entretinham a parir poemas,
quando nasciam eram embalados em braços cuidadosos.
e os poemas percorriam pequenos segmentos
de um lado para o outro
verdadeiros  pêndulos a adormecer.
Era, era uma vez o era uma vez o número sete, talvez.
O último
Fazem camisolas para guardar quentinhos
os mini versos acabados de nascer.
Olha que coisa tão linda, um bebé encantador, olho azul, um mar...
Num canto de pardieiro,
num lugar qualquer do mundo onde viva muita gente,
há sempre uma mulher meia louca
que está a parir um filho entre as pernas de uma cadeira manca.

Era a melodia que cantava quase sempre quando se sentia feliz.

Quando o bebé nasceu,
um poema que quis embalar em braços cuidadosos
fazendo-o percorrer pequenos segmentos
de um lado para o outro,
verdadeiros pêndulos para adormecer,
aqueles braços cruzados debaixo dele.






domingo, 9 de dezembro de 2018

#Pressão



Isto aconteceu a um domingo, já a querer anoitecer, o marido enganou-se na entrada e perdeu a segunda circular, imagine-se, uma estrada tão grande, lembrava-se vagamente de ver a indicação a desaparecer pelo vidro lateral, ver-lhe as costas pelo retrovisor cada vez mais pequenas e irrecuperáveis.
Mexeu nos cabelos imitando o gesto de colocar a rodilha no cocuruto  da cabeça para transportar a água dentro da bilha de barro fresco.
Lembrou-se de como era bom pôr a mão direita na anca, com a outra amparar o jarro, e seguir viagem com o cão atrás dela, o Pastor, até à fonte.
As cabras saltavam sebes, subiam árvores, uma até lhe partiu o jarro de barro uma vez, estava a ter essa bela recordação quando o marido a chamou à realidade.
Olhou-o.
Viu o perfil de condutor, concentrado, com as mãos no volante.
Por um momento esqueceu-se das bichas saltitonas, do sonho lindo que estava a ter e que lhe recuperava algumas memórias muito agradáveis, nem sabia porque se tinha lembrado das cabras, naquela altura do regresso a casa, dos seus dejetos tão engraçados, bolinhas arredondadas e escuras a pintalgarem os campos amarelados, como azeitonas em bacalhau à bráz.
Bela! Ouviu pela segunda vez. Bela o que andaste tu a fumar com a prima Antónia?
Mas os seus olhos vidrados, e a gargalhada estrondosa que deu, só porque  um candeeiro aceso lhe pareceu a lua cheia, retiraram ao homem qualquer dúvida. sobre a influência de estupefacientes no comportamento da mulher.
Bela recostou-se no banco, e semicerrou os olhos. Sentia uma certa #pressão na cabeça.
Voltou a ver os campos, os rasgos das silvas nas suas pernas, os pés calçados com umas tairocas que não lembrava ao diabo, mas muito originais e bonitas, e as cabras junto dela, em total liberdade.
Teve saudades da mata  selvagem a cobrir os montes, dos sussurro dos pequenos roedores, a roçagarem nas ervas secas e nas folhas, do gato a roubar as sardinhas do avô,  das sardinhas a roubarem o gato do avô, do avô a roubar as sardinhas do gato, do gato a roubar o avô das sardinhas, e por aí fora numa sequência de combinações que a matemática tão bem nos explica.
Então à Bela, deu-lhe uma vontade súbita de recordar o campo, e, antes que o marido tivesse tempo para dizer fosse o que fosse, propôs-lhe uma viagem a Caneças para o domingo seguinte, que ele aceitou muito aliviado por ver a esposa a regressar, lentamente, à  normalidade.







sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

vnsk

Sentado numa posição contrária a uma das muitas possíveis e confortáveis à natureza humana, seguia viagem numa jangada, falando com os peixes.
O seu percurso tornava-se diferente por causa daquela maldita opção de viver sobre a água.
observando a imensidão sem ninguém.
Os ombros iam caindo com o peso dos anos e da humidade salgada que não havia em terra firme, raramente avistava golfinhos, cachalotes ou baleias, os nós dos seus dedos eram tão rudes, mais rudes do que algum dia se verá por esse mundo fora.
A travessia louca a que se propunha, não era o maior dos seus sonhos, mas o chamamento tinha sido poderoso, por todos os céus sem fronteiras,havia um grito fortíssimo, convidando-o àquela jornada estúpida e difícil da solidão.
Ia escrevendo, pois, a tarefa maravilhosa que todos querem, todos sao capazes sem se debruçarem até colapsarem alguns dos nervos do corpo, perderem as horas que lhes são devidas, em alucinações.
Tinha a pele seca e queimada do sol, a barba rala por fazer, e pensava na sobrevivência acima de qualquer valor,  horas a fio, enquanto projetava poemas nos raios de sol intenso, que transportavam novidades das paisagens verdes, e quando lhas entregavam, o mar ficava dessa cor de jardim.
Do que era antes não tinha memória.
A bem dizer as memórias esgotavam-se, dissolviam-se em esquecimento, eram só palavras ditas por outras pessoas noutros lugares longínquos.
Na verdade, ouviu-lhes a voz líquida a atravessar o oceano ondulado, vezes sem conta, palavras indizíveis, e sobretudo muito simples, que se alojavam na sua cabeça, como algas ondulando, ou como  prova máxima daquela obrigatoriedade de ser  violento como um deus  em fúria, como a força da maior das tempestades, ou sereno como quem apenas observa para depois relatar calmamente aos seus pares.
O problema irresolúvel nem era a quantidade de água que o circundava, o curto espaço da barcaça, que nem permitia que se andasse para trás e para a frente, de mãos nas costas pensando no que abandonara ou no que via, ou no que viria a acontecer.
O problema era quando os peixes dormiam nas noites sem luar.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A Avó Lina

De manhã, quando o sol incidia sobre o espelho da casa de banho, era a altura melhor para tirar os pelos indesejáveis que lhe apareciam no queixo.

Preparava-se para abrir o saco do tricot, enterrada no fundo da cadeira com os pés envoltos nas pantufas para ver televisão, quando a campaínha tocou.
Dirigiu-se contrariada à porta, mas quando ouviu a voz da neta pelo intercomunicador, alegrou-se e abriu-a, satisfeita.
A esta hora? sorriu, não faz mal, podes vir à hora que quiseres. A casa é tua.
Venho apresentar-te o Pedro. Falei-lhe tanto de ti que deseja conhecer-te.
No ato de cumprimentar o rapaz, a avó Lina percebeu-lhe qualquer coisa de muito invulgar.
Não sabia explicar o motivo para aquela sensação tão forte e real, o ligeiro mau estar que lhe tinha causado, o seu olhar violeta, que, aliás, se tinha cruzado com o dela apenas por frações de segundo.
Percebeu que seria melhor chamar a neta à parte para lhe dizer do aviso que os seus sentidos.
Mila, vem comigo à cozinha. Quero mostrar-te uma coisa.
Enquanto se dirigia a um armário simulando um interesse natural, foi perguntando. De onde conheces este rapaz?
Mas antes que pudesse responder, já ele se encontrava encostado à ombreira da porta, de sorriso enigmático plantado no sembante pálido.
A avó Lina tirou um copo, encheu-o de água, bebeu uns golos, e colocou a restante no vaso pendurado no canto da janela.
Desviou o seu corpo, alto e esguio para ela e a neta  poderem passar, e seguiu-as de regresso à sala.







terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Uma Impossibilidade Para #Kitchenette


A pérola cai no chão.
Lasca-se no seu liso  arredondado, imperfeito.
Todo o colar acaba por se desmanchar.
Fica o fio nu, partido pelo meio,
ou por uma das pontas, frágeis para tanto peso.

Pérola rola para debaixo do armário,
prende-se na ranhura que existe entre os tacos de madeira,
e ali fica, fixa, durante muitos anos, até uma criança
colocar a cara  de lado com a bochacha colada ao soalho,
lustroso e brilhante,
que a Dolores tinha encerado nem há oito dias.

Pérola Branca, vivificada pelas mãos rechochudas,
pelos dedos infantis.
Com a ajuda de um palito encontrou muitas,
e juntou-as num canto.
Já fazia um pequeno monte,
o colar que tinha deixado de existir.

As pérolas abandonaram os pescoços de cisne
em que se passeavam pelos eventos,
abandonaram a gaveta onde eram guardadas,

como se vivessem ainda dentro da matéria morta
das conchas,











Como uma #Kitchenete no Jardim

Quando lhe vieram com a conversa, não se lembrava de nada,
e mesmo agora,depois de se dedicar a pensar no assunto,
não encontrava mais do que uma memória vaga,
uma lembrança insuficiente para lhe ativar os sentidos,
como se o seu corpo fosse já uma estátua de bronze no meio de um jardim de altas sebes,
como num labirinto, com a raínha má que nos persegue com a tropa assassina comandada pelos ases de copas.
O filho perguntou-lhe se queria alguma coisa.
Disse que não e agarrou a cabeça com as duas mãos para que não se soltasse
quando os jovens se empoleirassem nele, durante a noite, e se agarrassem ao seu pescoço.
Moínhos gritavam de dor, sangravam das feridas provocadas pelas lanças,
e enquanto Rocinante pastava,
o filho tocou-lhe no ombro, ao de leve,
ele sentiu a realidade do toque e inclinou  o tronco  ligeiramente,  assentindo.
Ninguém diria que era feito daquele material inerte e frio.
Os doze cisnes que voavam sobre o telhado, constantemente,
eram grandes lençoís brancos tapando a claridade, numa representação do medo,
e como tal, tomava medicamentos para os afastar.
Estavam suspensos do espanta espíritos pendurado na janela, para se servir à vontade.
Os seus invólucros metálicos, provocavam brilhos irrequietos nas paredes.
Mas isso foi antes de ficar ali, a criar musgo por causa da humidade.
Viu o rapaz fazer o caminho de retorno,
e gritou qualquer coisa impercetível qua lhe saíu da boca entreaberta,
esculpida majestosamente.
Ele não ouviu, claro.
 Todos lhe gabavam a pele esticada, o olhar concentrado, fixo na porta da entrada.
Quem não gostava dele, dizia que se escondia atrás de um grande tronco
e da chuva miúda que caía em volta da ilha de Avalon,
e que o viam, também, na barca, atravessando as águas e o nevoeiro,
logo pela manhã, como as guerreiras submersas na neblina.
Como mal se lembrava, semicerrava os olhos,
dentro do possível, ou aceitava o gesto de lhos fecharem
para que pudesse descansar um pouco daquela posição rígida.
em que o seu criador o colocou para sempre, numa bizarra homenagem.








domingo, 2 de dezembro de 2018

Nem Mais

Passava o sol em céu alaranjado
passava rápido
como não deveria acontecer.
Os dias tinham poucos minutos
de sol.
A escuridão era parte dos corações
da cor  habitual.

Bombeavam nem se sabe o quê
Não era sangue,
mas sim uma matéria pastosa
a que chamávamos, na altura,
princípio do fim.

Sem conecção com a realidade,
era ele que, afinal,
deixava a caneta correr.

Quando a noite se punha
que era sempre  noite
no mundo indiferente
onde o natal acontecia
cada vez mais cedo
e maior.

Eram meses de Natal
contornando as iluminações
puxando com grande vigor
a perna esquerda
que não obedecia tanto
como a outra.

Compravam-se discos, livros,
estava escuro, apesar das luzes,
#Maria Callas,
António Lobo Antunes,
ou um suporte para pôr
os tachos e as panelas a ferver.






quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Um #Gesto Normal

Andavam os anjos e as fadas madrinhas na sua rotina normal, correndo para o comboio, dentro dos automóveis no trânsito a praguejar uns contra os outros, muito irritados, ou nas compras de última hora, antes de chegarem a casa para um jantar rápido com as famílias, na sua azáfama habitual  e distraída, quando alguém reparou que , do céu, se aproximava qualquer coisa.
À medida que o vulto estava mais visível, puderam perceber que se tratava de uma pessoa normal, daquelas que só se viam nos filmes, ou nos livros, ou noutro qualquer mundo fantasioso.
Que se soubesse, concretamente, nunca ninguém tinha avistado semelhante ser, muito embora houvesse por todo lado representações suas, mas, tal como os dragões ou os minotauros, por exemplo, nada de o ver ao vivo. As pessoas normais pareciam não existir, só mesmo na imaginação de cada uma e de cada um.
Quando a pessoa normal aterrou sobre a estrada, fez, aliás,  uma aterragem perfeita, foi perdendo velocidade suave e gradualmente, até estancar completamente e sorrir para quem a observava,
os anjos foram-se juntando, encolhendo as asas ao longo do corpo para melhor se arrumarem uns nos outros e as fadas largaram os  afazeres que tinham com os seus protegidos, formando todos um círculo imperfeito à volta da criatura.
"Eu sou o Albano, Sou uma Pessoa normal"
Na plateia, alguém não gostou do que ouviu
"O quê? É só isso que tens para nos dizer? Isso já nós percebemos, Vê lá...!"
E para maior provocação, fazia #gestos com os punhos cerrados, como quem, a qualquer momento, lhe poderia espetar um soco na cara.
A multidão, influênciada pela criatura alfa que se encontrava no meio deles, começou a apanhar pedras para atirar ao Albano, mas, felizmente, acertaram-lhe no capacete, e ele, antes que se fizesse tarde,  ligou o motor e descolou até não se ver mais do que um ponto no horizonte.






terça-feira, 27 de novembro de 2018

Sem Titulo

Combinavam sempre ali, à porta do cinema.
e por isso era impossível não imaginar os estofos
macios
e o calor da sala.
O cartaz anunciava um filme por ver.

O hábito acompanhava-os pela escuridão
sem destino ,
às voltas pelas ruas dos passeios silenciosos,
dos portões, onde, de repente,
os cães apareciam a  ladrar, guardando as vivendas.
"Não te aproximes"

E eles saltavam das pedras da calçada, rindo do susto,
prosseguindo com os tacões das botas ressoando
no asfalto.

Àquela hora, raros carros passavam,
Os seus risos misturavam-se na atmosfera,
como estrelas cristalinas,
com a beleza indiscritivel do que não se exprime
por palavras.

#Bertolucci, num cartaz colorido e convidativo,
tinha ficado para trás,
muitos passos atrás, para além da lua
cheia,
que prateava todas as coisas que não eram
de prata.

E a estrada sem cor ganhava tons  inesperados,
e dobravam-se as árvores sobre as suas sombras,
murmurando...


segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Humilde Homenagem a #Eça_de_Queirós e a Todos os Outros

Do seu corpo extinguiu-se a chama, restando num pequeno monte, as brasas incandescentes praticamente a morrer.

A tinta permanente seria transformada, pelos métodos usuais de transformação, cada um na devida época, evidentemente, em palavras que ficam.

Ideias cinza, que se misturam no universo, como as cinzas que lançamos do alto de uma falésia, para que as sua partículas sejam absorvidas  pelos olhares em metamorfose do  futuro, esse mesmo futuro que acaba por nunca sair dos nossos pés,

Quaisquer uns. Que as absorvam , não importa a distância.

Um homem constroí as palavras, inventa personagens, prolonga a tinta permanente, o computador, a aldeia, o velho pescador sentado à porta de casa com o mar em frente, com convicção.

O velho aquece o corpo numa fogueira moribunda, como referi. Aquece os pés, de que também já falei, e de onde o futuro nunca sai.

Haverá sempre alguém incompreensivelmente insatisfeito com o estilo virtuoso, a paixão.

Foram, no entanto, criadas as condições ideais para que a poeira se transforme em gigantes Adamastores , alterando tudo.

E o que não existia, nasceu, da simbiose desse mesmo pó com as divagações, as matérias que lançámos para voar, quando estávamos nas rochas a sentir o vento.

 E, se nos concentrarmos muito, mas mesmo muito, ouviremos  as gargalhadas solitárias sobre o tampo da mesa, de onde brotaram, expontânea e simultaneamente, as ondas, as tempestades e todas as paixões.













sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Quinze Dias

Fazia quinze dias
que os limpava,
muito bem limpos,
e depois ficava a observá-los,
embevecido.

Alguns tão bonitos e reluzentes
outros, rugosos, de cor indefinida,
e a todos levava ao ouvido
para verificar se  mantinham
o seu chamamento
intacto.

Ouvia as vozes da água,
lá no fundo,
e das gaivotas em estado gasoso.

Ouvia o sal na superfície
das rochas, e na sua,
que eram iguais,
de mil cristais bruxuleantes.
em dias de tempestade.

Quando assim era,
a tarde entrava pela noite fora
e ele ficava perdido no tempo,
esquecendo as horas.

Nem se alimentava, não tinha fome
que justificasse levantar-se,
quase nada o faria interromper
a observação dos mesmos.

 Mantinha, inexplicavelmente,
desde há quinze dias,
o cabelo desalinhado e sujo
a #braguilha desabotoada,
os dentes por lavar,
e um dos maiores oceanos
dentro da sala de estar.

Os búzios sonoros que tinha
sobre a mesa,
colocados  uns em frente
aos outros, marcavam,
de certa forma,
alguns dos pontos de interceção
das ondas.

Não era necessário falar
com ninguém.







quarta-feira, 21 de novembro de 2018

A Mulher da Gabardina ou " O Último #Zuavo em Dia Errado

Parecia aquela mulher da gabardina, que sempre esperava o autocarro quando eu passava em frente à paragem.
Podia ser logo pela manhã, com a sua frescura a entrar-nos em força pela pele, ou à tarde no meio das horas em que poucos andam na rua, ou mesmo à noitinha, quando as sombras começam a desvanecer e a cidade ganha tons prateados, até imergir na noite encantada dos candeeiros artificiais.
Podia ser qualquer hora, que lá estava ela, ou de pé, encostada com o ombro direito à estrutura metálica, ou sentada, fingindo ler.
Ou tinha as pernas cruzadas e as palavras cruzadas no colo.
Nunca lhe vi a cara.
Só a indumentária, as botas altas, até ao joelho gordo, a gabardina gorda, a mala gorda que transportava sempre consigo, cheia de tralha.
Coisas que lhe caíam pelo caminho, da sacola que transbordava, eu ia apanhando.
Acabava por vê-la sempre ali.
Chegava primeiro, e punha-se à espera uns segundos antes de mim.
Usava sempre gabardina, de verão e de inverno, porque chovia para lá do tempo conhecido.
Esse tempo era o curto  intervalo entre nós.
 A gabardina da desconhecida não precisava era  ter aquela cor tão morta, tão cor de água turva, ou baça.
Uma réstea de qualquer coisa que agarramos sem existir.
Lá estava ela, e eu, divididas.
Como se um machado certeiro nos separasse em duas metades iguais.
Os seus dedos gordos, onde um grandioso anel se sentia sufocado e tentava respirar, arrumavam as coisas muito rápidamente, e eu, deslumbrada pela perícia das suas mãos, deixava-me ficar a olhar, embasbacada.
 Sentindo-a como, muito provavelmente, se sente a presença de um fantasma.
Perdia ali pelo menos uns cinco minutos, de cada vez, mas nunca lhe vi a cara.
 Nunca a olhei diretamente com medo de não lhe encontrar os olhos.
 No seu lugar, podiam estar dois berlindes de pedras rosáceas fazendo reflexos hipnotizantes.
Um dia, deixei de a ver.
Foi quando um pássaro desconhecido, de asas largas e bico comprido, foi encontrado morto atrás de um banco de jardim.
Repousava numa grande poça de lama, onde navegavam  três botões de madeira vogando calmamente junto às margens do beje ondulante.
Quando veio o bom tempo, e o sol secou as coisas molhadas,  encontrei, meio enterrado na terra argilosa, o meu anel dos encantos.








Poema Para Um #Zuavo Desconhecido

Corria a deixar
passar o tempo
nebuloso da doença.

Coisas tão pouco atraentes,
como o ruído
das obras do vizinho
sobrepunham-se
 às horas de espera,
ou melhor,
cobriam-nas com um cobertor.

Trazia sempre uma cápsula
de veneno,  no bolso,
para o caso de ser necessária.

Os homens atiravam pedras,
havia muitas pedras naquele chão,
boas para serem arremessadas.

Atchim,
faziam os patos no jardim.

Bastava olhar lá para fora
e ver o contraste das últimas
folhas de fogo
sobressaíndo das hastes,
no fundo dos fundos
do céu plúmbeo.

(Haverá um tempo
em que nem essas
sobras de sol
estarão disponíveis
por entre as nuvens
negras.)

Durante o inverno detestável,
que o deixava sempre nú
como se fosse uma
árvore.


O que rodava entre os dedos
metidos nas luvas de lã,
e apertados pelo tecido
grosso do casaco,
não era, afinal,
uma dose letal
que acabaria com...

Só se rebentasse nas suas
mãos.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Rudolfo em #Yaoundé

Rudolfo ia andando
até à fonte
com a certeza de que,
mais uma vez, a água
estaria sem força,
caindo em pingos,


Pelo caminho tinha tempo
para pensar numa solução.
Ás vezes,
levava uns recipientes
para armazenar
o maior número possível
de adjetivos
que se insinuavam
pelos poros da terra
até ali chegarem.

Ou usava um bloco
de notas
e apontava tudo
o que lhe viesse à cabeça,
desde
os ruídos secos das folhas
a serem calcadas
pelas suas botas,
até ao frigir
das que ainda estavam
nas árvores
em movimentos
de ventos incertos
entrando
nos seus ouvidos
em notas  separadas
como a solidão inteira.

Se chovesse prata,
por estes dias,
os caudais encheriam
novamente,
veríamos imagens de coisas
que já nos aconteceram,
e que alimentariam
quantos
dedos compridos
quanta poesia ainda
por inventar.



Fumo


Gostava muito mais dos dias que começavam tranquilamente.
Quando se atrasava para o trabalho ficava irritado para o dia inteiro. já não podia fazer o trajeto com a calma  que gostava, tinha que acelerar o passo, deixava de ser um passeio matinal revigorante para se tornar uma correria desagradável.
Se, por sorte, o atraso não era grande ainda se tolerava, mas se o tempo passava a correr, o autocarro demorava a vir, ou qualquer outro transtorno, e os minutos voavam no relógio sem controlo algum, e ele chegava esbaforido, a ver os colegas a olharem-no com cara de caso, esses dias tinham tudo para correr mal até ao finzinho da noite, em que colocava o gorro com um pompom amarelo para se ir deitar.
Ao dia zero de um mês de inverno rigoroso, saíu de casa, muito cedo.
 Andou uns metros pelo passeio sujo ainda de sobras de folhas de outono, e atravessou o jardim com toda a calma do mundo. Tinha muito tempo.
Passava ele numa passagem estreita, entre uma oliveira e um rododendro de flor branca, quando percebeu que alguém estava por ali a fumar, escondido, porque ,apesar de não se ver vivalma, cheirava intensamente a fumo de tabaco.
"Psst" Ouviu nitidamente, percebendo que o som vinha de cima, do topo de uma das árvores mais próximas.
Olhou para cima, e viu um melro a fumar, olhando para ele com olhos de chimpanzé, e muito concentrado.
Nunca tinha assistido a semelhante coisa, nem sabia, tão pouco, que os pássaros fumavam, e então, resolveu tirar-lhe uma fotografia, para mostrar a um ornitólogo seu amigo e de muita confiança, nascido em #Yaoundé, mas criado em Carcavelos onde, desde tenra idade, se enfiava no lago para correr atrás dos patos e das garças.
Perante descoberta tão fabulosa, resolveu telefonar para o serviço avisando que não contassem com ele, mas o animal deitou o cigarro para longe, e, num vôo rasante, roubou-lhe o telemovel.
Não podia deixar de dar parte à polícia.  Infelizmente, demorou-se uma eternidade na esquadra, preenchendo burocracias e tentando descrever o melhor possível o ladrão.
Nesse dia, chegou duas horas depois que lhe foram descontadas no magro ordenado.







sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Sem uma #Verruga


Sempre que podia, trepava o monte,  descia-o do outro lado, e refugiava-se no vale escondido de pessegueiros e oliveiras que cresciam, abandonados e selvagens, e em cujos troncos se enrolavam livremente as hastes das videiras.
Sentava-se na pedra habitual, comia a sua bucha, agitando a bengala quando se irritava com os versos que insistiam em não nascer, ou quando as abelhas se aproximavam demais.
Tinha a cara  atravessada por centenas de rugas, umas mais superficiais outras mais fundas, que se cruzavam, sem qualquer simetria ou padrão.
Quando  a Avó Clara era viva, e era ela que tinha as rugas incrustadas na pele, e ele era tão pequeno, a que morreu no sono tranquilo, um dia deitou-se e não acordou mais, como se o corpo velho ficasse apenas a descansar ali, para sempre, sem os óculos tartaruga  que depois permaneceram, durante meses em cima da mesa de cabeceira, chamava-o pondo as mãos em concha, debaixo do alpendre da cozinha: "Manel, olha o almoço", mas sabia que ele não ira responder.
 Ela voltava para dentro, limpava as mãos ao avental, remexia  o lume feito no chão, para o manter vivo, e ele crepitava debaixo das panelas e soprava o seu fumo negro de encontro às  paredes.
 Entendia muito bem que o Manel se perdesse nos caminhos, ou debaixo das árvores.
Nos dias de feira, passavam os homens e as mulheres em cima das carroças cheias de produtos para vender,
Pelo estrada de terra, já iam apregoando coisas para começar cedo a cativar as pessoas que por ali andassem em movimento:
Ele ia atrás, na sua bicicleta, a marcha era lenta, e às vezes punha um pé no chão para se equilibrar. Nem estava ali para comprar nada, apenas para mais tarde, chegar a casa e escrever palavras inimagináveis, e nunca antes ouvidas no mercado da aldeia.
Subiria a um banco, na semana seguinte, e declamá-las-ia para toda a gente.
Entre os livros da escola, metia outros. Sempre.
Teria que esperar que se recolhessem, o irmão, a mãe, a avó Clara, que o chamava pondo as mãos em concha, e que morreu no sono tranquilo, sonhando com as estevas compactas a produzirem um polén azul inusitado de dentro das suas flores, para escrever.
Debaixo do colchão guardava muitos dos versos, em papéis soltos.
Havia tardes que observava as ervas secas, e os gafanhotos, que se mantinham quietos até ao momento de o seguirem na sua marcha, pela beira do rio, passando a pontezeca,, e chegando outra vez ao  quintal.
Com a ponta da bengala, fazia-os saltar.




nnnn

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Bichos

Aborrecida que eu estava
de não ter ideias,
olho pela janela, distraídamente,
e vejo, com nitidez,
um #ultimato a trepar uma
árvore.
Nesta zona aparecem bastantes,
mas é preciso estar com muita
atenção
para se toparem os seus corpos
longuilíneos,
que se misturam
nas fissuras da madeira
como se dela fizessem parte..

.
A grande cauda,
enrola-se em hélice,
ou melhor dizendo,
vai rodando sobre um eixo
que a tranforma,
até já não parecer mais
uma cauda.

Os olhos reviram
como os do camaleão

Estende a língua bifucada
e desumana
tão rápida que
até apanhou um pássaro,
desprevenido,
sem, no entanto,
provocar qulquer vibração
nas folhas
ou nos troncos, ou nos galhos,
que permaneceram
iguais.

Depois desceu,
enfiou-se num buraco na terra,
e foi  ondulando pelos
túneis,
até reaparecer do outro lado.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

As Tangerinas (do grupo Era Uma Vez)

Era uma vez uma menina muito má.
Logo quando nasceu, e abriu os olhos pela primeira vez, as enfermeiras perceberam a maldade que havia dentro dela por causa daquele olhar gelado e maléfico.
Quando já tinha idade para ir à rua fazer uns recados, a mãe mandava-a à mercearia fazer pequenas compras, de alguma coisa que faltava à última hora, e era quando a miúda aproveitava para fazer maldades.
Nesse dia, tinha de comprar #tangerinas e outras pequenas merdices que não vale a pena mencionar.
Quando se viu com o saco na mão, percebeu que aqueles pequenos frutos eram bons projéteis para atirar às pessoas. Talvez, quem sabe, conseguisse magoar alguém como deve ser.
O problema era que tinha que chegar a casa ainda com algumas para a mãe não desconfiar, mas como era muito previdente, enquanto as pusera no saco, tinha, também, roubado umas quantas e metido dentro dos bolsos.
Conseguiu acertar numas quantas pessoas, o que a deixou feliz, mas, quando tentou partir o vidro de um carro, o fruto desfez-se com o impacto, e não chegou a causar nenhum estrago.
Frustrada, voltou a entrar na loja e perguntou se podia trocar as tangerinas por cebolas, ou batata doce, por serem mais pesadas, e, portanto, melhores para fazer estragos.
Foi quando viu as meloas, e sorriu de satisfação.
"Levo quatro. Depois a minha mãe vem cá pagar a diferença"
Foi assim que morreu a D. Alice, atingida em plena rua, na cabeça, sem hipótese de reanimação, e foi também assim que sr. António ficou paraplégico durante meses, até recuperar depois de milhentas sessões de fisioterapia.
Hoje em dia, é uma mulher adulta muito normal, e até, mais boazinha do que a maioria das pessoas, facto que a ciência não sabe explicar.


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Os Sapatos de Stan-Lee

#Stan_Lee, um dia foi ao cinema.
A mulher sentada à sua  frente tinha  uma grande cabeleira redonda, tapando-lhe as imagens do filme.
  Movia a cabeça com o rigor de um pêndulo, ou com se estivesse virada ao contrário, presa pelos pés, ou como se a lua ondulasse, suspensa por  uma boa corda de aço, e balançasse ao sabor do vento noturno em noites de lua cheia, ou qualquer outra impossibilidade parva.
 A verdade é que não via nada para a frente.
Num reflexo inconsciente e entorpecido, fez o gesto de inclinar o chapéu sobre a cara para se proteger dos insetos, que aproveitavam a sua imobilidade, e foi-se enroscando para dormir uma sesta no veludo encarnado das cadeiras.
Acabou por adormecer.
Ao fechar os olhos, as libélulas entraram subrepticiamente no seu sono.
Talvez pela sua influência, nem uns segundos depois, já ele imaginava helicópteros, naves espaciais, ou hidroaviões amarando em todas as superfícies espelhadas.
Por causa dessas belezas metálicas, os pássaros verdadeiros iam fugindo, com medo daqueles animais muito maiores e incandescentes.
Eram tantos, que formavam nuvens compactas e a luz esmorecia.
Também as aves solitárias se definiam no céu imenso, imóveis sobre a parte negra das árvores.
Quando acordou, a erva seca que roía tinha-lhe caído da boca. o vento tinha-a levado, e tinha os seus lindos sapatos praticamente desfeitos, como, aliás, lhe acontecia sempre.
Desta vez, um deles tinha um buraco previsível num ponto crucial, ligeiramente desviado de um dos eixos principais do seu esqueleto vaidoso.
Pelo menos assim lhe parecia.
 O outro, o cão estava a roê-lo, fixando-o ao chão com as patas.
O esquerdo, com um arredondado gasto na planta do pé onde o dito suporta mais peso, todo o peso que se carrega sobre as pedras do caminho irregular.
O direito, estava irreconhecível, estraçalhado aleatoriamente pelos dentes do animal, que, acabou por acalmar com as palavras suaves do dono.
Na sala, lá nos confins das superfícies estofadas, alguém riu, nervosamente, durante o tempo todo, mas calou-se quando acenderam as luzes e deram por terminada a sessão, e não chegou, sequer, a ver-lhe o rosto.
Então,  enquanto os outros iam saindo em filas ordeiras, ele  esperou um pouco. e ficou sentado a olhar as solas  com o interesse relativo do costume, era apenas mais uma prova, a juntar às outras, mais uma vez..., de que vivia outras vidas enquanto dormia, e pisava o asfalto e as  rochas soltas, correndo às cegas pelo  nevoeiro cinzento e impenetrável.



As pessoas comoviam-se
com as coisas que viam,
e começavam a chorar muito, muito,
e formava-se um rio
que saía pelas portas
dos velhos cinemas,
o S. Jorge, por exemplo,
descia todas as escadas
que tinha que descer,
acumulava-se no passeio com
lindos desenhos incrustados
na calçada,
e começava a descer a Avenida,
levando folhas, beatas,
pedaços de coisinhas por ali fora,
que rodopiavam nas sarjetas,
e ali ficavam,
tapando as entradas de água,
facilitando
aquele fluxo que se adensava,
que já inundava o Rossio,
acabando por chegar ao Tejo,
onde,
misturado com as àguas turvas e doces
que já vinham de muito longe,
atravessando as lezírias
e outros tipos de terrenos
mais ou menos acidentados,
acabava por se misturar com o oceano
que banhava , por  momentos,
as praias salgadas.







sábado, 10 de novembro de 2018

Uma Velhinha

Os sofás eram muito baixos, por isso a senhora ficou enterrada naquele conforto sem se conseguir levantar.
A seguir foram jantar, e as cadeiras eram muito altas e elegantes, e a mulher ficou pendurada sem conseguir de lá sair.
"Ò Pedrito, ajuda-me aqui, ó Joana, alcança-me ali a bengala,
Viste como o púcaro ficou brilhante, Joaninha ? E a bitola? Aprendeste?
Estou #quilha(da) com isto. Não ouço  nada do que me dizes"
De cada vez que insistiam num aparelho auditivo, ela recusava, o quê? Dissimulava que não ouvia a pergunta.
Uma vez até lhe deram um recadinho com tudo lá escrito  para lhe retirarem a hipótese de fingir não perceber, mas ela, num canto do mesmo papel, desenhando muito bem a frase para que pudessem apreciar a sua bonita caligrafia, e demorando uma eternidade a responder, escreveu:
"O quê? Não entendi."O quê? Não entendi.".
Duas vezes para apurar o desenho das letras.
O primeiro que tinha experimentado, fazia interferência com a televisão, sobretudo nas vozes mais agudas de algumas locutoras de que gostava tanto, tornando-se insuportável.
Ainda ouve uma segunda tentativa em que se cedeu à experiência, mas neste, a regulação do som era impossível.
Os filhos diziam-lhe: Ó mãe pôe à altura que tu quiseres",  mas na posição três, que podia controlar através de um comando que guardava no bolso, não se ouvia praticamente nada, e na quatro já os decibeís atingiam uma potência que lhe chegava ao sistema nervoso central.
À tarde, depois das comezainas, dos risos, ouvia os risos, que tinham qualquer coisa de audível, sobressaíam  do ruído compacto, voltaram a ajudá-la a sentar-se no mesmo canto, baixo mas cómodo e aconchegante, onde, com a boca entreaberta, se deixou dormitar pela tarde fora.


quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O Botão

A senhora #Obama sentou-se, desesperada, numa cadeira em frente ao espelho.
Sobre a cama, repousavam quatro vestidos que já tinha experimentado para ir a uma gala que haveria de decorrer nessa noite.
Como todas as mulheres que têm roupa suscetível de ser escolhida, porque também há, por esse mundo fora, uma enorme percentagem daquelas que não a têm  para escolher, sentia-se descontente com a figura que estava a ver, refletida no espelho.
Dois deles já tinha eliminado como hipótese, o vermelho que lhe dava um ar de candeeiro vintage, e o branco, que, com tantas aplicações transparentes no tecido branco,  lhe fazia lembrar, vagamente, um micro-ondas dos anos noventa.
"E este azul?"
Retirou-o do armário e experimentou-o, mas, devido ao facto de ter engordado uns quilos desde a altura em que o comprara, quando tentou fechar os botões, um deles saltou acertando violentamente no olho direito da empregada que por ali cirandava, a fingir que estava a limpar o pó.
"Ai, porra!" disse a rapariga,  no inglês possível para quem tinha vindo de um país da América do Sul não fazia nem dois anos.
Entretanto a pálpebra da criatura não parava de inchar.
"Tens que ir ao hospital", mas o seu seguro de Saúde não cobria acidentes com botões que atingem os olhos violentamente.
Como não estou a ver forma de acabar esta história, agora deveria introduzir outra vez a cena dos vestidos para lhe dar consistência,e tenho uma certa fome, acho que vou jantar.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

muro

É um orgulho poder afirmar que já estive ao pé do #muro mais baixo do mundo.
 Acreditem, que em toda a sua extensão não tem mais do que um palmo de altura.
Menos só um pouquinho e já nem era considerado muro, era uma treta sem nome e que não servia para nada, mas não é o caso deste.
Nem os animaizinhos um muro tão baixo empata, e então passam-no com grande facilidade, as minhocas, as formigas, os besouros, tudo o que ande por lá a mexer, menos os gafanhotos porque saltam até mais alto.
Reza a lenda que quando uma menina ia a passar, tive o previlégio de estar mesmo nesse local, onde dizem que tudo aconteceu, tropeçou naquela saliência, e, ao dar com a cara no chão, viu uma joaninha aflita, de que nem a moscarda tinha dado conta, ao fazer a sua ronda noturna, por estar camuflada debaixo de umas folhas.
Essa joaninha era, afinal, a Raínha das Joanas que andava por ali a passear, uma espécie de fada e anjo da parte da mãe e elfo da parte do pai, mas o cabelo negro azeviche revelava o sangue da bruxa da avó, Joanoca Pé de Cabra, e ela não queria. por isso usava um manto sobre a cabeça.
Quando se deu o acidente, o manto voô-lhe para longe , mas a criança encontrou-o, e entregou-lho, para ela esconder a cabeleira que a envergonhava tanto, e por isso, ainda hoje,  os insetos gostam tanto daquele minimurinho encantador, por representar bondades incríveis das crianças.
Se puder, hei-de lá voltar.











Muro

Para além das redes sociais, também os observadores das redes sociais andavam, evidentemente, ocupadíssimos.
Se uns queriam que fosse construído, outros odiavam a ideia, a ponto de desejarem que o #muro um dia caísse e matasse toda a gente que por lá estivesse perto.
Queriam construí-lo em toda a fronteira que nos separa dos nossos irmãos.
Os que argumentavam a favor, diziam que era apenas delimitar o espaço, como se murássemos a nossa quintazinha para a tornar mais acolhedora.
Tinha, também, a vantagem de, nem as vacas nem os porcos passarem para o lado de lá. Não era a primeira vez que os nossos vizinhos se queixavam de encontrar estes animais lusos espalhados pelos seus campos, que não falavam uma palavra de castelhano. Ou galego. Ou basco, ou outra.
Os que argumentavam contra, diziam, é claro, tratar-se de uma profanação à liberdade e que era inadmissível.
E por falar em quintas, e em vozes que não chegam ao céu, o projeto foi mantido inalterável e deram início à sua construção, numa bela tarde de sol.
Mas  as pessoas quiseram ter parte ativa neste acontecimento, tão do interesse de todos, e juntaram-se no local, os a favor e os contra, os primeiros ajudando a edificá-lo, e os segundos iam destruíndo o que já estava feito.
Às dezanove horas fechavam os trabalhos, para uns e para outros, porque era hora de fazer o jantar e depois comê-lo, e depois dormir.
Felizmente que as grandes enxurradas de Novembro de dois mil e vinte varreram aquela área, e o assunto morreu por ali.








domingo, 4 de novembro de 2018

Enquanto o #Lince Dormita

Pegou nas infinitas possibilidades de escrever
o outono,
porque era esse o seu encanto, apenas esse,
a capacidade de ser reproduzido
e multiplicado infinitamente,
com as cores todas que tem,
e os tons que encantam desde sempre,

.
Quantas vezes já li as folhas secas
ou quantas vezes alguém antes de mim
as mencionou
em grande quantidade
espalhadas pelo chão, num tapete de fogo.
Porque é isso que nos intriga, a nós,
os crédulos, os ingénuos, os patetas,
o fogo que nelas há,
quando se espera que estejam mortas.

sábado, 3 de novembro de 2018

Kodac

Encontraram-no, depois de ter sido esfaqueado dentro da sua própria casa.
Ainda com vida, só conseguiu balbuciar uma palavra: Kodac. E apontou debilmente, para uma estatueta de bronze em cima da mesa. Morreu imediatamente a seguir.
O presumível assassino foi apanhado rapidamente. Corria, desenfreado pelas ruas, com uma faca ensanguentada na mão.
Uma hora depois, e equidistante do local do crime, foi avistado outro indivíduo empunhando uma arma branca e assustando os transeuntes que se escondiam dentro do sistema de esgotos da cidade.
Mas Miguelito era corajoso. Levantou a tampa de metal para espreitar, e o que viu? Uma terceira criatura também armada com o mesmo tipo de arma, e depois outra, e mais outra, e mais outra!  Só então  se lembrou:
 Era o Dia Mundial dos Assassinatos, e decorria na vila uma grande festa comemorativa.
Entretanto, a equipa forense recolhia provas no local do crime. Anastácia colocava uma peúga dentro de um saco esterilizado, enquanto Jonas abanava a estatueta que, ao primeiro toque se estilhaçou como se o Kodac estivesse dentro dela, faz muitos anos, a corroê-la totalmente.
Miguelito atreveu-se pelas ruas perigosas e chegou, esbaforido à beira dos detetives. Anastácia deu-lhe uma galheta.
"Desculpa" disse ela arrependida, "Esqueci-me de tirar as luvas."
"Não faz mal" disse o miúdo sorridente. "Venho diretamente do esgoto. Ele disse Kodac antes de morrer? Então, muito naturalmente foi alguém que se entusiasmou com as festividades."
"É o que calculamos, puto. Tu és esperto. E corajoso. Como te chamas?"
"Miguelito."



jso

Ataca, #Kodac! E o cão partiu numa corrida rápida até chegar ao pé do indivíduo e lhe dilacerar uma perna.
Seguiram caminho.
Ao fundo da rua, num beco sujo e escuro, viu movimentar-se uma sombra. Ataca, Kodac! e o animal voltou a correr desenfreadamente para o local.
Mas quando se aproximou, estancou, de súbito, e começou a tremer de medo.
Quando, finalmente,  o dono do Kodac alcançou o seu cão, percebeu tudo. Sentado entre um contentor de lixo e o sujo da parede, estava o Miguelito, desaparecido há tempos, e muito conhecido por ser o menino mais estúpido das redondezas.


quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Gabriela, ou Mais uma História Parva

Gabriela levantou-se pensando que viveria mais um dia igual a tantos outros.
Quando colocou os pés no chão, ao sair da cama, não sabia que, no meio da rotina costumeira, se passariam coisas muito para além do que se pode esperar de um dia normal.
Pelo menos na sua cabecinha de criança perdida, desde sempre, nos bosques  dos livros de contos de histórias de encantar,  tinha, agora, a oportunidade de encontrar, se iniciasse as buscas logo pela manhã, os dois cisnes negros que a perseguiam, para, num futuro próximo, se alimentarem do seu trabalho de poeta, da sua construção, aniquilando a beleza das coisas.
Se não tivesse o máximo cuidado.
Era necessário subir uma grande escadaria.
A altura dos degraus, para uma menina tão pequena, era enorme, mas Gabriela alçava a perna o mais possível, subia-os um a um, devagar, e não desistia.
Percebeu, logo aí, nesse acaso que a vida lhe reservou, que a sua primeira provação era, precisamente essa, verificar que as palavras não são nada comparadas com a grande árvore centenária, de tronco grosso e ósseo e amoroso, que acabara de encontrar no cume do firmamento.
Compará-las com as garças imóveis sobre as pernas compridas e finas, ou com as magnólias na altura da floração, enraízadas na sua cabecinha tonta, na sua massa cinzenta rosada, era pura perda de tempo.
O que eram as recordações, então? E como se marcavam no tic tac do relógio?
Buscava insistentemente, espreitava atrás dos arbustos, pelas grutas, pelos prados, procurava   a Viúva  má e a Águia má, para lhes perguntar.
Depois de subir o mais possível, chegou a um campo de trigo, esperando ver as borboletas que por lá serpenteiam, pelo meio das hastes de palha. Nada.
Como escrevo isto?
Ninguém acreditaria em mais uma menina tola, que, no descampado ardia para que fosse  a sua vez de jogar.
 Quantas gotas de evapotranspiração, tiveram que  cair fazendo plim, e ela sentada numa pedra, à espera que essa palavra horrorosa soltasse a sua gota, para quem não sabe, uma  lágrima que se forma nas plantas, na ponta das suas folhas, quando bebem demais.
Caíram quatro no chão. Pimba! Formando #jazigos de água.
De facto, deixou de  acreditar nelas. Desde esse dia.
A partir daí, e para o resto da sua vida, os seus olhos  ficaram eternamente a lançar nomes para fora do tempo comum, calando aquilo que os outros não querem ouvir.
Era só o gosto, ou o medo, não sei, de entrar na caverna, para lá dentro  receber o eco das vozes, sei lá eu vozes de quem ou de quê:
Gabriela, mostra-nos as voltas que  dás para dançar em liberdade!













#Imbróglio


Lá em baixo, rondam um homem e uma mulher.
Ora um, ora outro, cada um no seu pedaço,
fazem as suas hortinhas, separados por
um pequeno riacho murado.

Ás vezes, andam por lá os dois ao mesmo tempo.
Talvez nem se apercebam um do outro,
ambos cavando abóboras e  outras plantas comestíveis.

Sempre farão algum ruído comum, digo eu,
que possam reconhecer,
para que não se sintam amedrontados
com alguma má intenção, oculta do outro lado.

Construíram, com canas, ou com o que tinham mais à mão,
traves mestras que mal suportam os seus velhos toldos rasgados,
que tinham para lá, na garagem.

Depois, colocam aqueles  grandes recipientes vazios no chão,
com o objetivo de aproveitar a água pluvial.
Espalham-nos como sementes atiradas ao ar, aleatoriamente.

O processo, rudimentar, de armazenar
o recurso da chuva é louvável,
mas o horizonte é violentado pelo horroroso
plástico azul, que esfaqueia, mais uma vez,
a  bela paisagem.

Também cá em cima acontecem coisas desagradáveis.

 As folhas que o vento transportou até aqui,
e que vieram a rolar como quem dança livremente
por todas as estações do ano,
ficaram ensopadas, e transformadas em pequenos montes
de lixo repelente, por aí espalhado.

E não sei mais que escreva que não seja nada.
Fim











.






quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Halloween



Quando se vivem tempos de crise, essa falta de dinheiro circulante também se reflete no #Halloween.
Com o pretexto de que as abóboras estavam  em vias de extinção, ou que eram perigosas,  já nem me lembro bem da justificação que deu, na altura, houve um ano em que o nosso Presidente da Câmara teve que reduzir o orçamento para os enfeites alegóricos, logo, tivemos menos abóboras espalhadas pela vila.
A minha tia Lurdes, então, passou o tempo a refilar.
 Cruzava uma esquina, olhava fixamente para um canto qualquer, e rematava:
 "Olha..., vês? O ano passado estava aqui uma. Que tristeza. Malandros...! Pelo menos a abóbora menina, espero que não a tenham tirado das palhinhas. Isso, então, era demais!
Ah..., olha..., ali mantiveram. Vá lá...Que linda, esta!"
E apontou para a careca alaranjada do vizinho, sentado à porta de casa.
Tudo bem, por mim está sempre tudo bem, e até percebo a sua confusão. E também ela não era pessoa que me agradasse contrariar porque  sabia, à partida, sofrer de ataques nervosos,
Limitei-me a rezar para que  o senhor não falasse ao passarmos por ele, mas, e sem saber o mal que provocava, na mais pura das delicadezas, o homem cumprimentou-nos.
Tive um momento de aflição. "Queres ver que vai começar a espumar pela boca e a dizer palavrões de fazer corar a pessoa mais ordinária do mundo?"
"Olha, Célita, são poucas mas falam! Que lindo!"
A minha boa tia, felizmente, foi só o que me disse, "Olha, Célita, são poucas mas falam! Que lindo!"
e seguimos caminho.
"Olha, Célita, são poucas mas falam! Que lindo!"
Como não se calasse, dei-lhe doi sopapos e deixei-a sentada numa paragem de autocarro, protegida da chuva.








domingo, 28 de outubro de 2018

Amélia

Se me atrevesse a perceber cada uma delas, viradas para o mar, silenciosas, a sombra dos seus jardins em flor, do outro lado da estrada, não haveria água cristalina, notas de música, e não haveria um único poema.
Enquanto  eles ficaram por lá, naquela cadência habitual, mergulhar, secar, mergulhar, nós fomos dar um passeio.
Contornámos a curva larga, atrevêmo-nos numa rua  que parecia não ter fim.
Há sempre um maestro que nos conduz, como numa orquestra,
o seu papel no universo é precisamente, conduzir os violinos, as flautas, o contrabaixo,
ou outros instrumentos quaisquer, colocados nas rochas planas, nada de falésias,
apenas rochas horizontais,  línguas de pedra húmida,
de onde, inexplicavelmente, brotavam também rosas para colher em  ramos, cada um de sua cor, para lhe serem entregues no final, em sinal de reconhecimento.
Não é fácil descrever a rua, curvando para baixo, para depois seguir, comprida,
acompanhando o mar, que está do lado esquerdo, bem o vi, atrás dos  enfeites do restaurante e das grades do terraço, como se a sua vastidão fosse um grande olho prescrutador..
Levávamos mochilas ou sacos pequenos com os nossos pertences, por exemplo a carteira, a toalha, os cigarros.
A  areia terra sujava-nos os  pés.
Que bela ideia aquele miradouro verde ao fundo da baía luminosa, o mar tranquilo e azul, não há outra forma de o dizer, o mar tranquilo e suave por todo o lado.
Sentámo-nos num banco de madeira a apreciar o grande infinito
que ali estava à nossa frente, aparentemente mudo.
Depois, seguimos para lá do fim.
Nem as pessoas por ali andam já, porque não há paciência  para aguentar o vibrar impercetível da luz do dia a morrer, e a passarada a voar em preciosos ciclos de matar o tempo.
Cada gesto que fizeste, eu bem vi, atrás de uma cortina, os teus olhos de cera líquida que nos espreitavam, com o corpo evadido
e o coração acelerado como nós, considerando-nos a todos   uns malfeitores, porque perturbamos as ervas aprumadas, que, ao momento, nem se mexem, a tua vivenda majestosa e isolada, de guarda aos  oceanos sem fim.
Nem as cigarras cantam, não se ouve rigorosamente nada, e essa ausência de som acaba por nos cobrir, como se de um manto invisível se tratasse, os ombros arredondados, a descoberto na roupa leve,





quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Amadeu

Nos últimos tempos andava a notar na mulher qualquer coisa de estranho. Havia nela uma frieza que não lhe era habitual, esquivava-se com desculpas apressadas à sua aproximação, e mesmo quando tentava um gesto meigo, como um beijo na testa quando saía de casa para o trabalho, ou quando chegava cansado, e se abeirava dela para a cumprimentar, percebia-lhe nos olhos um vazio, sentia-lhe a pele arisca comunicando em silêncio que algo não estava bem.
Um dia de Inverno escuro, de frio húmido que atravessava tudo até chegar aos ossos, um frio impossível de combater fossem quais fossem os processos utilizados para aquecer as casas ou o corpo dos indivíduos daquela terra perdida num monte, encontrou um recado sobre a mesa da cozinha.

"#Amadeu, eu vou morrer. Deixo-te para que te lembres de mim a sorrir, para que não vivas a tristeza de  me ver  definhar, como acredito que nos próximos tempos me vai acontecer. Lembra-te, Amadeu. Eu sou alegria, sempre fui, e tu, melhor que ninguém, sabes disso, e é assim que te peço, encarecidamente, que te lembres da minha pessoa, sempre a rir."

Amadeu dobrou o papel em quatro, guardou-o dentro da mão fechada, e deitou-se em cima da cama por abrir.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Beirute



A vizinha  chegou-se à varanda e sobrepôs a sua voz irritante ao canto dos pássaros.
Aquelas palavras ocas a embaterem umas nas outras faziam um ruído desagradável.
"Passemos à sala", dizia ela aproveitando para sibilar os esses, como fazem as cobras.
Nesse preciso momento, #Beirute pulou para cima da secretária.
Ficou à minha frente com as patas enroladas e a sua silhueta de esfinge negra.
"Passemos à sala" repetia, e eu a escrevê-la com um fio de tinta que me escorria dos dedos que absorviam coisas inimagináveis e mágicas.
O gato preto agora dorme, ou finge, talvez.
Sei que bastará uma invisibilidade qualquer  para se pôr alerta.
Calou-se. A vizinha calou-se e voltou para dentro.
 Ouvi-lhe os saltos que batiam nos mosaicos do terraço. Ouvi até o som desaparecer.

Encontrei um  recado ilegível debaixo da porta, escrito com uma letra escorrida sem ter traços ou pernas, ou pontos no is.
Beirute aproximou-se, devagar, e fixou os olhos na parede,

#Beirute (Emendar C)


Abriu a porta do pequeno edifício onde vivia,
num beco escuro.

Pela sua  fachada, virada a norte,
o dia luminoso nunca  entrava pelas varandas,
e os prédios em redor
tapavam qualquer claridade possível,
também muito porque a rua
era demasiado estreita.

Subiu a escada de madeira  gasta,
os cinco degraus que se encontravam
entre ele e a porta da sua casa.
que abriu,
metendo a chave à fechadura das sete chaves,
enferrujada, por causa da humidade.

Depois de entrar, deu-lhe duas voltas.
Atravessou a casa pequena
para chegar aos dois palmos de terra
um pouco descuidados, que havia do outro lado.
Soalheiros.

Lá fora, o lixo amontoava-se nos cantos,
em volumes de folhas secas,
e outros objetos tão leves que
vêm de todos os sítios,
rodopiam no ar até embaterem
contra muros de quintal ao abandono.

São penas de pássaro, pelos de gato e de cão,
empurrados pela brisa com a maior das facilidades,
e ali ficam,
até alguém os retirar para um saco do lixo.

No meio da confusão,
ao lado de uma pirâmide de  vasos
de barro, vazios,
enfiados uns nos outros,
sentava-se naquela cadeira.
cujas quatro pernas se encontravam
quase totalmente tapadas pelas ervas,
não obstante, haver no chão, em frente,
um pequeno pedaço de terra batida
que era o lugar  dos seus pés.


terça-feira, 23 de outubro de 2018

O #Aljube da Praia

Ia a formiga aos tropeções de cada vez que alguém pisava a areia.
Os miúdos, então, leves e rápidos, faziam levantar os grãos mais alto e mais longe,
bem..., os muito pesados também eram perigosos, podiam esborrachá-la com alguma facilidade.

E lá ia ela de pernas para o ar, arremessada para onde calhasse a sua sorte.

Duas das patas dianteiras seguravam, sobre o dorso, sobras de um cadáver de barata
que ela e as suas amigas tinham esventrado à sombra de um velho chapéu de sol, inclinado o suficiente para o efeito.

Ao fundo  ouvia-se o  cantar da cigarra, que vibrava entre as ervas secas, e provocava uma ligeiríssima brisa que, ouvida pelos seus ouvidos, tendia a refrescar o calor do verão, e mais ao fundo ainda, de madeira gasta pelo sal da água, era mais no inverno que o mar salpicava tudo de sal corrosivo e a própria atmosfera era húmida e desagradável, a sua casa, onde havia túneis à sua medida, entre as tábuas do chão.

Com alguma dificuldade, retomou o seu percurso, aproximando-se, inadvertidamente daquele perigo, perigoso, e parou, veja-se, parou quando por lá passou em frente, para ver o balanço dos juncos na ria.
E lá estava ela, a cigarra quase invisível,cantando as suas melodias provocatórias, "Eu é que sou feliz, eu é que sou feliz", repetia, sem se cansar.








segunda-feira, 22 de outubro de 2018

#Zoom II

Encontrámos a conhecida jovem fotógrafa Graça Zauzume mesmo à saída da sua exposição, que decorre na Gulbenkian.
Graça, e muito graças ao zoom, é uma artista genial, tal como sua mãe, Usa Usume, figura de grande destaque  nesta área.







#Zoom

Zoom concentrou-se o necessário
para comunicar com a mãe,
que estava do outro lado do mundo,
em trabalho.

Imediatamente a seguir,
viu a sua figura, num holograma
refletido , sobre o bulício da vila,
sorrindo, indiferente.

A sua imagem sobrepunha-se
ao tempo odioso do inverno,
destacava-se pelas cores
sépia
da sua figura irreal

(Antes não era assim.
Era mais comum
deixar-se um recado sobre a mesa.
Tirava-se um a folha de
um caderno velho e inútil,
procurava-se uma caneta perdida
no tampo das secretárias
dos quartos das crianças,
ou dentro de uma gaveta,
As mensagens serviam para orientar,
o almoço está no forno,
o dinheiro está acolá),

Entrou na bolha gelatinosa e redonda,
permeável a pensamentos humanos
e infantis,
só  para a abraçar.
Como num filme antigo,
ou num sonho  etéreo.

Sentiu a sua mão no cabelo desalinhado,
o ligeiro, movimento dos dedos,
as batidas do coração coladas
ao seu próprio corpo
ritmadas e fortes.
pum, pum,
pum, pum.



.











sábado, 20 de outubro de 2018

#Xarroco

"Imagina", contava-me ele com um ar indignado, "que queria  que eu acreditasse que a sogra se tinha tansformado num xarroco.
E eu perguntava-lhe se , com o passar dos anos, tinha ficado assim tão horrível, ou teria a pele demasiado escamada, o que lhe conferia aspeto de peixe, mas ele insistia, _não está com ar nenhum de peixe, transformou-se mesmo num_."
Enquanto falava comigo, fumava, nervosamente, cigarro atrás de cigarro, de tal maneira que já havia uma nuvem sobre  a esplanada, e chovia uma cinza miúda acompanhada de um ou outro cinzeiro e maços de tabaco vazios e amachucados.
"E tu não o chamaste à razão? Não lhe disseste que isso é impossível? Que, por muito que as sogras sejam chatas, não se transformam em animais?
O empregado chegou-se à beira da nossa mesa. Eu pedi uma cerveja e um pratinho de Wiskas para gatos esterilizados, para petiscar. Ele ordenou um osso para roer, por causa dos dentes, e uma tijela com água mineral.
"Disse-me que, quando chega a casa, ela está esparramada no chão, com uma grande boca de onde saem inúmeros disparates, e aparenta ter falta de ar, e,  com alguma dificuldade, pede-lhe para a ajudar a encher a banheira, para mergulhar.
"Isso é, de facto, um absurdo. Não deves alimentar esse disparate. Se eu estivesse no teu lugar já lhe tinha rosnado, ou mesmo mordido nas partes baixas, ou nas nádegas"
"Mas.., nas partes baixas? Porquê?"
"Ora, francamente! Achas que lhe chegas aos ombros, ou à cabeça, com a tua estatura? Só se o apanhares sentado"
"Não. Ele é muito esperto. Nunca se senta, com medo."
"Estás a abanar a cauda porquê? Ah, chegou a Lassie..."



sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Wenders

Primeiro, Wenders não existe.
Depois, lentamente, e com a máxima concentração, podemos começar a imaginar um homem.
Muito antes de compôr o seu aspeto físico é necessário construir para ele uma certa personalidade, pois que, como sabemos, a personalidade de uma pessoa, e também a sua educação, e o dinheiro a que têm acesso, ele e a sua família mais chegada, determinam a forma como se veste, os seus gestos, o seu discurso, a sua postura no mundo.
Wenders pode ter olhos de poeta, pode ser um grande empresário, um político corrupto, um transsexual, um toxicodependente com o corpo e a mente arruinados e os braços em sangue com o sarcoma de Kaposi a subir por eles acima, acusador e mortal.
Wenders pode viver na rua, pode ter piolhos, e/ou sarna, e dormir por baixo da montra de uma loja de alta costura, onde só entra só um ou outro Wenders influente, que manda retirar dali o primeiro porque o incomoda ao passar.
Pode ser um velho imprestável, uma carga de problemas para todos enquanto morre e não morre...
E seria então  chegado o momento de dar corpo a Wenders, mas não sei por que fenómeno deconhecido e irreal, e precisamente hoje, nesta sexta feira de Outono, logo de manhã, Wenders nem o seu nome tem,  nem a minha, nem a sua  voz.






quinta-feira, 18 de outubro de 2018

flgbkn

a maré alta
entre as rochas
formou
pequenos lagos de
água salgada,
que brilham
e tudo cintila,
cor de laranja
mesmo as vagas
ou as sombras
projetadas
na  areia molhada
e vaga
e as águas dolentes





quarta-feira, 17 de outubro de 2018

#Rita Hayworth

Vão vivendo mais um pouco,
até as pessoas deixarem de partilhar as suas fotografias,
só enquanto formos lembrando.

Trabalhava as ditas cujas com amor,
todas elas, sem exceção, as notas, as vozes, as melodias,
e as próprias palavras.

Lá estava o cão, recortado ao luar,
naquela hora solitária
que escolhia  para as recordações.
Até ao fim.

Os braços estendidos, idolatrando a sua pessoa,
os aplausos,
quando se tratava de aplaudir,
o público, incansável, não deixava de bater palmas.

O tempo, um tempo artístico, todos os poetas,
os deuses,
se queixam de um tempo finito e inútil,
e eu, para os animar, canto-lhes as minhas canções.

Puxava a cortina, até ao sol já não incidir sobre o ecrâ.

Ao fundo,
já depois dos livros,
depois da parede,
depois da janela do quarto,
depois do ocaso,
depois do acaso de nos termos encontrado,
no universo flutuante dos seres.

Apenas via bolhas de ar a sair da sua boca.
Elevavam-se dentro de água,
desejando chegar à superfície
para se misturarem, rapidamente,
com o ar morno da manhã.

Era um borbulhar  indecifrável,
e líquido, e então foi por isso...,

tantos "entãos" que uso
para não dizer nada,
e então, como dizia,
a lua e o cão, a lua e o cão,
a lua e o cão...

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Ass #Unção


Dizem que uma ocasião estava a Ass Unção a limpar o adro da igreja, quando  uma figura de pedra lhe chamou a atenção por se mover, lá no canto do pátio onde estava instalada, parecendo deveras incomodada.
"Psst...," ouviu com nitidez.
"O queres tu , sua velhaca,?" perguntou, revelando alguma confiança com a dita. Mas, como era hábito, ela não lhe respondeu.
Aquilo irritava sempre  Ass Unção.  Primeiro falava-lhe, e depois ingnorava-a completamente, como se quisesse fingir que  não tinha acontecido, que nunca a tinha abordado, para depois ninguém acreditar na sua história.
Já  um pouco amedrotada com a situação, de cada vez que ia lá fora varrer sentia a presença dela como se estivesse viva, a senhora lembrou-se de arranjar uma  manta  velha para a cobrir, e dessa forma  deixar de a ver. Quem sabe, pudesse ser solução para o problema.
O anjo, por sua vez, sentiu-se completamente atabafado e cheio de calor, e, passada nem meia hora,  Ass Unção viu-se abrigada a ir ver o que se passava com ele. O anjo ardia em febre. A pedra, que antes era branca, estava agora escarlate.
Então, num ritual comprovadamente eficaz, que lhe tinha ensinado sua avó ancestral, ainda dos tempos em que andava tudo nú, sobretudo as pessoas mais pobres, ungiu a boca, a bunda e a barriguita  do anjo com um unguento gorduroso, esperando baixar-lhe a temperatura do corpo, unto esse que lhe sobrou de barrar a forma do pão de ló,
Mas foi em vão.
Dizem  que a  estátua sucumbiu aos seus pés,














segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Sem Título

Quem entrasse pelas traseiras veria o lado mais agradável da casa. Era em frente à  cozinha que pendiam, presos nos barrotes que suportavam o peso do alpendre, vasos de plantas caídas com as flores abertas e coloridas, subindo connosco os degraus até à porta.
O gato gostava de dormir no tapete. Parecia fazer de propósito, quanto mais movimento houvesse, mais ele  se espalmava no meio do caminho, a fazer de empecilho para toda a gente.
Sentava-me a um canto, no primeiro degrau, punha os pés no segundo, ou no terceiro conforme queria estar sentada. com as pernas encolhidas, ou esticadas para ver  os pés a sairem das chinelas de borracha, presas aos dedos nús de uma forma bastante simples.

O calcanhar já saía um pouco da sola, tinha que pedir à  mãe para lhe comprar outras.
O limoeiro e a doce lima, provocavam, juntos, uma boa sombra, onde o cão aproveitava para dormir a sesta, nos dias em que o sol embatia com mais força.

Os homens levam os milhares de folhas castanhas, que caíram das árvores, ajudadas pelo vento que se tem feito sentir.
Sopram-nas com o ar que sai de um tubo, agarrado com firmeza pelas mãos duras, e elas voam para a estrada e são apanhadas por um veículo aspirador que circula imediatamente atrás.
Recolhem a #talha dourada para que não haja inundações.

Os homens recolherão os milhares de folhas, que cairão.






sábado, 13 de outubro de 2018

Uma #Romã na Tempestade

Devido ao bom tempo
e às condições atmosféricas
favoráveis,
anteriores,
viveram como  aves
durante muito tempo

Mantinham-se, pairando.

Mas uma ocasião,
o vento  forte
soprou sobre um grupo
de palavras, daquelas,
mais distraídas,
que ali estavam à conversa.

Nem se aperceberam
da tempestade a aproximar-se.

Foi demasiado rápido,
e acabou por levar
o que conseguiu arrancar
do amontoado.

Nomeadamente as coisas
soltas.

Algumas amparavam-se,
entre si,
esticavam os  braços
o mais que conseguiam,
entrelaçavam-se
umas nas outras.

Até se abraçavam,
para fazer frente à ventania,
mas acabava sempre
por fugir qualquer coisa.

Voava tudo
o que estivesse solto,
os barcos batiam nas rochas,
os destroços vogavam
nas ondas.

Voavam os carapuços
dos sobretudos,
os aneís dos dedos,
e a mão dormente que
segurava o guarda chuva.






quinta-feira, 11 de outubro de 2018

#Praxe, ou Ritual

"Separou-se do corpo,"
era só o que pensava desde cedo,
evitando olhar o espelho
para  não deparar com
o seu sósia,  a rebuscar
noutra coisa qualquer.

Puxava utilidades dos cantos da casa,
e punha-se a remexer
nelas.

Mas a ideia movimentava-se
em pequenas espirais, na atmosfera,
como se movimentam as folhas secas,
rodopiando as cores

"Separou-se do corpo".
diriam os anjos, talvez,

mas premente era agora,
em que urgia
separar o corpo do joio,
o trigo das planícies,
os salgueiros das margens
do rio, um dia viriam
os homens e as máquinas,
e arrancá-los-iam pelas raízes.

Felizmente é cedo.

Ainda hoje me virão entregar
mais uma remessa de palavras,
que gastarei como quiser.
Lá para as dezoito horas.

Tenho a noite toda,
e o dia de amanhã.

"Separou-se do corpo"



quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Meu Querido Boris Vian

As três irmãs viviam numa casa, ao cimo da rua, suspensa no ar.
Naquela tarde desceram  juntas, era raro verem-se juntas a descer a rua, habitualmente descia uma de cada vez e encontravam-se em frente à loja de corações que fazia esquina com a grande avenida por onde passavam os comboios sem carris, os autocarros sem rodas e as motoretas com asas de morcego, muito em moda naquela época de crise financeira, por não necessitarem de grande quantidade de combustivel.  Duas ou três moscas por dia era suficiente para percorrerem uma enorme quantidade de quilómetros.
Birra, #Ópio e Aguardente, eram muito educadas. Cumprimentavam a vizinhança sempre com um sorriso nos lábios, Ópio não, porque não tinha lábios. No seu lugar podia ver-se uma chave de parafusos que sempre tinha o cuidado de pintar com um baton muito encarnado para ficar mais bonita.
Mas, dizia, sendo filhas da classe média alta, estavam, desde pequenas habituadas a uma razoável educação, e então, quando passavam por alguém conhecido, cumprimentavam sempre. Birra dava um salto mortal à retaguarda, Ópio atirava o que levasse na mão para o alto, normalmente a mochila que voltava a apanhar e a colocar nas costas, e Aguardente elevava o corpo um metro ou dois do passeio e, quando aterrava, fazia uma grande vénia, tocando com a testa no chão.
O sr. Cabranaço estranhou terem passado por ele sem quase o verem, como se tivessem todas o pensamento ocupado com alguma coisa preocupante.
Ficou a vê-las seguirem o seu caminho, com passos decididos, muito embora dessem dois para a frente e um para trás, numa coreografia a que ele não estava habituado.
Viu-as entrar na loja dos corações, e de imediato, saírem a correr com um fígado de porco ainda a pingar sumo de laranja, e no segundo seguinte, o dono da loja, o sr. Palermoíde, assomou à porta com uma faca na mão.
Meia hora depois, a polícia, fardada a rigor para ocasiões de assalto, fatos de mergulhador aos quais não faltavam as barbatanas, apareceram no local, mas já Birra, Aguardente e Ópio se encontravam muito longe, sentadas no telhado da igreja, a tirar das unhas os restos de sangue.


terça-feira, 9 de outubro de 2018

No País das Gaivotas

Enfiavam-se no início da onda,
e saíam do outro lado,
quando ela esmorecia na outra ponta,
eretos e corajosos,
homens e mulheres a enfrentar o mar,
num desporto, rasteiro e espumoso
que invadia a praia,
dissolvia-se na areia, e morria ali.

Um grupo de gaivotas ,
reunidas a apanhar o sol da manhã.

Naquela, por exemplo, cabia tudo,
de tão grande que ela era,
e aquele mar imenso,
sei lá porque o mar imenso
sempre me encanta tanto,
que volto em passeios para o apreciar.

E é por isso que aqui estou,
simples e inofensiva
a gostar de estar em palavras,
e mesmo que mal contadas
que ao menos recordem
vagamente o seu azul arrebatador
e inexplicável.


As lamúrias dos peixes
os segredos das algas,
a #nostalgia das estrelas em noites
sem uma nesga de luar.

Pois se o tenho à minha frente
sempre que me apeteça
em apenas uns quilómetros,
e de todas as formas.

Em quase todo o lado o mar está perto,
e, claro, elas apoderam-se das cidades,
quando têm vontade,
ou quando precisam de abrigo,
porque ele se revoltou e agigantou as ondas,
de forma a causarem medo
por não se estar em terra firme.

As rochas erguem-se altivas e  perigosas,
na maré alta,
naquele canto aquoso de murmúrios insondáveis
da água a passar por entre as pedras,
enquanto a areia brilha ao sol.

Cada grão pode ser um polígno de mil lados,
que podem refletir a  luz,
e a refleção incidir no céu majestoso,
que por sua vez reflete na superfície do oceano,
e esse vaivem de moléculas na atmosfera
torna a claridade  quase insuportável.











segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Sempre, ou #Maniqueismo, ou o Bem, ou o Mal.

Sempre que me sento aqui, discutindo assuntos contigo, reparo que pouco envelheces.

Conforme o crescimento das folhas, assim muda o teu perfil, de gigante aletátorio nascido dos plátanos.

Uma invenção, é verdade, mas, o que é facto, é que, mesmo quando não há folhas, porque o inverno já as levou todas para o chão, a tua silhueta não desaparece, continua definida numa renda de madeira viva.

Reparo que perdeste o queixo ponteagudo, de um ano para o outro, e ganhaste uma expressão  de criança inocente, de contornos  arredondados, um capricho da mãe  natureza, e com o qual nada tenho  a ver, nem me parece que corresponda verdadeiramente à tua personalidade.

Os buracos das órbitas, esses, mantêm-se intactos, desde sempre, como  parentises necessários para uma explicação aparte que preciso dar a alguém, e, como poderias perfeitamente ser um pássaro, alinham-se para que eu os veja, daqui,  sobrepostos como se fossem um só.

 Felizmente que assim é, porque, quando desaparecer esse espaço vazio, ou esses espaços vazios, convenhamos, é porque um de nós, muito provavelmente, já deixou  de existir.
É o lugar cativo dos olhos. Oco, para haver abertura.

Fico tão feliz por te conhecer, já tantos anos passados, de amizade, em que me acompanhaste no tempo, aquietando-o.

Temos oportunidade de conversar sempre que queremos, um previlégio, acredita, e também serve para evitar a confusão. Não gosto de confusões na cabeça.
E assim tenho-te a ti,

Estão recriados os moínhos de vento.daquele outro sonhador, quero lá saber, é uma mentira excecional que resolveu ganhar vida, e disso eu não me esqueço, nunca. Mas atenção, porque estes são mais verdadeiros, mais reais.

 Estão, efetivamente ali, recortados na paisagem. disponíveis para quem os queira..., mas parece não haver ninguém...

O mau tempo vai levar tudo. Aliviar-te-á desse verde brutal que te encurva as costas, por causa do peso das folhas de papel, sempre vou  roubando uma ou outra, como  um vício.

Mas falaremos na mesma, tu não és como eu. Tu não tens frio, ou qualquer outro desconforto, só sede, eventualmente, nas estações mais quentes, talvez...

Portanto, ainda que debaixo da chuva, ou de outros temporais gelados, serás meu amigo, e não é este vidro que nos separa, um simples vidro, frágil, que não me fará recordar-te para sempre e estou certa que farás o mesmo comigo.


São troncos em desordem, impossíveis de aproveitar como linhas paralelas para escrever poemas.
E são atirados para o céu, como braços.