sexta-feira, 13 de julho de 2018

Lixo III

A hera crescia livremente tapando-lhe as paredes estragadas.
Para além dos insetos nada mais se ouvia naquela noite. 
Estávamos lá. 
Conseguimos, finalmente, agarrar com firmeza o cenário das horas seguintes.
Era um local aparentemente familiar, sim, frequentemente lá passávamos, a rasar o portão velho com as nossas  malas. 
No inverno,  em que áquela hora era noite cerrada, o amarelado do clarão das lâmpadas dos candeeiros, espetados na beira da estrada, ou um luar mortiço mais que longínquo,  eram as suas únicas fonte de luz.
Foi a curiosidade que nos impeliu a visitá-la.. 
Esperámos uma hora discreta, rondando um pouco pelo passeio, e, quando achámos oportuno, saltámos o muro. 
A porta abriu ao primeiro safanão, uma porta com restos de relevos na madeira, geometrias perdidas pelo tempo das chuvas ou, no verão, pelo sol direto e quente a bater de chapa.
Era ele que lascava a sua tinta indefinida, de cor irreconhecível e as letras de um nome que eu gostava de  ter lido. 
A sua deterioração  tornou-me essa  tarefa impossível.
Entrámos. 
Os quartos, o teto a cair, com um grande buraco a um canto, a antiga chaminé da cozinha, começaram a falar connosco, todos ao mesmo tempo, mas sem pronunciarem palavras de nenhuma língua conhecida. 
Bichanavam outra coisa qualquer.
Mantivémo-nos por lá, uma hora ou duas, talvez mais,  ouvindo-os. 
Depois saímos. 
O portão chiou de tal forma que os morcegos levantaram vôo, por entre  as árvores e por entre os telhados.
Ouvimos o ruído seco e desgostoso das suas asas.
Depois de andarmos uns passos, olhámos, a medo,  para trás.
Tudo tinha desaparecido.
Menos o caixote do #lixo, que se mantinha, no seu discreto tom encarniçado.

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