sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Jardim Zoológico

O leão era o que tomava conta do jardim. Andava sempre muito bem arranjado, com a farda muito limpinha e o boné colocado impecavelmente.
Ainda bem que a volta estava no fim, porque era quase hora do almoço e já sentia uma certa fome. Passou pelas avestruzes, pelos gnus, pelos veados e parece que ainda mais sentiu a fraqueza, mas, felizmente, já  tinha mandado vir da tasca em frente, a Sangue do Bairro, onde trabalhavam maioritariamente símios, habilidosos na preparação das coisas, uma bela peça do lombo cru para a refeição. 
Todos nós, homens e animais, somos tentados pelo poder, e o nosso amigo não era diferente. Vai daí que hesitou em abrir as jaulas dos javalis (ele também sabia que as gorduras não são nada saudáveis,  mas então... era um defeito que tinha), já que era possuidor de todas as chaves, e de lá retirar um bebé com dois meses e com o melhor aspeto do mundo. Todavia, o leão era um animal de grande responsabilidade, gostava de fazer o seu trabalho o mais corretamente possível, por isso controlou-se e esperou, com alguma impaciência, convenhamos, que o macaco da transportadora chegasse com a comida.
Alfonsina, a mãe de um bonito bamby, andava muito preocupada com o filho. Notava cada vez mais que o seu menino franzia aqueles olhinhos negros e grandes, o que poderia querer dizer que precisava de óculos. Ela própria os usava e, às vezes, estes problemas  são hereditários,  de forma que não pensava noutra coisa, naqueles últimos dias. Tencionava pedir uma consulta de oftalmologia para o menino, mas era muito difícil marcar, tanto porque as listas de espera eram grandes, quase todos os animais precisavam, hoje em dia,  de correção para qualquer coisa, até os tubarões tinham, agora, aparelhos para endireitar os dentes e os elefantes passavam a vida constipados, com as grandes trombas cheias de ranho, um aborrecimento.
Após o almoço,  o leão voltou a percorrer o espaço. Verificou, agora de barriga cheia, mais atento ao que se passava em seu redor, que a mãe do bamby não estava nada satisfeita.
Abriu a porta do recinto onde ela estava e chamou-a. 
Ela lá lhe explicou tudo, e ele, meigo, fez-lhe duas ou três festas no lombo, com as unhas encolhidas para não a magoar. 
Golias, o gorila, há muito que não suportava a prepotência do leão.  Bem podia vir com festas e carinhos, de vez em quando, que ele bem sabia como, num ápice, se tranformava no maior predador de sempre.
De forma que, apanhou uma grande pedra junto ao rio, subiu uma árvore com a copa mesmo sobre aqueles dois que conversavam e deixou-a cair mesmo na direção da cabeça do ditador.
Fim