domingo, 18 de agosto de 2019

#Postal_de_férias Sem Forma de Um

De vez em quando
por causa de uma palavra
que nem é nada
mas que ecoa por aí,
enquanto arrumamos
meia dúzia de merdas,
de vez em quando,
ia dizendo,
escrevêmos algumas
palavras que julgamos
guardar por aí
em papeís.



Mais tarde,
ao observarmos
os buracos dos cortinados
a embatem sob a forma
de luz, na parede
em frente,
lembramos, finalmente,
o momento em que,
os largámos, um dia
sobre um monte de jornais.

Mas, talvez por causa
do muito tempo,
que  passou,
não sei,
os "emes" perderam as ondas,
que lhes são habituais,
todas as vogais estão, agora,
iguais,
e a letra escorre sem sentido
como nas fontes
em que a água
cai num fio
formando ilegíveis aneís.






domingo, 4 de agosto de 2019

Composição

O gato preto dormia empoleirado numa caixa de cartão. O sol não o atingia, antes os seus raios passavam sobre o dorso esticado do animal que dormia deitado em equilíbrio, na sua parte lateral.
que já nem espantava que tivesse esticado o corpo para caber tão bem, em equilíbrio.
Tirou os óculos para limpar as lentes, pela milionésima vez.
Os automóveis ouviam-se passar.
Vrumm... Aproximavam-se rapidamente e depois o ruído esmorecia, até deixarem completamente de se ouvir. Depois vinham outros e outros.



O maldito não se deixa apanhar.
Há anos que se mantém definido nas folhas,  mas quando tento fotografá-lo, esfuma-se como o diabo,
não se revela nas imagens que captei.
Todavia está ali, com as barbas ondulando e os grandes olhos transparentes, ou inexisentes, ainda não entendi, que me permitem  olhar  o outro lado da rua através das suas órbitas vazias.
Vejo-lhe a popa formada pelo  cabelo verde, agora, em tempos de chuva silenciosa e novos rebentos, mas no inverno mantém o penteado tal e qual, apenas lhe mudam os tons das madeixas para castanho.
Nunca me falou em nada de extraordinário. Nada de muito bonito ou muito feio, nem fala grande coisa o monstro da árvore, só está ali acompanhando a minha existência, murmurando ao sabor do vento com o seu perfil ondulante.
Se esse vento é forte, e às vezes é tão forte que derruba coisas, nem por isso se desmancha,
apenas  dança com movimentos mais intensos do que o habitual.
O corpo em que se alojou, um grande tronco de árvore velha, parece não lhe interessar, quase paira sobre ele, enquanto me vai avisando com a cadência do tempo a passar:
"Eu venho doutro universo e só tu me vês, só tu me vês, só tu me vês..."