terça-feira, 31 de julho de 2018

Vamos a Banhos




Quando caminhava
com os olhos postos no chão,
chocou com um transeunte
por não o ver aproximar-se
em sentido contrário.
Se foi castigo dos céus
o que aconteceu
ou equilíbrio da natureza,
não sabia.
Nada sabia de muito relevante.
Simultaneamente
um automóvel  passou,
rodou as suas rodas do lado direito
bem no meio de uma poça.
E ele acordou, claro,
devido áquele inesparado
#banho de lama.
Foi assim que
terminaram, abruptamente,
as  conversas tolas
que, ao momento, mantinha
consigo mesmo, sobre
os dentes dos elefantes
os espinhos das rosas
e o petróleo brilhante, a refletir
em todo o lado.
Banhos não. Nada sabia,
não sabia de nada.
sob aquela
perspetiva de mares negros.


Na terceira tentativa
de apanhar búzios em aflição
só para os poder ouvir
a gritar,
presos no seu universo pequeno,
e encaracolado.
molhou uma última vez
a ponta dos pés na água
mas só o contacto com ela, fria,
tornou a desistência mais fácil.




segunda-feira, 30 de julho de 2018

Os Aviões


Fazia #aviões de papel que lançava para voarem em grandes viagens de criança, as maiores e mais distantes de todas.
Sentado no chão estavam, o seu irmão, acompanhado por dois soldados de chumbo que lutavam sobre a terra, entrincheirados nas ervas.
O planeta rodava devagar, para o lado habitual, mas, infelizmente, as nuvens cinzentas deslocaram-se  rapidamente em sentido contrário e começou a chover torrencialmente.
 o que fez com que ela saltasse e ela deu um salto cá para baixo, ele guardou os brinquedos no bolso, tão à pressa, que deixou cair um em queda livre que ficou deitado na terra, imóvel.
A chuva caíu tão intensa que as formigas se esconderam nos seus buracos,  e o valente boneco, foi soterrado até ao tronco, quando a terra resvalou cheia de folhas secas.

A chuva caíu tão intensa que as formigas se esconderam nos seus buracos, e ele ficou soterrado até ao tronco debaixo da terra e das folhas secas, que tinham resvalado aos poucos.
O planeta rodou para o seu lado preferido, as nuvens deslocaram-se rapidamente em sentido contrário



O irmão brincava com dois soldados de chumbo que lutavam sobre a terra, entrincheirados nas ervas.
Ela, sentada no muro, tinha encontrado uma folha de jornal, e, enquanto balançava as pernas, dobrou-a para fazer um #avião de papel, que lançou numa grande e alucinante viagem de criança, sobre as videiras em flor.
Ele, enquanto brincava, via as formigas que passavam ao seu lado, com grandes carregamentos de coisas, que eram guardadas dentro de pequenos buracos no chão.
Quando iniciou a chuva, nem deram pela sua aproximação, pareceu-lhes o planeta estar a rodar tranquilamente como sempre, e as nuvens cinzentas bem lá ao fundo, no horizonte, a rodarem no mesmo sentido, sem constituirem qualquer perigo.
Mas, de repente, o vento mudou, e a água caíu tão intensa, que a miúda foi obrigada a saltar rapidamente do muro, e ele a agarrar nos brinquedos para os guardar no bolso e começarem os dois a correr.
 Com aquela pressa toda, infelizmente, deixou cair um dos bonecos, que ficou soterrado na lama,  apanhado pela enchurrada da terra que resvalou, e assim ficou, até ao outro dia, em que seria resgatado, para que participasse em mais uma batalha fantástica  e sangrenta no quintal do avô.







domingo, 29 de julho de 2018

Zambia

#Zambia,
uma pequena aldeia
nascida, há muitos
e muitos anos,
no alto da falésia.

Quando olhamos
de longe, paramos
na curva grande
para espreitar
do miradouro,
as casas pequenas,
e brancas,
estão quase,
quase a cair, para
mergulhar nas
nas rochas violentas,
lâminas pontiagudas
que se receiam,
sobretudo no inverno.

É bem certo que
grande parte dos dias,
ano após ano,
só há nevoeiro
na sua húmida
falta de cor.

Mas quando o céu
abre
e nas  janelas só
lhes cabe
o azul do mar
e o majestoso sol
na hora de se pôr,
aquela gente
sente, como ninguém,
abraços do mundo
inteiro reunidos
num só corpo
inconfundíveis,
e que transmitem
todos os calores.

E deixam-se existir
pelos olhos, sem medo,
como invariavelmente
acontece com todos
os grandes amores.


quinta-feira, 26 de julho de 2018

Sem Título


A D. Beatriz viu o papel, aparentemente sem importância,
e deitou-o para o lixo, para prosseguir no seu trabalho, que é a limpeza da casa.
Logo por azar era onde eu tinha apontadas umas quantas informações sobre #Windsor,
para com elas escrever, mais tarde, um texto com:
Cabeça, Tronco, Pernas, Pés e Sapatos.
E não é a primeira vez que a malvada mulher me deita fora coisas importantes.
Ainda nem há quinze dias atirou pela janela toda a mobília da sala.
Minto. Foi a do quarto. Mas eu não me importo.
Ela é muito querida e de confiança, e passeia comigo tanto na praia como  no campo.




sexta-feira, 20 de julho de 2018

Sansão

O dia começou com o sol da manhã espalhado pela mesa do pequeno almoço.
Antes de sair foi espreitar a avó, que, dormitava, tranquila, sentada com a testa encostada à parede e o queixo a roçar o vidro da janela
De quando em vez abria a boca e dela saíam bolas de sabão, leves, que subiam direitinhas e iam rebentar no teto.
Houve uma  que  ficou presa tempo demais nos seus lábios.
Foi enchendo e esvaziando conforme  a sua respiração, ficou enorme e mais pequena várias vezes, até que lhe  explodiu na cara, provocando um chuvisco fraco e  refrescante que lhe pingou os óculos.
Esse incidente fê-la abrir os olhos, por momentos.
Remexeu-se um pouco e voltou a adormecer.
Não fosse o diabo tecê-las, ainda preparou, muito à pressa, mais uma mistura de água com detergente.
Agitou a garrafa, e entornou um pouco do conteúdo para um copo, que colocou ao lado da cadeira de baloiço, em cima da mesa de apoio.
Escreveu num papel o recado do costume.
"Bebe pelo nariz. Não te esqueças. Adoro-te."
Prendeu um canto da folha debaixo do copo, para que não voasse com o cão a passar, o que sempre provoca algum movimento, deu-lhe quatro beijos na testa enrugada e saíu de casa.
Pelo caminho encontrou a tia Augusta, que já não via há algum um tempo. "Que lindo bigode, minha tia, fica-te bem!"
 "És um querido #Sansão. Um querido! E olha... " disse, ao retirar o olho direito para mostrar, orgulhosa, tratar-se de um olho de peixe. "É fresquíssimo!"
Folgo muito em ver-te bem, tia. A avó ou está a dormir, ou a apitar ou a bater palmas. Tenho saudades das suas histórias, de quando voava por esses campos fora... "
A tia Augusta tirou várias coisas da mala até encontrar o que queria. Toma. Usa este. Vais ver que é bom" e abriu-lhe a palma da mão, onde colocou uma pastilha para a máquina da louça.
Que ricas manhãs, as que começam com o sol espalhado por aí.
















fmfm

Não é nada,mesmo, 
não é nada.
É  o mar que enfrenta
umas vezes revolto
outras vezes parado,
longe
de queixo levantado
como sempre.

Sem título ( ou #queixo)



Hoje, roubei-lhe cinco palavras,
todas da mesma página.
Intermitência, centelha,
obstinação,
dissimulado, irrespirável.
Bela página, em boa verdade,
foi automático:
"Olha que lindas,
e a falta que me fazem!"
Compreendam,
precisava de alimentar
o meu Discurso, tão pequenino
e dependente,
com o #queixinho a tremer de fome
virado para mim,
aqueles olhos desesperados,
e eu,
sem comida para lhe dar,
o que havia de fazer?
Antes roubar!














quinta-feira, 19 de julho de 2018

Parque

Parece que parou
no #parque
apeou-se,
papou
o que tinha
para papar,
sem fome
soprou as migalhas,
e voltou a pôr
o prestável carro
a trabalhar.
Pressentiu um cisne
de asas pretas
pairando,
preso no ar
pela brisa
voando sobre
uma piza
Margarita,
era esse o seu
primeiro
e verdadeiro nome
de princesa
maldita
que foi apanhada
a fumar.
Pirou-se.
De repente
pirou-se
não avisou
as pulgas
nem
as porcas
pretas
ou as suas plumas,
pluviais,
que penderam
como finas
tiras de
presunto
às fatias
e eu não dei
por isso
e não sei
que mais
vos conte
aqui deste rio
pesarosa e
inexplicavelmente
sobre a ponte.
O pão era
bolorento,
é verdade,
não era bom,
tinha
aquele bolor
que parecia
justificar,
se não todas,
pelo menos
grande parte
das aparições
ou alucinções,
e não digo
mais peva,
pronto, pronto,
acabou.












O parque ridículo com estatuetas de cobre, cobertas de musgo e verdete, verdadeiros gnomos estáticos e .
De dia ainda se

O improvável aconteceu, o #parque

Que caraças, há tanto parque, que coisa, com catos, sem catos, com catatuas cruzadas com couve penca, equilibradas nas catacumbas onde catam piolhos e carraças, os macacos dos cabelos, dos catraios escondidos nas bolas de sebo e na barriga das pulgas.




Passeares no silêncio dos  #parques, em Sintra, sentares-te num banco de pedra, com a tua caneta e o teu bloco de notas, ou passar e ver os patos no lago, isso acabou. Nem um patinho só, nunca mais vais conseguir.
Tenho andado a pensar em formas de afastar aqueles milhares de pessoas dali, sem contudo, cometer nenhum crime. Ou. pelo menos, nenhum crime grave.
Se o mundo fosse uma enorme fantasia, mandaria comprar um aspirador descomunal, aspirava-os, e depositava-os nas Berlengas durante quinze dias, à vez.
Em não havendo nada de fantasioso nisto tudo, tenho que apenas não ir,  ficar em casa a recordar aquela alma encantada e verde que tive o previlégio de conhecer.
Se o mundo fosse uma enorme fantasia, usaria um pente descomunal, de dentes apertadinhos e passava-o nas árvores, nas ruas, até ao fundo dos fundos, para os retirar como deve ser. Como se faz para outras infestações. Tenho tanta pena de pensar assim, mas tem de ser...
Depois, depositava-os nas Berlengas durante quinze dias, à vez.
Só preciso de uma ideia. Algo que os demova, uma interdição, um medo, um desinteresse, ou outra coisa qualquer.
Se o mundo fosse uma enorme fantasia depositava-os nas Ilhas Selvagens, durante quinze dias, à vez.












quarta-feira, 18 de julho de 2018

Nelson

Quero referir duas frases que #Nelson_Mandela pronunciava com frequência e que me encantam. São, aliás, conhecidas  por esse mundo fora:
"Que horas são?", e "Doí-me a garganta!", são um exemplo para todos nós.
Infelizmente não consigo localizar o site de onde retirei a informação.






Sem Título




Entrámos  na mesma
estação.
Sentei-me à sua frente
e encetei conversa
sem a conhecer,
como faço sempre.

"Não se esforce
demasiado
nessa  tentativa
desesperada
de pôr delicadeza
nas coisas.

Largou a  revista
no colo
e #Nelson_Mandela
ficou a sorrir-me
da página
vinte e três.


Dê-me licença:
Abri-lhe
a palma
da mão
e segurei-lhe
na ponta
dos dedos.

Olhei para aqueles
traços cruzados,
dos quais nada
percebia,
nem precisava,
tinha virados para
mim
os seus olhos tristes
e eloquentes.

Continuei a farsa,
o logro:
Esta é a da vida,
esta a do amor,
e aqui, este ponto,
indefinido,
é o vértice que
falta,
e que, em perspetiva,
será talvez o quê?
 A anunciação
do fim, pode ser...

E fixei-a, para lhe
pressentir
os lábios a tremer,
e observar o inevitável
efeito borboleta
que faria estremecer
o seu mundo
transparente.

Nem dávamos
pela paisagem
que passava
fora do comboio
em movimento.










terça-feira, 17 de julho de 2018

Ofício II

Tinha apenas cinquenta minutos para construir uma história.
O propósito era sómente ver as letras a acumularem-se, arrumadinhas no papel por ali fora.
Não era papel, era uma página em branco que precisava, urgentemente, ser preenchida.
Rochas enormes e redondas vieram-lhe, então, à memória.
O granito.
O homem que cavava a terra com o arado que uma parelha de bois puxava, um #ofício morto, como ele, enterrado juntamente com meia dúzia de palavras velhas.
As galinhas eram decepadas pela avó. Pela avó não, se bem me lembro, pela empregada.
Às vezes, andavam ainda uns metros com as cabeças cortadas.
Havia um baloiço na oliveira que também tinha entre os ramos uma casa de madeira.
Havia livros. Muitos livros no meio do gelo, ou do calor insuportável.
Já só lhe restava meia hora.
A cal da parede de outras vidas, mais pequenas, fica para outra ocasião, os bancos à porta de casa, o Alentejo direito, liso,com as cascas dos sobreiros cortadas, e a pele castanha dos seus troncos mais que dignificada.
Dez minutos foi, afinal, o que foi preciso para que não tenha escrito absolutamente nada de interessante, mas acabou-se-lhe, naquele preciso momento, o tempo que não acaba.








Planeta Vivo. Eu, os Animais e as Plantas

Nunca viste
um #ofício
deitado numa
cama
mas já viste uma
nêspera,
não foi?
E se, se...,
essa nêspera
fosses tu?

Era um poema
deitado, sim,
mas
para o lixo,
juntamente com
o colchão
das palhinhas
do menino Jesus.
Ia tudo.

Ou melhor, era
um livro por abrir,
naquelas páginas.

(colaram
por causa de um lanche
de manteiga e leite,
e mais o pão).

O que é sempre
chato.

Se as descolasses
de vez em quando
ficavas a perceber
o motivo
porque gostas
de contrariar.
Tanto!

Minha cabrinha
preferida,
meu coelhinho
de estimação.





segunda-feira, 16 de julho de 2018

Ninfas

Embora tudo tivesse para ser agradável, com os pássaros a chilrear, o ladrar dos cães ao fundo, a mistura intensa do verde das árvores, e as águas calmas do rio, adormecidas pelo verão, havia qualquer coisa de inquietante naquela paisagem bucólica.
Tinha estacionado o carro lá para trás, debaixo de um pinheiro manso, junto à velha estrada ainda do tempo do Estado Novo, cheia de buracos e ravinas perigosas, que tinha percorrido só para me sentar ali, ou noutro lugar parecido, sonhando, como sempre, absorver completamente a beleza circundante.
Sentei-me, então, na margem, na terra arenosa, observando o vôo das libélulas por entre os juncos e os peixes mais atrevidos que chegavam muito próximo dos meus pés, mergulhados na transparência das águas.
Qual não é o meu espanto, quando, ao fixar os olhos onde o caudal do Mondego é mais fundo, duas figuras femininas emergem lentamente das águas. As #ninfas!
Desatei a correr, tropecei várias vezes, entrei no carro, aterrorizada, nem conseguia pô-lo a trabalhar, os Nissan só ligam se pusermos o pé no travão quando rodamos a chave, e eu com o terror, esqueci-me desse pormenor, mas lá consegui, e ala que se faz tarde!
Quando contei o sucedido aos meus  familiares ninguém acreditou. Sugeriram ter apanhado demasiado sol, ou ter comido alguma coisa que me fez mal.
Espero que os meus amigos, desta vez, acreditem em mim.


domingo, 15 de julho de 2018

Minho


A Car#minho
estava na aula de matemática,
a ouvir a professora,
quando a mãe lhe telefonou.

"Pelo ca#minho,
apanha um ra#minho de salsa.
"É pr`ó peixe assado... Vá lá...!"






nn

Por caminhos secundários
visitando os santuários
do algarve até ao #Minho
lá fui eu no meu burrinho
toc, toc, toc, toc.

Passei pela Beira Alta
conheço lá muita malta
em Arganil e Viseu.
E lá pelos arraiais
bebi um pouco demais.
Toc, toc, toc,toc

Perdi a nossa Senhora
que levava para a Amadora.
e que o Albano me deu.
Toc, toc e lá fui eu.

Em Ovar,
o burro não queria andar
toc, toc...

Em Lisboa, parei
em frente ao Coliseu.

Ehhh! disse o polícia
isso não é estacionamento
leve-o lá para dentro!
E ele próprio o levou.
Toc, toc, toc, toc.

Sentámo-nos lado a lado,
a ouvir cantar o fado
e adorámos.
( Como não vendiam palha,
comeu das minhas pipocas)


Toc, toc...













sexta-feira, 13 de julho de 2018

Lixo III

A hera crescia livremente tapando-lhe as paredes estragadas.
Para além dos insetos nada mais se ouvia naquela noite. 
Estávamos lá. 
Conseguimos, finalmente, agarrar com firmeza o cenário das horas seguintes.
Era um local aparentemente familiar, sim, frequentemente lá passávamos, a rasar o portão velho com as nossas  malas. 
No inverno,  em que áquela hora era noite cerrada, o amarelado do clarão das lâmpadas dos candeeiros, espetados na beira da estrada, ou um luar mortiço mais que longínquo,  eram as suas únicas fonte de luz.
Foi a curiosidade que nos impeliu a visitá-la.. 
Esperámos uma hora discreta, rondando um pouco pelo passeio, e, quando achámos oportuno, saltámos o muro. 
A porta abriu ao primeiro safanão, uma porta com restos de relevos na madeira, geometrias perdidas pelo tempo das chuvas ou, no verão, pelo sol direto e quente a bater de chapa.
Era ele que lascava a sua tinta indefinida, de cor irreconhecível e as letras de um nome que eu gostava de  ter lido. 
A sua deterioração  tornou-me essa  tarefa impossível.
Entrámos. 
Os quartos, o teto a cair, com um grande buraco a um canto, a antiga chaminé da cozinha, começaram a falar connosco, todos ao mesmo tempo, mas sem pronunciarem palavras de nenhuma língua conhecida. 
Bichanavam outra coisa qualquer.
Mantivémo-nos por lá, uma hora ou duas, talvez mais,  ouvindo-os. 
Depois saímos. 
O portão chiou de tal forma que os morcegos levantaram vôo, por entre  as árvores e por entre os telhados.
Ouvimos o ruído seco e desgostoso das suas asas.
Depois de andarmos uns passos, olhámos, a medo,  para trás.
Tudo tinha desaparecido.
Menos o caixote do #lixo, que se mantinha, no seu discreto tom encarniçado.

Lixo II

Junto ao caramanchão
O jardineiro juntou
em pequenos montes
as flores de buganvília
que cobriam o chão.
Eu sei que não são flores
mas que importa para aqui?
São, de qualquer maneira,
o #lixo mais bonito
que alguma vez já vi.

A Etelvina veio das Compras




A obrigatoriedade de separar o #lixo por materiais dá-me cabo da paciência. Embirro, mesmo.
Chego a casa das compras, começo logo na loucura, desmancho as embalagens maiores que acondicionam as outras, e isto vai para aqui, isto vai para ali, ainda nem arrumei nada e já estou a deitar fora parte do que acabei de adquirir.
Deliberadamente, ou não, e eu vou mais pela primeira porque acredito em conspirações, encheram-me a casa de coisas inúteis.
Nalgumas peças, muitos específicas, depois de usadas também é preciso dar-lhes uma enxaguadela antes de as deitar fora para o local correto, porque senão torna-se uma  porcaria. E eu enxaguo, pois, vou estando distraída e tal, se calhar até me sabe bem, vá-se lá saber. Enxaguar..., a palavra até é engraçada...
Aqui há uns meses, cansada das separações, resolvi fazer-me de distraída, e prevariquei, é muito feio, eu sei, não ligando nenhuma a essa obrigatoriedade, e deitando tudo fora para o mesmo sítio.
Por coincidência as televisões , nessa altura, começaram a mostrar o Tejo a sufocar de espuma tóxica, com os cadáveres dos peixes a boiar. Fiquei aflita a pensar que tinha sido eu a provocar aquela desgraça.
Felizmente não. Vem de umas fábricas, mas, ao que parece, não têm culpa nenhuma.
Não percebi, não interessa. Comecei foi logo a separar tudo outra vez, com medo, que eu não quero cá responsabilidades para o meu lado.
Tejos à parte, a verdade é que às vezes tenho que implorar ao barbudo da loja do café: Não, por favor, mais sacos não! Tenho a casa infestada!













quarta-feira, 11 de julho de 2018

Juncos

Sentada numa cadeira, em frente à mesa da cozinha, juntava com os dedos as migalhas espalhadas pelo tampo.
Num gesto maquinal, destraçou a perna esquerda para a traçar para o outro lado, pudera,  toda a manhã por ali, com o corpo obrigado a ter sempre a mesma posição, esquecendo que os ossos estão  preparados para a mulher se manter direita nas sua duas pernas, ereta, o corpo deu-lhe então um qualquer sinal impercetível de cansaço, e ela, como habitualmente, limitou-se a obedecer-lhe de forma involuntária, mudando também, ligeiramente, a contorção do tronco.
Levantou-se pela primeira vez, desde o nascer do sol, olhou pela janela para confirmar o decorrer do dia,  tirou um copo do armário, abriu a torneira para o encher de água, e por ele a bebeu.
Voltou a sentar-se, para descansar mais um pouco daquela dor no peito  que  desde sempre a visitava.
Começava como um sintoma de rebentação das ondas, para, momentos depois, acabar por, invariavelmente, se espalhar pela atmosfera, chegando aos armários e ao frigorífico, embatendo com força nas suas paredes amarelas.
Era o princípio  daquela sede insaciável, ou a fome diária do pequeno almoço quotidiânico, a obrigação das compras na mercearia tridimensional onde havia fresquíssimos legumes artificiais à terça feira, a cadeira de rei ou de rainha, onde, semi enrolada, descansava dos afazeres, sentada em frente áquela mesa de cozinha, onde juntava  migalhas.
Algumas eram de difícil acesso. Escondiam-se entre os inúmeros recipientes que por ali estavam espalhados, um ou outro talher, ou embalagens vazias, mas os seus dedos compridos e treinados, resgatavam-nas de esconderijos inacessíveis, quase interditos.
Como cintilavam, deixava-se ficar por ali, a juntá-las em dunas de pão de trigo fantasiosamente brilhante.
 Depois da afronta, os  #juncos artificiais, quietos outra vez, já não balançavam com a brisa forte que supostamente entrava.
Só então saía da cozinha e fechava a porta.











nmnmn

Deuses, ficarei pendurada numa nuvem,
ouvindo passos de quem desce, ou sobe,
ou vou tirar este pelo persistente
que insiste em crescer-me no bigode?

segunda-feira, 9 de julho de 2018

#Urga


O impensável
não há lugar para ele
era incapaz
afirmo ser apenas
e só
a minha profunda
convicção.

Já o disse mais vezes,
tenho outros,
outros, outros...

São os deuses
que me acenam,
por exemplo.

Olá..., as mãozinhas
esticadas para mim
e eu lá tenho
que responder,
contrariada.

Ou a neve...,
mais raramente,
sem eu saber porquê.

Até as gárgulas  me
cumprimentam
me transmitem
tantos  recados,
ao mesmo tempo
nos movimentos
lentos
da pedra.

E prossigo eu
no meu caminho,
a borracha das botas,
a ecoar por ali,
a cada passo
nos quadrados
do passeio
com aquela luz.

Clarão amarelo
que tudo preenche,
menos a sombra.

E que sai das
lâmpadas
que iluminam
de noite,
juntando-se às folhas
que estremecem,
indolentes,
soprando novas.

Boas novas
palavras novas
para um
novo discurso,
que sairá
das bocas
dos gnomos
atrás dos troncos,
e que falam
o que eu quiser.

Com os seus
sorrisos
enigmáticos
a segurar
o silêncio
do resto das
coisas.

Até #Urga,
por este
mundo fora.







Doces Recordações

A avó Inês, que tinha ido buscar um copo de água, sentou-se na beira da cama e prosseguiu a  história que me estava a contar:
"...E então a árvore maldita prendeu-a com as suas #hastes, e ela gritou de terror...",  mas ao tentar reproduzir o grito da personagem, caiu-lhe a dentadura, que eu apanhei prontamente.
"És um rico menino, obrigada", agradeceu ela depois de a colocar de novo.
"Não, não...! Solta-me, sua pérfida criatura da natureza...!", continuou, mas ao movimentar o corpo, tentando imitar a pobre donzela aflita, saltou-lhe a prótese do ouvido, que eu apanhei prontamente.
"É um querido, o meu netinho", agradeceu ela, mais uma vez.
"...a força do castanheiro diabólico transcendia muito a  humana, e a menina, asfixiava dentro daquele punho fechado, como se a árvore fosse uma garra...", mas, ao cerrar as mãos em demonstração teatral do sucedido, caíram-lhe dois dedos da mão direita, e um parafuso do ante braço, que eu apanhei prontamente.
"És um doce, meu menino", e debruçou-se sobre mim  para me beijar na testa, mas quando o fez, deixou cair um olho que rolou para debaixo da cama, e que eu ia prontamente apanhar, mas ela não me deixou.
"Não, meu querido, está na hora de dormir. Amanhã logo se apanha. Bons sonhos!"






O Homem do Chapéu de Coco

Chamava a atenção
porque usava sempre um  chapéu de coco.
Não falava com ninguém,
não entrava nas lojas, no café,
ou noutro qualquer estabelecimento,
nunca alguém o tinha visto
trocar uma palavra
com quem quer que fosse.
Nem um "bom dia",
ou "boa tarde", um desculpe,
um "com sua  licença".
Só de vez em quando
passava,
a chamar a atenção
por causa do chapéu de coco.

Quando me cruzava com ele,
fazia-lhe o meu habitual sorriso.

Passava por mim e sorria-me
daquela maneira,
enigmática e estranha.
Diria, até, um pouco assustadora.
Não tenho interesse em conhecer ninguém,
ou falar com eles, ou sequer cumprimentá-los,
porque todos têm esse tipo de sorriso,
que me deixa desconfortável.

Tirou os óculos escuros
da frente dos olhos,
e ficou a mordiscar
uma das suas #hastes,
enquanto pensava
na resposta que haveria de me dar.
"Também vês o homem do chapéu de coco?"
Tinha-lhe perguntado
a meio de outra conversa qualquer.
Voltou a colocar os óculos
sem me responder.
Seguiu o seu caminho, pelo passeio,
debaixo das tílias,
Sei muito bem para onde se dirigia.
 Para a ponte,
essa que subsistia
de um dos meus últimos sonhos.

O homem tirou o chapéu pela primeira vez.
Estava no cimo da ponte,
e pousou-o por ali,
sobre o metálico vermelho,
o preto do chapéu a contrastar, com o azul
da água e do céu.
Afinal era tão  simples


 Encontrei-o nesse preciso momento.
E fiquei contente, porque nunca
o tinha visto assim.
E fiz-lhe um sorriso como sempre.
 De passagem.
Estava com pressa.
Perseguia a mulher dos óculos escuros
que vira ao longe,
passar por ali,
a sua silhueta bem defenida,
entre o metálico vermelho
da ponte, e eu longe
para a alcançar,
 para lhe perguntar:
Também o viste? Olha o chapéu
pousado ali!








Estudos

Quando os estudiosos chegaram à conclusão de que o poeta não queria dizer absolutamente nada com aquilo, ficaram chocados.
Não podemos revelar ao público se melhante descoberta. Seria um escândalo desnecessário que prejudicaria a poesia à escala mundial. O poeta tem que querer dizer qualquer coisa, tem de passar uma mensagem, não pode ser só debitar palavras, por muito bonitas que sejam.

Impossíveis

Vamos fazê-lo mais arredondado ou colocamos-lhe duas ou três #hastes?
Talvez uma hastezinha ou duas, para  lhe podermos pegar
Sim, concordo. E cornos? O que achas?
Talvez não. Não ficam bem, hastes e cornos tudo misturado no mesmo.
E como lhe chamamos? Já pensaste?  O que achas de Merdelim?
Não gosto. Prefiro Bolinhas, ou Sandokan, ou Ovo.
Quanto tempo achas que ainda precisamos?
Quatro, cinco anos.... 
Muito tempo...! Evita morrer entretanto.
Não comeces a dar ordens, fazes o favor!
É só uma sugestão.  Vou buscar uma cerveja. Queres? 




domingo, 8 de julho de 2018

Tulipas

Fugia nem me lembro
de quê.
Quando,
em último recurso
entrei naquela boca escura
no meio das rochas,
encontrei lá dentro
campos e campos de túlipas.
que formavam
quadrados coloridos,
numa extensão a perder de vista,
e só  desapareceram,
quando os meus olhos
deixaram de ter
capacidade para os ver.
Nessa mesma noite,
enquanto a luz artificial
pintava a cidade de amarelo,
formando clarões
abstratos
que iluminavam as árvores,
tílias cheirosas
espalhadas por Lisboa
os passeios e os carros,
também o silêncio
tinha
uma cor própria,
ou o aroma,
e eu dormia, na minha cama,
de olhos abertos,
para de manhã
me lembrar de alguns
dos sonhos,
que poderia um dia,
voltar a ter.






Gruta

Tenho reparado que já há muito tempo que não morre ninguém de morte natural.
Se calhar irradicaram a doença.
Deve ser da vacina, mas bom..., isso agora não é para aqui chamado.
O que interessa é que andava ali um peixe, mais especificamente uma sardinha, que é a altura dela, aos saltos dentro de uma #gruta.
Era uma sardinha puta, por isso é que estava na gruta, perdoem a linguagem.
Devemos perdoar quando é pela rima que se introduzem asneiras.
Temos muitas grutas aqui ao pé. A gruta das Carmelitas, por exemplo, onde elas iam..., bem, não sabemos, ainda, o que lá iam fazer, mas artefactos comprovam a sua permanência dentro dela por longos períodos.
Um hábito da Ordem correspondente pendurado numa estalagmite, duas dentaduras em relativo bom estado,  restos de roupa interior de gola alta, e a cruz de Cristo, com Jesus em xisto, são  bons exemplos.
Saber-se-á mais muito em breve.
Quando chegar esse dia, anunciarei.
Prometo um discurso coerente.




Se me falam em #gruta

Se me roubarem
os animais
eu tenho as plantas,
se fôrem palavras
que escapam
por acaso
tenho outras
se me esquecer
da  pontuação
ou me enganar nela
e fôrmos obrigados
a ler tudo
de um só fôlego
ou entrecortado
por vírgulas
demasiadas
e pontos finais
parágrafo
que fecham tudo
eu tenho
outros outros
outros...,

quinta-feira, 5 de julho de 2018

...

Era uma vez  uma menina que tinha um despertador de estimação.
Tanto tinha insistido com a mãe, que ela acabou por lhe fazer a vontade e ofereceu-lhe um no natal.
Gostava muito de ir à rua com ele. O objeto assim que via a trela, começava logo a abanar a cauda.
Um dia a miúda esperava que ele acabasse o seu cocó para depois o apanhar com um saquinho de plástico e deitar no lixo, quando uma senhora dobrou a esquina trazendo com ela uma ventoínha de grande porte, com um ar  terrivelmente ameaçador.



Toca o #despertador
lá na serra do açor
com grande intensidade
Foi feito na cidade
tem um mecanismo  especial
é o despertador ideal
para acordar  as cabras.
E tão bem que as acorda!
Sobem as ribanceiras
cheias de olheiras
e muito chateadas.
Só os petizes
chapinham, felizes,
nas águas das levadas
da breca.









O Despertador


Acordava com o telemóvel, que punha para despertar, às seis e dez. Seis e dez equivalia  no seu relógio a talvez umas cinco e cinquenta e seis ou cinquenta e sete, porque o tinha adiantado uns minutos imprecisos, um tempo que não desse para somar ou subtrair, porque saber a hora exata, estupidamente o atrasava. 
Corria para apanhar o comboio, com medo de tornar fatal um segundo que fosse. Um segundo era o suficiente para lhe estragar o dia, porque o comboio, a uma hora demasiado certa, fechava as portas e iniciava a sua marcha, primeiro vagarosa, e depois veloz e barulhenta, e teria que esperar umas dezenas de minutos pelo próximo Chegava pois à estação invariavelmente, cinco ou dez minutos mais cedo. No verão, às sete horas já começa um bonito dia, no inverno pode chover a potes, e, para além da noite escura, não se aguenta o frio.
No escritório picava às nove em ponto, e depois ia tirar um café na máquina dos quarenta cêntimos, trabalhava duas horas, interrompia para beber outro, e trabalhava mais duas à espera da hora do almoço.
O meio tempo da tarde passava melhor, meio dia estava cumprido, e as dezoito horas mais próximas, o momento de dizer até amanhã ao pessoal, e regressar a casa, para o relaxe duma novela ou dum debate de futebol. A mulher faria o jantar, em princípio, claro, porque ultimamente falhava uma ou outra vez, com a desculpa de ter outras coisas para fazer, ou a desculpa do cansaço. Às vinte o telejornal, depois um zapping pelas novelas, e a seguir procurar pelos canais um bom filme de polícias e ladrões, para às vinte e três e trinta, meia noite, se ir deitar, e, se ainda tivesse energia, talvez, quem sabe, faria sexo rapidamente, porque ao outro dia tocaria outra vez bem cedo, o prepotente #despertador. 
Parabéns! Disseram-lhe um dia no emprego. Atingiu o tempo mais desejado, aquele porque todos esperamos, o dever cumprido, o direito à reforma.
O quê?
Estamos em dois mil e desasseis, passaram trinta e seis anos senhor!

quarta-feira, 4 de julho de 2018

O Escritor

O escritor tinha o teclado na sua frente, estava mal colocado, não tinha luz no ecrã.
Havia que franzir os olhos, puxar os óculos para cima, e olhar de lado se fosse para ver as árvores pela janela,  mexendo-se como se tivessem verdadeiros corpos.
O escritor preparava um conto em que o heroí, um escritor, escrevia o que lhe apetecia, interrompido só às vezes para ir à cozinha mexer o guisado.
É verdade, o guisado. era um homem que comia muitos guisados, muitos mesmo, e estava sempre a levantar-se para ir tomar conta.
Então e se eu pusesse um pouquinho de emoção nas folhas?
São verdes, mas têm dois tons, um atrás e outro à frente, e quando o vento lhes bate, agitam-se  como se fossem borboletas.
Cachos delas, que o escritor podia ver se torcesse o tronco na sua direção.
Andava muito a pé.  Alguns quilómetros por dia. Tudo para evitar ganhar o conhecido e tão desagradável #calo de escritor. Num sítio terrível. Aí mesmo!
E conseguia, Graças a deus.





Calo

Escara,
isso sim
que é uma chatice.
Abandonada,
pelo menos durante
um tempo.
Quanto tempo?
Não sei.
pode ser uma questão
de horas,
minutos,
ou para sempre.
Ou já recomeço
sem querer saber
das aulas,
ou vou para elas.
Ou uma coisa
ou outra
para as duas
não tenho tempo.
Não tive já
naquele tempo

Outra vez o tempo.
Que pinga...
Como quem abandona alguém à
sua sorte
pelo menos durante um tempo,
uma e outra vez
ele.
#Calo-me.

,,,,

Terá custos
elevadíssimos
esta coisa de nos
dar-mos
todos tão bem,
de nos amar-mos
muito.

É verdade...,
aqui viviam os meus
amigos,
dois irmãos, decentíssimos
e inteligentes,
ainda hoje o são.
Uma vivenda,
num cantinho sossegado,
com os respetivos pais.
que morreram,
primeiro um,
depois o outro,
não sei se venderam
a casa,
nem me interessa,
porque aquela casa
já não faz
sentido
deixou de fazer
parte.

Enquanto o homem
faz
as contas
e imprime os
recibos,
folheio uma revista
cor de rosa.
Leio,
nas suas páginas.

Uma brasa do
Brasil,
das antigas,
de olhos verdes,
irresístiveis,
anda a passear
pelo país.
Tem setenta
e dois
anos.
Que bem que está!
Ainda passeia.

Os #calos foram-lhe
mudando de local,
loca,
chamam-lhe os
entendidos,
a ela e aos
outros
por já pouco se
escrever
com uma caneta.
pouco se cavar
a terra,
ou rachar lenha.

Mantêm-se nos pés,
apenas
porque são os pés
que
suportam
o peso do corpo
vertical.







.










terça-feira, 3 de julho de 2018

......

Um tinha pequenas perversidades estampadas na cara.
O outro fazia de velho maluco, há horas, a movimentar as mãos sem razão aparente.
Levantava os braços e falava qualquer coisa sobre a luz.
O homem dos biscates entrava e saía pela pela porta giratória.
Vestia um macacão azul.
Ao fundo, nos lugares reservados, alguém lia em voz alta para uma velhota de chapéu e bengala.
Outros dançavam no recinto ao som das máquinas.
Dançavam no recinto, misteriosamente observados pelo homem das perversidades estampadas na cara, que se mantinha  encostado à coluna de mármore localizada junto aos  bancos onde a velha estava sentada, e onde liam para ela.
Estavam duas malas no chão e uma cadeira de rodas.
Era uma voz sensual. De mulher.
Os bancos eram corridos.
O outro, o que fazia de velho maluco, sem caraterização, utilizava os cabelos brancos e o ar acabado que tinha de forma natural, continuava a mexer os braços sem razão aparente.
Insistia em querer elevá-los o suficiente para tocar nas lâmpadas com as pontas dos dedos.
Falava qualquer coisa sobre a luz.
O homem dos #biscates passava uma e outra vez pela porta giratória.





A Velha e o Mar

A velhota, acamada há uns anos, só queria que lhe lessem os livros.
Todos os dias, depois das tarefas cumpridas, a higiene já feita e a sopa já comida, Ana lia-lhe duas ou três páginas de dada história, recomeçando o que tinha deixado  suspenso na noite anterior.
Ao príncipio, quando  lhe tinham proposto aquele lugar, trabalhar cuidando de uma velhota, e lhe falaram nessa necessidade, a de ler em voz alta para a entreter, explicou que tinha pouca instrução que soletrava muito, e que temia não ser capaz, mas a senhora insistiu, disse-lhe que era fácil, que num instante aprenderia, que quanto mais lesse mais as palavras haveriam de fluir na sua boca, e saber-lhe-iam tão bem como se bebesse água num dia de muita sede.
A Ana gostou daquelas frases, gostou da voz suave e inesperadamente revitalizadora da mulher, e aceitou. e agora era o momento mais agradável de todos os momentos do dia, era o que pensava Ana
naquele fim de tarde, enquanto procurava o pequeno marcador desaparecido por entre as folhas, para prosseguirem as duas mais uma grande aventura.
Enquanto procurava, olhou de relance para a senhora, viu a sua cabeça grisalha sobre o tecido aos quadrados da almofada, limpos e engomados, e estranhou o modo como fixava os olhos na parede, como se visse o mar através dela, do outro lado, como se o ouvisse bater contra os muros da casa, bem diferente do seu hábito de os fazer cobrir calmamente tudo o que tinha dentro do quarto, a cadeira a um canto com um casaco dobrado nas costas, a cómoda enfeitada com um arranjo de flores, que fazia questão que fossem naturais, um porta joías e  dois pequenos elefantes em louça de Limoges,  e  ainda uma #taça com três rebuçados, cada um de sua cor.
Quando, finalmente o abriu no sítio correto, Ana encontrou nele aquilo que, em boa verdade, já esperava. O livro estava em branco a partir daquela marca.






...

A velhota, acamada há uns anos, só queria que lhe lessem os livros.
Todos os dias, depois das tarefas cumpridas, a higiene já feita, e a sopinha já comida, Ana lia-lhe duas ou três páginas de dada história, recomeçando o que tinha deixado em suspense na noite anterior.
Ao príncipio, quando lhe tinha começado a trabalhar para ela, como cuidadora, e lhe falaram nessa necessidade, a de ler em voz alta para a entreter, explicou que tinha pouca instrução que soletrava muito, e que temia não ser capaz, mas a senhora insistiu, disse-lhe que era fácil, que num instante aprenderia, que quanto mais lesse mais as palavras haviam de fluir na sua boca, e haveria de lhe saber tão bem como se bebesse água num dia de muita sede.
ana gostou daquela frase, da voz suave e rejuvenescida da senhora, e aceitou. e agora era o momento mais agradável de todos, no seu trabalho, e marcava as folhas com marcador 


segunda-feira, 2 de julho de 2018

Abraço


Subi as escadinhas,
cheguei ao miradouro,
e abri os braços em cruz.
Um #abraço improvável,
mas, contra todas
as espectativas,
correspondido,
pelas casas e pelo rio,
e pelas colinas,
do outro lado da cidade.
Lisboa é assim,
entrega-se a qualquer um,
bastando-lhe um gesto
mínimo de amor,
ou apenas
um ligeiro interesse
por parte de alguém.
Podem ser
os que passam,
ou os que aproveitam
os lugares mágicos
por um ou dois dias
de fim de semana.
Basta-lhe que apreciem
a sua beleza
e acarinha todos,
com o calor tépido
da sua invisível,
mas enorme,
generosidade.


domingo, 1 de julho de 2018

Zambujal



Chovia chuva fria                                                
no #zambujal.
O vento passava nas
árvores,
formava  rugidos
entre pinheiros
e rochas
arredondadas
e extremamente fortes
e a terra engolia frases inteiras.
Acabou por engolir
 toda a prosa
em modo alucinado.
Mesmo as palavras dispersas
de tão leves,
como
os raios do sol da seda
ou os raios que me partam,
e o vento insiste,
já me perdi,
falava de outra coisa,
em fustigar a porta
e o postigo,
e eles batem:
Pum! Pum!
Merda!
Paira sobre o abrigo
um lençol
que saltou da corda.
Parece um fantasma.