segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Natal 2014

É Natal! 
Ao homem do cobertor  azul, levaram-lhe dois sonhos e uma fatia dourada, como o ouro das estrelas que enfeitam a cidade. O homem limpou as mãos gordurosas aos andrajos que trazia vestidos, e enrolou-se mais no seu canto, e deixou-se urinar, mesmo onde estava, e quem passava podia ver o líquido fumegante a desaparecer, num fio, por entre as pedras da calçada.
É Natal!
Os homens, todos de boa vontade, esqueceram o desinteresse, e depositaram pacotes de arroz e de massa num saco à parte, e as mais imbecis criaturas trocaram mensagens de eternidade, dilacerando o sentido das palavras!
O homem do cobertor azul, tinha uns olhos que abriu quando acordou, não por ser Natal, mas sim ,porque debaixo de toda aquela trampa, tudo levava a crer que fosse da mesma espécie do menino Jesus, a espécie sublime que fala, embora aquele homem não dissesse nada!
É Natal! Porque há bolas e bolos e beijos, tudo cintilante e luminoso, até os olhos do homem do cobertor, por entre piolhos, o açúcar e a imensa barba!
É Natal, e as mães de família colando nas mãos o bacalhau desfiado, eu colando, a ver o homem do casaco de merda, todos os dias, a urinar para a calçada, sentado no seu mundo, tépido por uns segundos de Natal, um homem que tinha tanto para dizer e não diz nada, e enchem-se os outros homens de palavras!