terça-feira, 3 de julho de 2018

A Velha e o Mar

A velhota, acamada há uns anos, só queria que lhe lessem os livros.
Todos os dias, depois das tarefas cumpridas, a higiene já feita e a sopa já comida, Ana lia-lhe duas ou três páginas de dada história, recomeçando o que tinha deixado  suspenso na noite anterior.
Ao príncipio, quando  lhe tinham proposto aquele lugar, trabalhar cuidando de uma velhota, e lhe falaram nessa necessidade, a de ler em voz alta para a entreter, explicou que tinha pouca instrução que soletrava muito, e que temia não ser capaz, mas a senhora insistiu, disse-lhe que era fácil, que num instante aprenderia, que quanto mais lesse mais as palavras haveriam de fluir na sua boca, e saber-lhe-iam tão bem como se bebesse água num dia de muita sede.
A Ana gostou daquelas frases, gostou da voz suave e inesperadamente revitalizadora da mulher, e aceitou. e agora era o momento mais agradável de todos os momentos do dia, era o que pensava Ana
naquele fim de tarde, enquanto procurava o pequeno marcador desaparecido por entre as folhas, para prosseguirem as duas mais uma grande aventura.
Enquanto procurava, olhou de relance para a senhora, viu a sua cabeça grisalha sobre o tecido aos quadrados da almofada, limpos e engomados, e estranhou o modo como fixava os olhos na parede, como se visse o mar através dela, do outro lado, como se o ouvisse bater contra os muros da casa, bem diferente do seu hábito de os fazer cobrir calmamente tudo o que tinha dentro do quarto, a cadeira a um canto com um casaco dobrado nas costas, a cómoda enfeitada com um arranjo de flores, que fazia questão que fossem naturais, um porta joías e  dois pequenos elefantes em louça de Limoges,  e  ainda uma #taça com três rebuçados, cada um de sua cor.
Quando, finalmente o abriu no sítio correto, Ana encontrou nele aquilo que, em boa verdade, já esperava. O livro estava em branco a partir daquela marca.






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