sexta-feira, 20 de março de 2020

Num Dia De Um Século Qualquer

A criança sentava-se na pedra habitual, em frente a ela.
Ela, por sua vez, dormitava na velha cadeira de baloiço, com a brisa movendo-lhe os cabelos ralos que teimavam em desprender-se do lenço que usava sobre a cabeça.
A criança mantinha-se quieta, observando-lhe as rugas fundas, as faces caídas pelo tempo, ouvindo o sussurro da sua respiração.
Ficavam imóveis, os dois, enquanto a criança esperava pacientemente, porque sabia que a sua presença silenciosa haveria de a acordar.
E ela acordava abrindo os olhos de meigo azul na sua direção.
Os olhos da avó saíam do seu rosto magro, falando com ela, a criança, que bebia neles o calor amoroso de um abraço de outra geração.
A velha sorria o seu sorriso sem dentes mas a criança só reparava no calor dos seus olhos. Isso, e só isso, é que era o importante.
Hoje, apenas a pedra arredondada se mantém defronte do alpendre.

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