segunda-feira, 21 de maio de 2018

Krill II

Desviou a cortina. Chovia desalmadamente. Os carros passavam na rua e os condutores mais incautos rolavam as rodas nas poças e molhavam, com tiros certeiros, de água acinzentada, os transeuntes, que se aborreciam com essa falta de cuidado.
As aves, habitualmente caladas, embora escondidas nas varetas dos guarda-chuvas, não paravam de cantar.
Abriu uma fresta da janela, e à conta disso isso molhou as mãos e o rosto, ficou com pingos nos óculos, só para as poder ouvir, e, após minutos de infinita e líquida paciência, lá se definiram, as vozes, um pouco por todo o lado.
Eram os animaizinhos que cantavam: "#Krill, krill!", nos ouvidos das pessoas.
Viam-se estudantes apressados, muito rápidos, as pernas longas a galgar os passeios como se não houvesse amanhã,  mães e pais dedicados, com os miúdos pelas mãos, para trás e para a frente, e um saco que alguém deixou caír, amarfanhado no chão,
Cruzavam-se todos em múltiplas linhas. De água, evidentemente. Topava-se tudo bem melhor de lá de cima.
Quando,  mais tarde, a chuva parou, repentinamente. e deixou de se ouvir, por completo, porque antes caía em bátegas barulhentas e aflitivas, abriu o bom tempo. e o velhote   saíu daquela casa, cheia de  lixo letárgico, e de móveis sujos, e desceu as escadas safadas para apreciar o sol. Tinha o tempo todo do mundo.


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