quarta-feira, 30 de maio de 2018

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Anda, Vamos para casa!
O cão  seguia-a para todo o lado, não era como os gatos, que não se mexiam pela vontade dos outros assim tão facilmente.
Quem a via, todos os dias, o lenço na cabeça ainda à moda antiga, lá da sua aldeia profunda entre as serras, quem a via pensava que plantava bolbos no quintal.
O corpo dobrado, os joelhos no chão e as mãos a moverem-se, lentamente, junto ao solo, todos os dias da semana, do mês ou do ano.
A casita entalada entre os edifícios, sobrevivia, doente, à profusão de prédios altos, a tinta soltava-se em farrapos, caía com o mau tempo, ou no verão por causa do calor abrasador.
As pessoas debruçavam-se das varandas, como os macacos nas árvores, lá para África ou coisa assim. Quem por ali passava com frequência,, também lhe estranhava aquela tarefa de todos os dias, fosse verão ou inverno, chovesse ou fizesse sol.
O avental, sempre o mesmo, tinha um bolso grande, à frente, de onde retirava qualquer coisa para colocar naqueles buracos, mas a sua postura enrolada, com os braços fletidos em meia lua, não permitia  perceber-se o que punha, de facto, dentro da terra, nem era motivo de tanta curiosidade assim. Pensavam eles nas suas vidas, ou em coisa nenhuma, quando olhavam das janelas, onde estavam para fumar um cigarro, numa pausa qualquer.
O cão ajudava, com as patas, a fazer as aberturas. escavava para si. e, às vezes, encontrava algum lixo, como pedaços de vidro já polido pelo tempo, ou restos de jornais, com os acontecimentos desbotados, massacres enterrados, em Chernobyl ou #Tiananmen.
Se alguém se aproximava, perigosamente, ele ia ladrar ao portão, mostrava-lhes os dentes ferozes, e elas afastavam-se porque tinham medo, e ele voltava para o lado da dona, sempre atento à necessidade de proteger aquele espaço.
Ele era a mais importante testemunha, os felinos também viam, mas muito desinteressadamente, de que a mulher escondia um  tesouro incalculável, moeda a moeda, naquele jardim de aparência descuidada, mas quando morresse, se quisessem, e haveriam de o querer porque o dinheiro faz muita falta , era só revolverem o solo, muito superficialmente, sem lhes dar quase trabalho, e encontrariam uma pequena fortuna que haveria, se Deus quisesse, de ajudar a todos.
O cão era inteligente o suficiente para lhes indicar a importância de remexer a terra. Se fosse necessário abocanhava um pedaço das calças de alguém, puxá-lo-ia até a um dos locais secretos , abanaria a cauda e esfregaria a terra com o focinho.
Mas teria que saber escolher,  a pessoa certa. Das que  lá estivessem, visitando a casa vazia, teria de ser o que lhe parecesse mais amigo dos animais, mais generoso, e mais sózinho.










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