sábado, 4 de agosto de 2018

Postal de Férias (da série, Uma Família Feliz)




Encostou a bicicleta às videiras, tirou o boné, passou as mãos pelo cabelo suado, e sentou-se na pedra do costume, ao lado da paragem do autocarro. De vez em quando combinava com a Beatriz darem uma vista de olhos pelo correio que ele andava a distribuir. Ali tinham a sombra dos carvalhos para refrescar e era um local tranquilo. Raramente alguém utilizava aquele transporte.
Quando ela chegava, sentavam-se os dois nos bancos da paragem, ele abria a boca do saco para espreitar lá para dentro, apalpava o seu conteúdo com toques experientes, e ia retirando cartas,  #postais_de_férias, notificações, ou qualquer outra coisa que  lhes pudesse ser útil, ou para lhes proporcionar o simples prazer da leitura, ou pelo gosto de seguirem, com genuíno interesse, pormenores da vida de algumas  pessoas daquele lugar.
Olha só..., das finanças para a Dona Alberta,..., e este postal da avó da Cilinha, a outra, a mãe do pai:
 "Querida netinha, escrevo-te daqui do ponto mais alto do Everest, onde a tua irmã teve a amabilidade de me trazer. Como sabes, ela e o marido são grandes alpinistas, de forma que subiram a montanha e depois içaram-me puxando uns fortes cabos que, previamente, tinham prendido à maca.
Para a semana vamos fazer paraquedismo, se pudesses vir ter connosco era tão bom!
Mil beijinhos para todos!
ps- Se vieres, traz-me uma garrafa de oxigenio porque o meu está a acabar."
"É querida, não é, a senhora?"
"É mesmo, Beatriz. Lembras-te o ano passado, quando cá esteve, e a penduravam do terraço, de castigo, e ela sempre com um sorriso nos lábios? Ai as horas, Beatriz...! Até amanhã.  Já estou atrasado...!"
Apanhou o boné, que tinha pendurado no galho de uma árvore, montou a bicicleta agilmente, e virou-se para trás, para acenar um último adeus, mas, como normalmente acontecia, desiquilibrou-se e caíu,  e Beatriz, tal como nos outros dias, virou-lhe as costas para se  rir mais à vontade.














Sem comentários:

Enviar um comentário