quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Um #postal_de_férias do Além


 Não tocar, nem ao de leve, com os pés no chão, requeria muita habilidade, tinha uma ciência muito especial.
A primeira vez que lhe aconteceu, estava deitado, de olhos fechados.
O filho pegou-lhe na mão, balbuciou qualquer coisa próximo do seu ouvido direito, mas que ele não percebeu.
Sentiu uma pancada forte, "Pai...?", ouviu como se estivesse nuito longe.
Com uma espécie de dor acompanhada de um ruído seco e rápido,  a sua alma separou-se do corpo e bateu de chapa, com violência, no teto da enfermaria.
Depois, tudo voltou ao normal.
Acordou frouxamente, respondeu ao  que o rapaz lhe perguntava, com dois ou três monossílabos, só para garantir a si próprio que estava vivo, viu-lhe o sorriso jovem, e fechou os olhos. fingindo adormecer.
No outro dia, voltou a sofrer a mesma metamorfose.
Foi perdendo a audição, deu pelas batidas cardíacas em modo pausa, talvez umas trinta ou quarenta por segundo, não mais, e um arrebatamento estranho levou-o, em  fantasma, para lá da sua existência carnal.
Foi-lhe mais fácil, desta vez, dominar a bestialidade do impacto, e os movimentos   voláteis do seu espírito no ar.
Não se atordoou  e ainda conseguiu pairar uns segundos, observando, do alto, o seu próprio corpo deitado na cama, os que estavam sentados em redor, e a mulher, que dava um jeito na mesa de cabeceira.
Com o decorrer dos dias, foi-se  adaptando, com inteligência, áqueles voos disparatados e invulgares, e, uma semana depois, dominava inteiramente a arte de pairar sobre as coisas.
Por isso não estranhou quando  verificou o seu próprio desaparecimento, e no seu lugar puseram um outro completamente diferente e desconhecido, muito embora colocado exatamente na mesma posição.



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