sexta-feira, 29 de junho de 2018

Xerém

A edificação escondia-se atrás do nevoeiro, mas Arqueógenes, para além de saber muito bem o que fazia, vivera desde sempre naquele castelo.
Seu pai, Felizfuribundo III, era o senhor daquelas terras após ter contraído matrimónio, havia muitos anos, com Segismunda Belador, a Raínha das Raínhas.
Em tempos difíceis o pai sempre ensinara ao filho a enfrentar todas as adversidades, mas nunca o reino dos Fulos tivera um inimigo tão poderoso como aquele. Eram as almas do outro mundo, as Vacuo Vaca, lideradas pelo implacável #Xérem.
Quando, finalmente, e depois de passar a ponte levadiça, tinha que chamar a atenção dos guardas, era um desleixo inconcebivel deixar aquela cena para baixo por causa do inimigo, conseguiu abrir a velha e pesada  porta não quis acreditar no que viu. Mulheres, crianças, guerreiros, animais domésticos, todos jaziam sem vida, no chão.
Foi então que, no meio do silêncio da morte, Arqueógenes ouviu o  choro débil de uma criança, e dirigiu-se para o canto de onde o som provinha.
Enrolado nuns farrapos estava um bebé de colo, ainda com vida.
Pegou-lhe, cautelosamente, sem por um momento imaginar que Xérem se tinha apoderado da alma do inocente, e quando os seus olhares se cruzaram Xérem, o odioso, chispou-lhe para cima resmas de coisas medonhas,
E enquanto o seu corpo se contorcia, Arqueógenes perdeu todo o cabelo, penas de pavão brotaram-lhe violentamente da pele e os sapatos saltaram-lhe dos pés, esses pés que se iam transformando, aos poucos, em enormes e horrendas patorras peludas.
Arqueógenes, com as forças que lhe restavam, conseguiu fugir, mas ainda hoje, séculos depois, quem olhar mais atentamente sobre o castelo, lhe poderá ver a sombra patuda.

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