quarta-feira, 13 de junho de 2018

Catalina e os #Heterónimos

Catalina sempre tinha passado por grandes provações.
Logo quando veio ao mundo, fê-lo com muita dificuldade, e, embora não se lembrasse de absolutamente nada, contaram-lhe mais tarde que o diâmetro da sua cabeça era bastante maior do que o orifício por onde fora obrigada a nascer.
Talvez devido a esse primeiro episódio, nada insólito mas muito traumatizante, não sei, não estou bem certa do que digo, nem há cabeça em bico que não se disfarce com um chapéu, ou com um penteado, e  apenas com a tenra idade de três anos,  disso já havia memórias e certezas  vagas, começou a ter perceção, antes do devido tempo de adulto, de uns quantos fantasmas que lhe saíam da pele, sombras que fisicamente ocupavam o  espaço volátil de si própria, arrumadas ao seu lado, sobrepostas em meio corpo como bolachas em travessas, numa festa de hotel.
Imitavam-lhe os gestos. Se dormisse em posição fetal, elas dormiriam consigo, na mesma posição, e , se encurvasse as costas para atar um sapato ou para apanhar um brinquedo do chão, aquelas  presenças imitavam-lhe descaradamente a alegria e o entusiasmo de criança.
Para onde fosse, elas iriam. Repetiriam tudo o que fizesse. podiam, até, ter pensamentos de formatos e consistência diferentes, mas os gestos eram iguais, e, queiramos ou não,  apesar de não existirem, ocupavam matemáticamente um espaço muito maior do que o mero irreal imaginado.
E  para ela, e com ela, Catalina, que era também uma simples invenção sem  importância, durante um curto, ou, quem sabe, extenso  período de vida, dariam ao seu nome uma  comprovadamente difícil longevidade.





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