domingo, 3 de junho de 2018

Xangrila e os Espelhos

Passeava sempre com uma nuvem
de fumo gorduroso sobre a cabeça.
Os vapores tóxicos
dos escapes dos automóveis,
ajudavam ao nevoeiro.
Às vezes, ia à sala dos espelhos,
e ia sempre às horas corretas,
à hora dos cometas da treta,
quando amanhece.
Saía de casa só para isso.
Atravessava a longa  passadeira,
depois o passeio depois o jardim.
Pedia à nuvem, teimosa,
para aguardar um pouco
e entrava.
Lá dentro, ao mudar de posição,
o reflexo
da sua cabeça era alongadíssimo
ou os olhos ficavam
desmesuradamente grandes,
ou então as pernas,
dois esparguetes sem fim,
e o tronco engordava brutalmente,
e podia rir-se.
Depois ia-se embora
e esquecia.
Com tudo incluído.
E esse desastroso esquecimento
provocava-lhe a dor inversa
ao que é habitual.
Então,
agarrava na pena de pavão
arrancada ao chapéu,
que gritou de dor, sempre excêntrico,
e, com o objetivo
de se desfazer do desinteressante,
verificava
que tudo cabia num saco.

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