quarta-feira, 24 de abril de 2019

O #Jantar

O tio Alberto cuspiu um pedaço de folha de louro que tinha atravessada nos dentes, já há um bom tempo, e aproveitou com o gesto para também disfarçar um certo comprometimento. Tinha acabado de pedir duzentos euros à mãe.
A  avó Joana também revelava sinais de nervosismo, percebia-se que não estava de bem com o filho, e, talvez por isso, deixou cair a posta de peixe corvo, inteirinha. sobre a carpete.
Espetou-lhe o garfo  até ao fundo da carne e  levantou-a com o  punho bem fechado em torno do cabo do talher para a chegar mais perto dos olhos.
" O que é isto? Não vejo. Uma ervilha? Passa-me a lupa!"
"É pescada, avó", respondeu, solícito, e foi-se baixando para limpar o desastre que a senhora tinha acabado de provocar, mas, assim que se inclinou, arrependeu-se.
Do lado do primo Isaías vinha um bafo nauseabundo. "Porco", pensou no momento, mas sem nenhumas más intenções, porque era um menino bom.
Do outro lado da mesa, viu as pernas da tia Alice, com os elásticos a colapsarem-lhe a circulação, os pés nos sapatos velhos e deformados pelos joanetes. "Que nojo", pensou sem maldade nenhuma a criança.
Levantou-se rapidamente e saíu daquela zona, atordoado.
Tão rápido e descuidado foi na forma de se levantar que bateu com a testa na esquina da mesa.
Felizmente estava lá o primo Adérito, que era enfermeiro.
"Afastem-se todos", ordenou, e rapidamente lhe enrolou a massa fresca de volta do crâneo.
Essa intervenção  revelou-se muito importante.
Aliviou-o da pressão  das pontas das estrelas amarelas que orbitavam, no momento, sobre a sua cabeça.



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