terça-feira, 23 de abril de 2019

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Os livros desapareceram, as estantes foram desmontadas e as paredes ficaram brancas com traços de sujidade geométrica que demarcava a anterior posição de cada um.
Foram colocados em caixotes, que por sua vez foram selados com uma larga fita adesiva, que juntava as partes num todo e fazia deles um único volume.
Mais tarde, lavaram e pintaram as paredes, reduziram o número de objetos expostos, fizeram uma sala ampla e agradável, de linhas direitas e muito conforto, agarraram nas caixas com peso insuportável e levaram-nas para a casa de campo, na aldeia onde moravam todos os avós.
Na casa de campo havia ratos que gostavam de roer papel e  podiam comê-lo.
Em plenos dias de sol, se a velhota estava do outro lado, do lado do quintal, eles sentiam-se em  total liberdade, nem precisavam de se esconder correndo de sombra em sombra, camuflados atrás dos móveis  que tapavam a luz difusa que entrava pelas janelas durante a noite.
A begónia, imóvel, vegetava num vaso ao centro de uma  mesa redonda, e as suas folhas vivas confirmavam a presença da mulher que, de vez em quando, a regava com pequenas porções de água fresca para a alimentar.
Agarrou numa  faca e cortou o cartão que rodeava tantos livros amados, e, durante uns tempos, entreteve-se a forrar a casa com eles.
As caixas vazias levou-as para o lixo, a custo, e enquanto percorreu o caminho descendente, transportando-as, vezes sem conta, passando o portão de ferro até chegar ao contentor, ia atevendo, satisfeita, a companhia que teria de futuro com tanta literatura para preencher as horas mortas.
Sentou-se no sofá abrindo um qualquer, por ler, nas primeiras páginas.
Olhou em volta e apreciou a aparência das lombadas e das madeiras obscuras, quedas e mudas, circundando a casa.






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