sábado, 29 de dezembro de 2018

A Estatuazinha de Pedra.

Um objeto indefinido entrou, voando, pela porta do estabelecimento rasando a cabeça de quem entrava naquela altura.
Foi aterrar sobre a mesa do Agostinho que bebia um galão e comia um rissol pela manhã.
Era uma esfera de tons violáceos, que acabou por parar depois de embater contra o prato e contra o copo uma dúzia de vezes. Foi diminuindo os seus movimentos no terreno irregular que as migalhas de pão provocavam, e estancar de vez.
A bolha abriu os seus contornos metálicos, como se fossem pétalas, e expôs a surpresa que tinha lá dentro.
"Tchanam...!"
Disse a criatura pequena, com a sua saia de balão, talhada em fina pedra de vulcão, mármore cor de rosa polido, afinal.
Agostinho ia trincar o pastel, mas parou de repente. O salgadinho gritou "Alto!", e ele parou.
A mesa retangular começou a andar com as suas quatro pernas enquanto se encaminhava para a saída, mas não conseguia passar, e então dois personagens sentados em frente, levantaram-se e ajudaram naquela difícil manobra. tornada ainda mais difícil porque a mesa não parava de espernear.
Várias peças da mobília seguiram atrás, e eles amáveis, deixaram-se ficar por ali, para irem auxiliando quem precisasse.
Agostinho ficou sentado numa cadeira normal mas muito irrequieta, a um canto da sala. Podia agora ver-se-lhe o casaco amontoado sobre as pernas cruzadas, o sapato gasto na ponta, as calças cinzentas, e uma meia preta, esta última visível apenas pelo facto do tecido estar repuxado naquele joelho, com as mãos ocupadas sem ter onde pousar as coisas.
Os guardanapos também tinham desaparecido junto com a diáspora dos móveis de pastelaria.
A estatuazinha,ou lá o que era aquilo, desprendeu-se do suporte e voltou para trás. Passou a alta velocidade a um centímetro da orelha de Agostinho, como se alguém, escondido atrás daquele murmúrio matinal, a tivesse arremessado para lhe acertar.
Depois,  imobilizou-se de repente, grande atleta que devia ser, e falou assim ao seu ouvido:
"Eu sou uma estatuazinha de mármore polido, venho do planeta das estatuazinhas de mármore polido e todas viajamos dentro de esferas violáceas que  abrem as suas pétalas metálicas para nós desembarcarmos, como as flores  que vossas senhorias têm por aí."
Mas, nesse preciso instante, dois camarões sem cabeça perfuraram a massa frita, e começaram a cantar ao desafio, equilibrando-se majestosamente nos dedos de Agostinho.
 Para que não caíssem, foi necessária toda a concentração disponível e ele nem conseguiu descodificar a tempo  o que  foi dito pela estatuazinha de pedra ao seu ouvido.
Não sei onde se meteram todos quando, umas horas mais tarde, passaram nas janelas um pano com limpa vidros.






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