segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

O Comboio da Linha

Quando a densidade atmosférica
está de feição,
e se reunem as condições ideais
para o som se propagar no espaço,
ouve-se o comboio,
com o seu viajar metálico,
a atravessar as terras.

Entre cada vila,
ondeiam sobras de mantos
de azedas amarelas,
e papoilas, no tempo delas,
e durante o dia há tanto ruído,
que os sons se misturam,
honrosa exceção, para os aviões
fingindo serem pássaros.

Também os patos que aqui habitam,
e que riem tanto ao grasnar.
que não se deixam confundir
quando rasam os telhados.
vindos da apanha das minhocas
nas raízes do riacho,
por isso não sabem de onde são,
mantêm-se cá só para ter onde viver.


E eu sou um daqueles.
dos outros,
Sento-me e ler um livro, e, à noite,
ouço o comboio,
quando o tempo está de feição.

As ruínas da casa velha,
já não as posso ver.
São sinal de trabalho desnecessário,
da observação cansativa
dos melros que me espreitam
sem a camuflagem do verão
para se esconderem.

Quero as folhas nascidas
o mais rápidamente possível,
para que
cubram aquele monte de pedras
e restos de parede,
com o seu manto verde,
e quero esse manto
com o sol a incidir diretamente
sobre ele.

As pessoas queixavam-se tanto
dos dias luminosos,
que acabou por apoiar a cabeça
no vidro inquebrável,
fechar os olhos e adormecer.
Um fio de baba  escorreu-lhe
por um canto da boca entreaberta .
Um fio vertical que se alongou,
elástico,
enquanto a paisagem se perdia.

Só depois de parar completamente
se abriam as portas.
Primeiro saíam uns
e depois entravam os outros,
com educação.
Não havia associação entre o homem
e o génio que o habitava,
preso a um corpo tão reduzido,
era igual a outro homem qualquer,
ou a uma criança, ou a uma mulher
mais corpulenta.

Os cães  ladram na quietude da noite,
mas são cada vez menos.







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