sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

#Nata

Trazia ao pescoço uma figa que a tia lhe tinha dado.
Assim que a recebeu, não sem ouvir primeiro que tinha sido muito cara, que era de ouro e dava sorte, tropeçou na carpete, caíu e partiu os óculos.
As pessoas começaram a rir, e ele, enraivecido, quando a senhora lhe estendeu a mão para o ajudar a levantar-se, puxou-a  com força, e ela desiquilibrou-se sobre os sapatinhos de salto, e o seu corpo acomodado rodopiou duas vezes até que assentou o traseiro na sua barriga.
Na mão direita apertava continuamente o presente, não deitaria nada fora, e para mais uma prenda de ouro puro.
 Os seus olhos desadapatados, de míope, faziam-no desconfiar das sombras, e de facto, com os outros sentidos bem apurados teve a perceção de que Ramelau, o criado, o observava e  lhe lançava chispas de ódio que lhe incendiavam o fato cinzento, e ouviu-o, com nitidez, avançar dois passos  para lhe espezinhar os óculos.
Ouviu também as lentes a estilhaçarem debaixo dos  pés malcheirosos do heroí.
A senhora lá se levantou a custo, agradeceu a almofada, riu-se um pouco comprometida, com a mão em frente à boca para não se lhe verem os caninos compridos, o grau absoluto da malvadez naquele cenário assombroso.
Queria arrancar o colar e não conseguia, puxava, desesperado, fazendo uma ferida circular em torno do pescoço.
Ramelau pisou-lhe o braço de propósito.
A porta abriu-se e entraram sete anões vindos do supermercado, cada um com seu saco.
Quando viram a Branca de Neve no chão, aos gritos, voltaram a sair e fizeram um piquenique no jardim. e comeram.   Expuseram tudo na relva enquanto ele gritava de dor. Pior, ligaram o rádio.
Ramelau sentiu o cheiro do queijo Roquefort, do pão fresco, do doce de #natas,  Já quando era vivo lhe agradava a comezaina, quanto mais depois de morto, e resolveu ir lá fora.
Com o que lhe restava de força conseguiu finalmente livrar-se da figa, e atirou-a pela janela,
Matou dois anões com aquele gesto.













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