segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Os Sapatos de Stan-Lee

#Stan_Lee, um dia foi ao cinema.
A mulher sentada à sua  frente tinha  uma grande cabeleira redonda, tapando-lhe as imagens do filme.
  Movia a cabeça com o rigor de um pêndulo, ou com se estivesse virada ao contrário, presa pelos pés, ou como se a lua ondulasse, suspensa por  uma boa corda de aço, e balançasse ao sabor do vento noturno em noites de lua cheia, ou qualquer outra impossibilidade parva.
 A verdade é que não via nada para a frente.
Num reflexo inconsciente e entorpecido, fez o gesto de inclinar o chapéu sobre a cara para se proteger dos insetos, que aproveitavam a sua imobilidade, e foi-se enroscando para dormir uma sesta no veludo encarnado das cadeiras.
Acabou por adormecer.
Ao fechar os olhos, as libélulas entraram subrepticiamente no seu sono.
Talvez pela sua influência, nem uns segundos depois, já ele imaginava helicópteros, naves espaciais, ou hidroaviões amarando em todas as superfícies espelhadas.
Por causa dessas belezas metálicas, os pássaros verdadeiros iam fugindo, com medo daqueles animais muito maiores e incandescentes.
Eram tantos, que formavam nuvens compactas e a luz esmorecia.
Também as aves solitárias se definiam no céu imenso, imóveis sobre a parte negra das árvores.
Quando acordou, a erva seca que roía tinha-lhe caído da boca. o vento tinha-a levado, e tinha os seus lindos sapatos praticamente desfeitos, como, aliás, lhe acontecia sempre.
Desta vez, um deles tinha um buraco previsível num ponto crucial, ligeiramente desviado de um dos eixos principais do seu esqueleto vaidoso.
Pelo menos assim lhe parecia.
 O outro, o cão estava a roê-lo, fixando-o ao chão com as patas.
O esquerdo, com um arredondado gasto na planta do pé onde o dito suporta mais peso, todo o peso que se carrega sobre as pedras do caminho irregular.
O direito, estava irreconhecível, estraçalhado aleatoriamente pelos dentes do animal, que, acabou por acalmar com as palavras suaves do dono.
Na sala, lá nos confins das superfícies estofadas, alguém riu, nervosamente, durante o tempo todo, mas calou-se quando acenderam as luzes e deram por terminada a sessão, e não chegou, sequer, a ver-lhe o rosto.
Então,  enquanto os outros iam saindo em filas ordeiras, ele  esperou um pouco. e ficou sentado a olhar as solas  com o interesse relativo do costume, era apenas mais uma prova, a juntar às outras, mais uma vez..., de que vivia outras vidas enquanto dormia, e pisava o asfalto e as  rochas soltas, correndo às cegas pelo  nevoeiro cinzento e impenetrável.



As pessoas comoviam-se
com as coisas que viam,
e começavam a chorar muito, muito,
e formava-se um rio
que saía pelas portas
dos velhos cinemas,
o S. Jorge, por exemplo,
descia todas as escadas
que tinha que descer,
acumulava-se no passeio com
lindos desenhos incrustados
na calçada,
e começava a descer a Avenida,
levando folhas, beatas,
pedaços de coisinhas por ali fora,
que rodopiavam nas sarjetas,
e ali ficavam,
tapando as entradas de água,
facilitando
aquele fluxo que se adensava,
que já inundava o Rossio,
acabando por chegar ao Tejo,
onde,
misturado com as àguas turvas e doces
que já vinham de muito longe,
atravessando as lezírias
e outros tipos de terrenos
mais ou menos acidentados,
acabava por se misturar com o oceano
que banhava , por  momentos,
as praias salgadas.







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