quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Gabriela, ou Mais uma História Parva

Gabriela levantou-se pensando que viveria mais um dia igual a tantos outros.
Quando colocou os pés no chão, ao sair da cama, não sabia que, no meio da rotina costumeira, se passariam coisas muito para além do que se pode esperar de um dia normal.
Pelo menos na sua cabecinha de criança perdida, desde sempre, nos bosques  dos livros de contos de histórias de encantar,  tinha, agora, a oportunidade de encontrar, se iniciasse as buscas logo pela manhã, os dois cisnes negros que a perseguiam, para, num futuro próximo, se alimentarem do seu trabalho de poeta, da sua construção, aniquilando a beleza das coisas.
Se não tivesse o máximo cuidado.
Era necessário subir uma grande escadaria.
A altura dos degraus, para uma menina tão pequena, era enorme, mas Gabriela alçava a perna o mais possível, subia-os um a um, devagar, e não desistia.
Percebeu, logo aí, nesse acaso que a vida lhe reservou, que a sua primeira provação era, precisamente essa, verificar que as palavras não são nada comparadas com a grande árvore centenária, de tronco grosso e ósseo e amoroso, que acabara de encontrar no cume do firmamento.
Compará-las com as garças imóveis sobre as pernas compridas e finas, ou com as magnólias na altura da floração, enraízadas na sua cabecinha tonta, na sua massa cinzenta rosada, era pura perda de tempo.
O que eram as recordações, então? E como se marcavam no tic tac do relógio?
Buscava insistentemente, espreitava atrás dos arbustos, pelas grutas, pelos prados, procurava   a Viúva  má e a Águia má, para lhes perguntar.
Depois de subir o mais possível, chegou a um campo de trigo, esperando ver as borboletas que por lá serpenteiam, pelo meio das hastes de palha. Nada.
Como escrevo isto?
Ninguém acreditaria em mais uma menina tola, que, no descampado ardia para que fosse  a sua vez de jogar.
 Quantas gotas de evapotranspiração, tiveram que  cair fazendo plim, e ela sentada numa pedra, à espera que essa palavra horrorosa soltasse a sua gota, para quem não sabe, uma  lágrima que se forma nas plantas, na ponta das suas folhas, quando bebem demais.
Caíram quatro no chão. Pimba! Formando #jazigos de água.
De facto, deixou de  acreditar nelas. Desde esse dia.
A partir daí, e para o resto da sua vida, os seus olhos  ficaram eternamente a lançar nomes para fora do tempo comum, calando aquilo que os outros não querem ouvir.
Era só o gosto, ou o medo, não sei, de entrar na caverna, para lá dentro  receber o eco das vozes, sei lá eu vozes de quem ou de quê:
Gabriela, mostra-nos as voltas que  dás para dançar em liberdade!













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