sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Sem uma #Verruga


Sempre que podia, trepava o monte,  descia-o do outro lado, e refugiava-se no vale escondido de pessegueiros e oliveiras que cresciam, abandonados e selvagens, e em cujos troncos se enrolavam livremente as hastes das videiras.
Sentava-se na pedra habitual, comia a sua bucha, agitando a bengala quando se irritava com os versos que insistiam em não nascer, ou quando as abelhas se aproximavam demais.
Tinha a cara  atravessada por centenas de rugas, umas mais superficiais outras mais fundas, que se cruzavam, sem qualquer simetria ou padrão.
Quando  a Avó Clara era viva, e era ela que tinha as rugas incrustadas na pele, e ele era tão pequeno, a que morreu no sono tranquilo, um dia deitou-se e não acordou mais, como se o corpo velho ficasse apenas a descansar ali, para sempre, sem os óculos tartaruga  que depois permaneceram, durante meses em cima da mesa de cabeceira, chamava-o pondo as mãos em concha, debaixo do alpendre da cozinha: "Manel, olha o almoço", mas sabia que ele não ira responder.
 Ela voltava para dentro, limpava as mãos ao avental, remexia  o lume feito no chão, para o manter vivo, e ele crepitava debaixo das panelas e soprava o seu fumo negro de encontro às  paredes.
 Entendia muito bem que o Manel se perdesse nos caminhos, ou debaixo das árvores.
Nos dias de feira, passavam os homens e as mulheres em cima das carroças cheias de produtos para vender,
Pelo estrada de terra, já iam apregoando coisas para começar cedo a cativar as pessoas que por ali andassem em movimento:
Ele ia atrás, na sua bicicleta, a marcha era lenta, e às vezes punha um pé no chão para se equilibrar. Nem estava ali para comprar nada, apenas para mais tarde, chegar a casa e escrever palavras inimagináveis, e nunca antes ouvidas no mercado da aldeia.
Subiria a um banco, na semana seguinte, e declamá-las-ia para toda a gente.
Entre os livros da escola, metia outros. Sempre.
Teria que esperar que se recolhessem, o irmão, a mãe, a avó Clara, que o chamava pondo as mãos em concha, e que morreu no sono tranquilo, sonhando com as estevas compactas a produzirem um polén azul inusitado de dentro das suas flores, para escrever.
Debaixo do colchão guardava muitos dos versos, em papéis soltos.
Havia tardes que observava as ervas secas, e os gafanhotos, que se mantinham quietos até ao momento de o seguirem na sua marcha, pela beira do rio, passando a pontezeca,, e chegando outra vez ao  quintal.
Com a ponta da bengala, fazia-os saltar.




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