sexta-feira, 1 de março de 2019

Separação-4

Mais um recurso do mar que o ajudava a não se esquecer de nada. Para isso, tinha-o a ele, bastava um olhar mais intenso, e para lá projetava as memórias, e elas conforme o peso, a densidade e outras questões físicas de somenos importância, deslizavam ondulantes para o seu fundo.
Não era o primeiro, nem seria o último, que aproveitava o casco de um velho barco, na praia, para efeitos semelhantes, tantas coisas que se podem ali imaginar, sentados com o rabo na areia quente e as costas ligeiramente encurvadas, apoiadas na madeira. Lembrar coisas passadas,  fazer planos de um eventual e promissor futuro, se bem que algumas boas intenções morrem ali ao sol.
Também há os que aproveitam para coisa nenhuma, só ficam dormitando, enquanto ouvem o ruído das ondas, cuja bela cadência se torna tão agradável que é vulgarmente roubada à  mãe natureza pelos amantes de poemas e outras inutilidades.
Um dia deixou-se dormir, incentivado pela temperatura morna do fim da tarde.
Houve até um momento em que o  seu corpo ficou cor de laranja, refletindo as tonalidades do sol que regredia no horizonte, até finalmente desaparecer e levar com ele a grande maioria das cores.
É o momento dos pássaros, quase todos, regressarem aos seus ninhos, e aparecerem os morcegos, e os gatos silenciosos, de olhos muito grandes, atentos, sobre os armários dentro das casas,  enquanto outros corações dormem ao relento e acordam cheios de frio, a tiritar, para me expressar melhor.
E tudo o que era sonho voltou. naquela escuridão das noites sem lua, voltou o negrume das habitações de pedra, da palha, dos montes atrás de si.






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