sexta-feira, 15 de março de 2019

A Mãe, 6

O homem incompleto percorria as ruas da cidade. Caminhava igual aos outros, dava os mesmos passos, pisava as mesmas calçadas de pedras incrustadas em motivos relacionados com o mar.



Um dia chegou a casa e a mãe estava sentada na cozinha, com um alguidar de feijão verde para arranjar em frente a ela, e com um semblante  muito entristecido. Apreensivo, chegou-se à sua beira para a consolar.
"O que há, mãe, estás bem, mãe?"
"Oh, meu filho, não estou nada bem. Sou obrigada, hoje, por motivos de força maior, pelo peso das circunstâncias, a contar-te um segredo que guardo no coração há uma eternidade."
"Ora, mãe..., não será mais uma lamechice que inventaste por causa das novelas da TVI que vês em demasia? Diz-me o que se passa, então."
"Quando tu nasceste eu trabalhava na maternidade. Na altura bordavam-se os lençoís com um pequeno "m", de maternidade, precisamente, e era o que eu fazia. Ficava lá num cantinho a bordar.
Um dia, não sei o que me deu, roubei um bebé de um monte que eles faziam com os nascidos nas horas anteriores e que, ao fim da tarde, vinham recolher.
Escondi-o na cesta dos lençoís e fui-me embora a correr, até me esqueci do dedal e duma tesoura bem boa, nunca mais voltei a encontrar uma igual, mas tinha medo de lá voltar, não fosse dar-se o caso de ir parar ao #xelindró, e eu não queria.
Esse bebé és tu, meu filho."
"Tu não és minha mãe, mãe?"
"Não és meu filho, filho. És filho de outra pessoa que não eu."
"Mas..., porque esperaste trinta e cinco anos, nem mais um nem menos um, para me dizeres?" E, enquanto  interrogava a singela senhora, as lágrimas  desciam-lhe pelas maçãs do rosto, transpunham os aros dos óculos e introduziram-se-lhe nas barbas, desaparecendo na escuridão, até voltarem a aparecer no pescoço, formando  um pequeno caudal.
"E hoje, filho, bateu-me à porta a tua mãe de verdade, a que te pariu, e, embora eu  te ame estupidamente, não posso privar-vos aos dois de se amarem também. Terás de a conhecer, meu filho, e que deus nos ajude.
Venha cá, Dona Rosa. já pode sair do armário, veja o nosso filho, tão mimoso que se tornou.".











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