segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A Sombra

Andava eu pelas ruas de Lisboa, descomprimindo um pouco a cabeça toldada pelos inúmeros afazeres que o dia me tinha reservado, quando, inesperadamente, a minha sombra, que segundos atrás  era tão visível  caminhando à minha  frente, precisamente como as sombras fazem imitando os nossos gestos em modo cinzento, desapareceu.
O sol, que incidia fortemente nas minhas costas, mantinha-se a descoberto, eu não passara por baixo de nenhum prédio, nenhuma ponte, ou qualquer outra edificação  que com a sua opacidade a pudesse esconder, e comecei a ficar deveras preocupada, não  fosse ter-me acontecido o mesmo que a Peter Pan, que perdeu a sua e ainda hoje tenta recuperá-la sem sucesso.
Parei imediatamente, para poder olhar com atenção  o que me rodeava, na esperança  de ainda a apanhar por ali perto. 
De facto, sobre um toldo amarelo de um pequeno café  de esquina, deparei-me com a dita, sentada de perna cruzada, esperando que eu passasse sem dar pela sua falta, para depois ir à sua vida de sombra libertada. 
Mas, não contava ela com o meu vasto conhecimento da sua personalidade, tanto pelos muitos anos de convívio, já  que  nos vimos crescer uma à outra, como pelo facto de a minha capacidade de avaliar caráteres ser muito razoável, eu sabia como haveria de a convencer a colar-se novamente aos meus pés.
_Chega cá  abaixo, quero  falar contigo! Se faz favor, claro!_
Quando ela desdeu, segredei-lhe qualquer coisa no lugar onde presumi que  devia estar o ouvido e que sabia ir deixá-la contente. 
_Estás a segredar-me para a testa. Mas sim, volto. Já  'tô farta de 'tar ali em cima a ver as pessoas a passar.  E tu até  és uma pessoa educada, sempre tenho companhia._
E seguimos as duas até casa.




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