quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Uma #Pauta para Pássaro

 À conversa com um pássaro que me veio pousar no parapeito da janela, contei-lhe os meus receios.

Acharão, decerto, estranho que tenha iniciado conversa com uma ave, já que, para além de não falarem para nos poderem responder, nem sequer são bons ouvintes, cortam-nos a palavra constantemente, para cantarolarem pequenos trechos melódicos sem interesse nenhum, muito melhor do que eles cantam alguns homens e mulheres, muito mais belas são as notas dos instrumentos musicais que o homem foi inventando ao longo dos tempos.

Ainda assim, e muito por não ter com quem falar no momento, expus-me a essa situação ridícula e embaraçosa, acaso algum vizinho passasse por ali e desse conta do insólito.

Durante alguns segundos, em que esperei de forma inconsciente que ele fizesse o que lhes é habitual, que seria partir como chegou, naqueles seus jestos nervosos e delicados, quase parece, às vezes, que nem chegam a pousar nas superfícies, tal é a rapidez e a instabilidade com que se movem, ficámos-nos a olhar mutuamente, cada um à espera da reação do outro.

Após esse período, que me pareceu muito longo, mas que provavelmente nem terá sido, somos enganados muitas vezes pelo tempo, comecei a contar-lhe, não direi a minha vida toda, porque também não sou assim tão idiota, que, sem o conhecer, lha fosse narrar ao pormenor, para ele ir fazer mexericos com os vizinhos,  sob a forma de trinados e gralhadas.

Logo no momento seguinte, e porque não foi a primeira vez que me pareceu vê-lo esvoaçando no jardim da casa em frente, à procura de alguém, arrependi-me. 

Como eu imaginava, pouco ouviu do que eu lhe disse, parecia uma conversa de tontos, eu falava em alhos e ele respondia em bugalhos, e dali não saímos durante toda a manhã. 

A determinada altura, confesso que não saí mais cedo dali, nem foi tanto por mim, o sol, no seu percurso arqueado, bem que me incomodou em determinados momentos, senti-me enebriar demasiado pela sua languidez, foi mais pelo animal, que parecia satisfeito por ter alguém com quem partilhar a manhã.

O clima é instável nesta altura do ano e, de um momento para o outro, o céu ficou cinzento e uma chuva forte, sob a forma de aguaceiro, começou a cair. uma chuva inadequada para aquilo que me ia sair da boca, em tom irado e dominador,  "Voa daqui para fora, já não te posso ouvir", mas tive pena dele, eu que sou um coração de manteiga, e ele, ali onde se encontrava, estava protegido pela reentrância dos telhado, não consigo ver pássaros à chuva, incomoda-me, é obvio que o deixei ali estar.

Por tudo isto, acabei só por lhe confessar por onde andava de noite, quando fechava os olhos, mas isso não é coisa pouca, são os nossos sonhos que se revelam, mesmo aqueles que se prendem com o facto de estarmos acordados, 

No dia seguinte, bateram-me à porta. Estranhei, à quela hora, ou a outra hora qualquer, não era comum que alguém tocasse à campaínha sem um prévio aviso, um telefonema ou uma simples mensagem de telemóvel.

Um desconhecido, com nariz adunco e cara de poucos amigos e que se encontrava desenhado na minha cabeça  há muito, ali estava agora, parado à minha porta.

_Escadas que sobem e descem sem fim possível, odores flutuantes que vagueiam entre as velas e as suas chamas e sombras que se deslocam nas paredes pelo tremor delas? Universos diferentes? Tem de me acompanhar, está presa!_

E aqui fiquei, já nem sei por quanto tempo, encerrada numa gaiola.





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