quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O João Pedro

O João  Pedro já  saíu do parque bastante aborrecido. Não gostava nada que lhe roubassem o lugarzinho para o automóvel.  Em boa verdade, o lugar não era propriamente dele, mas habituara-se a arrumar ali o carro, era mesmo em frente a sua casa, mesmo em cima da porta, que fora aberta sofrivelmente para a via pública quando os pais quiseram fazer do andar de baixo a habitação  permanente do seu único  rebento e respetiva família, acontece é que o passeio faz uma reentrância arredondada mesmo a calhar para deixar o velho Audi à mão de semear, num instante se metiam os putos dentro da viatura, se arrumavam as compras, enfim, uma série de processos ficavam facilitados, se os vizinhos não  queriam ver eram mujto obtusos, por isso é que ele tinha uma grande pedra ali à mão e já  não era a primeira vez que a utilizava, se alguém  abusava da sua paciência,  colocava-a em frente a uma das rodas dianteiras da viatura do abusador e, das duas uma, ou ele não dava pelo objeto e arrancava com o automóvel, depois se veriam os estragos, ou dava por isso e tinha que a tirar para seguir viagem, servindo assim de aviso ao prevaricador.
Naquele dia o caso era diferente. Desde que tinham começado as obras na vivenda em frente, os homens estacionavam ali a carrinha cheia de materiais, como se aquilo fosse deles. 
João Pedro, aconchegou o cachecol em volta do pescoço e endireitou os óculos. 
Estava ali um problema bicudo. Em primeiro lugar, eles só ocupavam o espaço  durante o dia, logo, não  havia possibilidade de lhes deixar o recado, já  que essas manobras são  para serem feitas pela calada e não  à vista de todos, e depois porque, nem sabia se haveria de o confessar a si próprio, aqueles homens todos, que se aborreciam uns com os outros durante o expediente, vociferando palavrões tão fortes quanto as suas vozes, metiam-lhe algum respeito.
Nestas fases em que alguém  tinha o descaramento de o vilipendiar, a vida já não  era a mesma. O sucedido comprometia fortemente o seu dia a dia equilibrado, mesmo que quisesse pensar noutro assunto, não  era capaz, o seu quotidiano tranquilo desfazia-se para se transformar até  em raiva, ficava sem paciência  para as crianças, falava secamente à mulher, enquanto ela se queixava inutilmente de ser pau para toda a obra, nem a ouvia, a irritação  ocupava-lhe a mente, nem o dia de trabalho, o patrão  a palrar e ele sempre de acordo, "#yes_men", "yes men" era o seu lema, já tinha  evitado muitos dissabores pela sua postura submissa. 
No emprego, ainda vá, vamos dizendo que sim a tudo, mas na nossa vida particular, também? Porventura não  veriam as pessoas que há  direitos que se adquirem, que ele vive mesmo ali, precisa do espaço muito mais do que qualquer  outro?
Um prego. Quando pensou no prego a sua disposição  tendeu a melhorar. Sorriu para a  mulher, agarrou no aviãozinho com que o filhote brincava e movimentou-o no ar. A criança,  pasma com o facto do pai se incomodar a prestar-lhe atenção, ficou de olhos arregalados, observando.
_Finalmente  estás bem disposto, João Pedro. E posso saber a razão._
_Um prego, Sónia, lembrei-me de um prego!_

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