terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Nem Eu Sei Se Foi Nos #Alpes

Saíam de casa pela calada da noite. Enveredavam por caminhos onde sabiam não  passar mais ninguém àquelas horas, levavam o material necessário, sabiam onde se escondiam. Era a época ideal para a sua recolha. 
Havia tantas que iam munidos de grandes sacos.
As crianças  acompanhavam-nos, era-lhes pedido silêncio,  mas claro, de quando em vez ouviam-se risos abafados, contidos apenas pela restrição  imposta pelos adultos.
Com sorte , seriam colhidas às mãos cheias, mas escorregariam algumas por entre os dedos dessas grandes mãos, e os meninos e as meninas haveriam de as meter nos bolsos, e os seus bolsos brilhariam através  do tecido grosso.
O mais sorrateiro dos gatos parou. Debaixo das patas levava algumas. Perigo. Para ele e para elas, dissimuladas, também, nas sombras da lua, num qualquer sonho profundo.
Para quem sabia do assunto, era relativamente fácil.  Bastava a atenção  devida para os mais elementares pormenores, como o rumorejar de duas ou três folhas indistintas, que se abraçassem nas árvores do passeio mais virado a norte.
Nessa escuridão podiam estar em todos os sítios, a brincar aos equilíbrios, ou no alto de um muro, ou nas arestas dos telheiros. 
Compensava largamente. Ficariam o ano inteiro observando o brilho extraordinário  da superfície  do mar, vê-lo-iam  numa rosa pequena, pintada num tecido qualquer de cortinado, serviriam para contar histórias, para falar.
Era admirável. Era inalcançavel, invisível, indizível, voluntarioso.
Leves  e agitadas, formavam frases pelo caminho de regresso, agarravam- se às irregularidades da serapilheira.
Haveria depois uma  época de tanto trabalho caseiro, em que os mais robustos dos homens puxariam em forças opostas para que se soltassem umas das outras, para depois as guardarem devidamente catalogadas. 
Mas, as  verdadeiramente preciosas eram as que se escapavam das mãos  em concha dos coletores de palavras, por causa da imensa liberdade.



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