domingo, 28 de outubro de 2018

Amélia

Se me atrevesse a perceber cada uma delas, viradas para o mar, silenciosas, a sombra dos seus jardins em flor, do outro lado da estrada, não haveria água cristalina, notas de música, e não haveria um único poema.
Enquanto  eles ficaram por lá, naquela cadência habitual, mergulhar, secar, mergulhar, nós fomos dar um passeio.
Contornámos a curva larga, atrevêmo-nos numa rua  que parecia não ter fim.
Há sempre um maestro que nos conduz, como numa orquestra,
o seu papel no universo é precisamente, conduzir os violinos, as flautas, o contrabaixo,
ou outros instrumentos quaisquer, colocados nas rochas planas, nada de falésias,
apenas rochas horizontais,  línguas de pedra húmida,
de onde, inexplicavelmente, brotavam também rosas para colher em  ramos, cada um de sua cor, para lhe serem entregues no final, em sinal de reconhecimento.
Não é fácil descrever a rua, curvando para baixo, para depois seguir, comprida,
acompanhando o mar, que está do lado esquerdo, bem o vi, atrás dos  enfeites do restaurante e das grades do terraço, como se a sua vastidão fosse um grande olho prescrutador..
Levávamos mochilas ou sacos pequenos com os nossos pertences, por exemplo a carteira, a toalha, os cigarros.
A  areia terra sujava-nos os  pés.
Que bela ideia aquele miradouro verde ao fundo da baía luminosa, o mar tranquilo e azul, não há outra forma de o dizer, o mar tranquilo e suave por todo o lado.
Sentámo-nos num banco de madeira a apreciar o grande infinito
que ali estava à nossa frente, aparentemente mudo.
Depois, seguimos para lá do fim.
Nem as pessoas por ali andam já, porque não há paciência  para aguentar o vibrar impercetível da luz do dia a morrer, e a passarada a voar em preciosos ciclos de matar o tempo.
Cada gesto que fizeste, eu bem vi, atrás de uma cortina, os teus olhos de cera líquida que nos espreitavam, com o corpo evadido
e o coração acelerado como nós, considerando-nos a todos   uns malfeitores, porque perturbamos as ervas aprumadas, que, ao momento, nem se mexem, a tua vivenda majestosa e isolada, de guarda aos  oceanos sem fim.
Nem as cigarras cantam, não se ouve rigorosamente nada, e essa ausência de som acaba por nos cobrir, como se de um manto invisível se tratasse, os ombros arredondados, a descoberto na roupa leve,





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