quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Amadeu

Nos últimos tempos andava a notar na mulher qualquer coisa de estranho. Havia nela uma frieza que não lhe era habitual, esquivava-se com desculpas apressadas à sua aproximação, e mesmo quando tentava um gesto meigo, como um beijo na testa quando saía de casa para o trabalho, ou quando chegava cansado, e se abeirava dela para a cumprimentar, percebia-lhe nos olhos um vazio, sentia-lhe a pele arisca comunicando em silêncio que algo não estava bem.
Um dia de Inverno escuro, de frio húmido que atravessava tudo até chegar aos ossos, um frio impossível de combater fossem quais fossem os processos utilizados para aquecer as casas ou o corpo dos indivíduos daquela terra perdida num monte, encontrou um recado sobre a mesa da cozinha.

"#Amadeu, eu vou morrer. Deixo-te para que te lembres de mim a sorrir, para que não vivas a tristeza de  me ver  definhar, como acredito que nos próximos tempos me vai acontecer. Lembra-te, Amadeu. Eu sou alegria, sempre fui, e tu, melhor que ninguém, sabes disso, e é assim que te peço, encarecidamente, que te lembres da minha pessoa, sempre a rir."

Amadeu dobrou o papel em quatro, guardou-o dentro da mão fechada, e deitou-se em cima da cama por abrir.

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